Brasil perdeu 15% de suas dunas e praias em 36 anos

Dunas dos Lençóis Maranhenses: parque nacional garante preservação de área costeira que teve redução no Brasil desde 1985 (Foto: ICMbio/Divulgação)

Estudo do MapBiomas mostra deterioração de zonas costeiras: pressão imobiliária, empreendimentos e falta de proteção estão entre as causas da redução

Por Oscar Valporto | ODS 14ODS 15 • Publicada em 27 de outubro de 2021 - 12:02 • Atualizada em 3 de novembro de 2021 - 08:58

Dunas dos Lençóis Maranhenses: parque nacional garante preservação de área costeira que teve redução no Brasil desde 1985 (Foto: ICMbio/Divulgação)

Estudo do MapBiomas, a partir de imagens de satélite entre 1985 e 2020, mostram que área de praias, dunas e areais do Brasil teve uma redução de 15% – cerca de 70 mil hectares – no período. Em 1985, eram 451 mil hectares; em 2020, apenas 382 mil hectares. Além de dunas, praias e areais, o estudo As transformações nas Zona Costeiras nos Últimos 36 anos – parte da série O Brasil Revelado 1985/2020 – também avalia a dinâmica das áreas de manguezais, apicuns (áreas salinizadas desprovidas de vegetação) e da aquicultura/salicultura.

Leu essa? Manguezais: manifesto de 70 cientistas pede anulação de decisão do Conama

Na abertura da apresentação do estudo em webinar no YouTube, pesquisadora Julia Shimbo, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e coordenadora Científica do MapBiomas, destacou que a importância da conservação das zonas costeiras. “A preservação das praias e dunas é essencial para o controle da erosão costeira e preservação da faixa litorânea e sua biodiversidade. A praia e a duna normalmente protegem os manguezais das ondas, criando um ambiente favorável à vegetação”, disse.

De acordo com o geólogo Pedro Walfir, coordenador geral do tema zona costeira do MapBiomas, são variados os motivos para diminuição das superfície de dunas, praias e areais continentais revegetação (plantações e crescimento de grama, por ação humana) do topo das dunas, ocupação por empreendimentos aquícolas (como criação de peixes ou crustáceos) e salineiros, expansão de espécies invasoras. A diminuição das faixas de praias e dunas também pode ser explicada pela forte pressão imobiliária nessas áreas, sempre cobiçadas. “Devemos ficar alerta hoje para o crescimento de projetos de energia eólica nessas regiões”, acrescentou.

Walfir alertou ainda para a baixa proteção: apenas 40% das dunas, praias e areias estão protegidas em alguma unidade de conservação. “Por conta do Parque Nacional de Lençóis Maranhenses e da Área de Proteção Ambiental das Reentrâncias Maranhenses, o Maranhão lidera na proteção de dunas/praias e manguezais, respectivamente”, afirmou o coordenador do MapBiomas, instituição de pesquisa por satélite reunindo universidades, ONGs e empresas de tecnologia .

A quase totalidade (98% – 99 mil hectares) de suas praias, dunas e areais, 96% (24 mil hectares) de seus apicuns e 86% (398 mil hectares) dos manguezais do Maranhão são protegidos por Unidades de Conservação. “Portanto, o Maranhão é o estado com maior extensão de ambientes costeiros protegidos por UCs do país e um dos mais conservados”, acrescentou Walfir, professor da UFPA.

Entre os casos de ocupação por usos da terra, chama a atenção o avanço dos pinheiros sobre campos dunares no Rio Grande do Sul em áreas que fazem limite com florestas plantadas e a expansão da estrutura aquícola/salineira na região costeira do Rio Grande do Norte. “São preocupantes as perdas das áreas de dunas e areias em estados como Rio de Janeiro, Pará e Pernambuco”, apontou o pesquisador.

Os estados com maior área de praias, dunas e areais são Maranhão (101.565 hectares) e Rio Grande do Sul (97.395 hectares) graças a dois extensos sistemas de cordões arenosos: os Lençóis Maranhenses e o sistema de cordões arenosos do Rio Grande do Sul. Juntos, esses estados concentram mais da metade das praias e dunas do país. Dos dez municípios com maior área de praias, dunas e areais, três ficam nos Lençóis Maranhenses. Porém, o quarto e o quinto lugar da lista ficam no interior da Bahia: Pilão Arcado (14.934 hectares) e Xique-Xique (11.716 hectares), no noroeste do estado, perto da fronteira com o Piauí, concentram grandes áreas de areais.

