ODS 1
Terras caídas: erosão ameaça cinco mil ribeirinhos em reserva no Amazonas
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Estudo aponta que seca extrema aumenta risco para populações que vivem às margens de rios na Amazônia
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Mais de cinco mil ribeirinhos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá – no Amazonas, a cerca de 600 quilômetros da Manaus – estão em situação de risco devido à erosão e ao acúmulo de sedimentos nos rios. O número representa metade da população localizada nesta região amazônica que é banhada pelos rios Amazonas e Japurá. É o que indica estudo liderado pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, em colaboração com as universidades de Brasília (UnB), do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e de Toulouse, na França, publicado na quinta (20) na revista científica “Communications Earth & Environment”.
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A erosão (localmente conhecida como “terras caídas”) está relacionada à remoção de sedimentos por desgaste causado pelas variações no nível da água ao longo do ano – na região estudada, a diferença pode chegar a 11 metros. Já o assoreamento se refere à deposição de sedimentos no leito e nas margens do rio, o que pode alterar seu curso, formando praias. Enquanto terras caídas destroem construções e territórios, a criação de obstáculos para acesso da população ao rio em áreas de formação de grandes praias dificulta a locomoção e o acesso a serviços e alimentos. Os impactos são agravados em períodos de diminuição do nível das águas, como durante a seca prolongada que afetou a Amazônia em 2023 e 2024.
As secas extremas dificultam a mobilidade dessas comunidades que residem ao longo das margens dos rios. A exposição de algumas áreas durante a seca registrada em 2024, por exemplo, proporcionou eventos chamados de terras caídas, com mortes, inclusive. Isto é uma relação direta com as mudanças climáticas, mas são necessários mais estudos para entender melhor esta relação
A partir de informações de satélite, os pesquisadores consideraram os dados de água na superfície relativos ao período de 1986 a 2021 e combinaram os resultados a informações socioeconômicas da região para mapear o risco de 51 comunidades na região da Amazônia Central. Destas, pelo menos quatro estão sob risco muito alto (comunidades de Santa Domícia, Canariá, Boiador e Acapuri de Baixo) e sete estão sob risco considerado alto (Barroso, Porto Braga, Punã, Ingá, São Raimundo do Panauã, Triunfo e Caburini). Entre os fatores que aumentam a vulnerabilidade das comunidades, estão a maior distância até os serviços disponíveis nos centros urbanos, a ausência de estruturas de organização social e a falta de experiências prévias com desastres do tipo.
Além disso, foi possível mapear, com o uso de satélites, a ocorrência de perigo de terras caídas e formação de praias em 254 comunidades da Reserva Mamirauá. Do total de comunidades analisadas, 18,5% são afetadas por processos de sedimentação, com impactos importantes no transporte fluvial, 26%, pela erosão das margens fluviais, o que gera perdas diretas de áreas nos territórios, enquanto 55,5% estão em uma situação estável. Mais de 80% destas comunidades estão às margens dos rios e apenas 18% vivem em terras altas, mas que também são impactadas pelo desgaste do solo.
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Veja o que já enviamosPara o geógrafo André Zumak, pesquisador do Instituto Mamirauá e um dos autores do estudo, as condições da região analisada podem impactar na qualidade de vida dos povos tradicionais da região. Além de ficarem isolados devido à baixa do nível dos rios, eles podem sofrer com insegurança alimentar devido aos reflexos das mudanças no solo na produção agropecuária e na pesca, por exemplo.
O pesquisador alerta ainda que, em decorrência das mudanças climáticas, que intensificam eventos como as secas, os estragos podem ser ainda mais graves. “As secas extremas dificultam a mobilidade dessas comunidades que residem ao longo das margens dos rios. A exposição de algumas áreas durante a seca registrada em 2024, por exemplo, proporcionou eventos chamados de terras caídas, com mortes, inclusive. Isto é uma relação direta com as mudanças climáticas, mas são necessários mais estudos para entender melhor esta relação”, afirma Zumak.
A pesquisa destaca o trabalho de mapeamento do Serviço Geológico Brasileiro (SGB) na região, mas alerta que ainda é preciso implementar mais estudos e ações preventivas de desastres. Para o pesquisador do Instituto Mamirauá, a investigação pode orientar políticas públicas voltadas para solucionar e mitigar os efeitos destes processos. “As informações geradas com esta investigação, principalmente a metodologia, que pode ser replicada em outras áreas, já podem ser utilizadas pelo SGB e Defesa Civil dos municípios, auxiliando na identificação de áreas de risco em comunidades ao longo dos rios na Amazônia”, acrescenta.

O fenômeno de terras caídas foi visto com frequência durante a seca de 2024, no Amazonas. Em setembro, 30 casas na orla do município de São Paulo de Olivença – no extremo oeste do estado, no Alto Solimões – foram atingidas: 10 foram totalmente destruídas e 20 tiveram suas estruturas comprometidas. No início de outubro, duas pessoas morreram e 10 ficaram feridos após desmoronamento de área próxima ao Porto da Terra Preta, ao lado do Terminal Hidroviário de Manacapuru, às margens do Rio Solimões, na Região Metropolitana de Manaus.
De acordo com levantamento feito em 2023 pelo Serviço Geológico Brasileiro, há 119 áreas de risco, onde vivem quase 30 mil pessoas, sob ameaça do fenômeno das terras caídas no Amazonas. Naquele ano, uma vila com 40 casas foi engolida pelo desabamento do barranco às margens do Rio Purus, no município de Beruri, com cinco vítimas fatais – duas pessoas foram encontradas mortas sob a terra; três corpos jamais foram encontrados.
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A BORI é uma iniciativa criada para conectar o conhecimento inédito produzido por pesquisadores brasileiros a jornalistas de todos os tipos de veículos de comunicação do país. A ideia é aumentar a presença da ciência e de estudos brasileiros na mídia e, assim, ampliar o acesso da sociedade ao conhecimento produzido pelas universidades e pelos institutos de ensino e pesquisa do país.