Unidades de Conservação protegem manguezais

O estudo do MapBiomas aponta ainda que, entre 1985 e 2020, as áreas de manguezal no país permaneceram relativamente estáveis, passando de 946 mil hectares para 981 mil hectares. Entretanto, se houve um aumento nos últimos 15 anos do século passado, a partir do ano 2000 e até 2020, foi registrada uma retração de 2% nas áreas de manguezal. No Brasil, mais de 78% da área de manguezais está concentrada na costa Amazônica, que se estende do Amapá até o Maranhão, abrigando os mais bem preservados e extensos manguezais do continente. Por outro lado, é na região Nordeste e Sudeste, menores em extensão, onde os manguezais encontram-se mais ameaçados. Em ambas, de 2000 a 2020, ações antrópicas diretas foram responsáveis por 13% das mudanças desta cobertura.

“A criação de Unidades de Conservação em zonas costeiras protegendo manguezais foi de uma grande importância para a preservação dos manguezais”, destacou o geólogo Pedro Walfir. O Brasil possui 340 (13%) do total de suas 2544 Unidades de Conservação na zona costeira. Atualmente 75% da área de manguezais no país encontram-se dentro de Unidades de Conservação, o que deve contribuir para a preservação futura deste ecossistema, um dos mais ameaçados do planeta. “São, na maioria, unidades de uso sustentável, onde são combinadas a atividade econômica e a proteção ambiental, desenvovidas por comunidades tradicionais”, disse o professor Clemente Coelho Jr, do Instituto de Ciências Biológica da Universidade de Pernambuco, que participou do lançamento.

O mangue é o berçário de inúmeras espécies marinhas: 70 a 80% dos peixes, crustáceos e moluscos que a população consome precisam do bioma em alguma fase de suas vidas. Diversas espécies de peixes economicamente importantes utilizam os mangues como área de reprodução e depois voltam para o mar. Como a colonização brasileira começou pelo litoral, grande parte das áreas de manguezais e até mesmo de dunas e praias foi ocupada antes mesmo de 1985, quando começa a análise do monitoramento por satélite feito pelo MapBiomas.

Manguezais são formações vegetais encontradas em 16 dos 17 estados costeiros do Brasil, do Amapá até Santa Catarina. Apenas o Rio Grande do Sul não contempla essa cobertura vegetal. Os estados com maior área de mangues são Maranhão (460.745 hectares) e Pará (226.959 hectares). Juntos, eles respondem por 70% dos manguezais existentes no País. Nove dos dez municípios brasileiros com mais área de manguezal do país ficam nesses dois estados, mas a cidade com maior área de manguezal do Brasil (56.713 hectares) é o município de Amapá, no estado do mesmo nome.

Os pesquisadores do MapBiomas destacam que os apicuns estão intrinsecamente relacionados aos manguezais que tendem a crescer sobre essas planícies de maré hipersalina. Atualmente pouco mais da metade dos apicuns (56%) também está em unidades de conservação. Por outro lado, o atual uso de boa parte dos apicuns brasileiros para a produção de sal e camarões apresenta um risco para a conservação de manguezais. Por serem áreas descampadas e planas, os apicuns são preferidos para a produção comercial de sal e crustáceos, em especial camarões.

De 1985 a 2020, a área de aquicultura e salicultura teve um salto de 39%, passando de 36 mil hectares para 59 mil hectares. Já os apicuns tiveram uma redução de 12% entre 2000 e 2020, passando de 65 mil hectares para 57 mil hectares. Também chama a atenção que 8% da aquicultura nacional se encontre dentro de Unidades de Conservação: “Nestes casos, é importante checar se essas atividades estão em áreas que permitem exploração comercial e se seguem à risca a legislação brasileira”, advertiu César Diniz, coordenador técnico do mapeamento de Zona Costeira do MapBiomas.

O mapeamento mostra que o estado cuja área de aquicultura/salinas mais ocorre em Unidades de Conservação é o Rio Grande do Norte (2,5%, ou 1039 hectares), estado que concentra 67% da área salineira/aquícola do país. Rio Grande e Norte e Ceará concentram 82% das áreas de salinas e tanques aquícolas. Considerada a distribuição municipal, todos os 10 municípios de maior área aquícola ou salineira estão nesses dois estados.

Devido à dinâmica natural das zonas costeiras, os apicuns podem dar espaço a futuros manguezais e vice-versa. Isso ajuda a entender a liderança do Maranhão também em área de apicuns: o estado concentra 58% desse tipo de cobertura vegetal, ou 25.435 hectares. Ceará, Rio Grande do Norte e Bahia vêm em distantes segundo, terceiro e quarto lugar, respectivamente, com 4271 hectares (9,8%), 4088 hectares (9,4%) e 3930 hectares (9%). Dos 10 municípios com maior área de apicuns, oito ficam no Maranhão – incluindo Apicum-Açu, ou grande apicum, em tupi, que ocupa o décimo lugar com 1201 hectares.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

Newsletter do #Colabora

Um jeito diferente de ver e analisar as notícias da semana, além dos conteúdos dos colunistas e reportagens especiais. A gente vai até você. De graça, no seu e-mail.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe:

Sair da versão mobile