Quase metade (47,8%, ou 48,6 milhões de hectares) da vegetação nativa remanescente do Cerrado está concentrada na região conhecida como Matopiba, formada pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, hoje a principal fronteira agrícola do país. Ao mesmo tempo, na última década (2015-2024), dos 6,4 milhões de hectares de vegetação nativa perdida pelo Cerrado, 73% (4,7 milhões de hectares) estavam no Matopiba. Essa encruzilhada ambiental e econômica salta aos olhos com a divulgação do levantamento feito a partir da Coleção 10 de mapas e dados sobre cobertura e uso da terra no Brasil do MapBiomas que está sendo lançado nesta quarta-feira (01/10).
Entre 1985 e 2024, o Cerrado – segundo maior bioma brasileiro, que ocupa 23,3% do território do Brasil (198,5 milhões de hectares) – perdeu 40,5 milhões de hectares de vegetação nativa, o equivalente a 28% de sua cobertura original, extensão equivalente a 1,4 vezes a área do estado da Bahia. “O Cerrado vem sendo transformado em ritmo acelerado nas últimas quatro décadas. Com maior supressão da vegetação nativa entre 1985 e 1995 e depois nas décadas seguintes, a agricultura se expandiu e se intensificou, consolidando-se como região central da produção agrícola do país, principalmente para grãos”, afirma a geógrafa Bárbara Costa, analista de pesquisa do IPAM e da equipe do Cerrado do MapBiomas.
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Veja o que já enviamosO Matopiba, que ocupa 30% do Cerrado, respondeu por 39% (15,7 milhões de hectares) da perda líquida de vegetação nativa no bioma desde 1985, tornando-se uma nova fronteira agrícola, com essa aceleração no desmatamento na última década. “O Matopiba se consolidou como a principal fronteira agrícola, concentrando grande parte da perda recente da vegetação nativa, restando metade da vegetação nativa remanescente no bioma”, acrescenta Bárbara Costa.
De acordo com a mais recente edição do RAD – Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, lançada em maio pelo MapBiomas com os dados de 2024, o Cerrado, pelo segundo ano consecutivo, foi o bioma com a maior área desmatada. A região do Matopiba concentrou 75% do desmatamento do Cerrado e cerca de 42% de toda a perda de vegetação nativa no país. Ainda de acordo com o RAD do MapBiomas, os quatro estados do Matopiba estão entre as cinco unidades federativas que mais desmataram em 2024.
No Cerrado em geral, as atividades agropecuárias cresceram 74% entre 1985 e 2024. A área de pastagem aumentou 14,7 milhões de hectares (+44%) no período, atingindo seu pico em 2007, com 54,5 milhões de hectares. Mesmo com uma redução de 12% em relação a esse pico, as pastagens continuam sendo o principal uso antrópico, ocupando 24,1% do bioma. A silvicultura também registrou crescimento, totalizando um aumento de 2,7 milhões de hectares (+446%) de 1985 a 2024.
Mas foi a agricultura, proporcionalmente, o uso da terra que mais se expandiu, com um aumento de 533% (+22,1 milhões de hectares) desde 1985. As lavouras temporárias sozinhas aumentaram 21,6 milhões de hectares, ocupando agora 25,6 milhões de hectares do Cerrado. Quase metade (49%) da área de cultivo de soja do Brasil está localizada no Cerrado em 2024 – exatamente a soja é o principal cultivo da área do Matopiba.
Todos os tipos de vegetação nativa tiveram queda no período, sendo a formação savânica a mais afetada pelo desmatamento, totalizando uma perda de 26,1 milhões de hectares (uma redução de 32% em relação a 1985). “A perda de vegetação nativa compromete diretamente a resiliência do Cerrado e suas populações frente às mudanças climáticas, agravando cenários de seca e intensificando a pressão por recursos hídricos, comprometendo a própria produção agrícola do bioma e do país no longo prazo”, avalia Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM e coordenadora das equipes do Cerrado e Fogo no MapBiomas.
Em 1985, 42% dos municípios do Cerrado tinham predomínio da agropecuária; em 2024, essa proporção aumentou para 58% dos municípios. Por outro lado, o percentual de municípios com mais de 80% de cobertura de vegetação nativa caiu de 37% em 1985 para 16% em 2024 – ano em que 24% dos municípios têm menos de 20% de vegetação nativa. Esses percentuais consideram a proporção de vegetação nativa em relação à área total de cada município.
Recursos hídricos sob pressão
O Cerrado é conhecido como o “berço das águas” do Brasil porque o bioma abastece 8 das 12 principais bacias hidrográficas do país, entre elas a do Rio São Francisco – é considerado também a savana com a maior biodiversidade arbórea do mundo. De acordo com o MapBiomas, atualmente, 47,9% do Cerrado são ocupados por uso antrópico e 51,2% permanecem cobertos por vegetação nativa.
Embora 2024 tenha registrado a maior superfície de água desde 1985 (1,6 milhão de hectares, ou 0,8% do bioma), 60,4% dessa área foi de superfície de água antrópica, como hidrelétricas, reservatórios, aquicultura e mineração. A superfície de água natural retraiu 249 mil hectares (-27,8%). O balanço de ganhos e perdas de superfície de água das bacias hidrográficas no Cerrado mostra que 90,8% das bacias hidrográficas tiveram perdas de superfície natural de água, porém 68,5% ganharam superfície antrópica de água.
Ainda assim, 26% das bacias hidrográficas perderam superfície tanto natural como antrópica de água. “Os recursos hídricos também estão sob pressão no Cerrado. Considerando que mais da metade do bioma está em imóveis rurais, é fundamental promover incentivos e políticas públicas que conciliem produção, conservação e recuperação da vegetação nativa. Só assim será possível garantir a segurança hídrica, alimentar e climática do Brasil”, destaca a cientista Ane Alencar.
O levantamento do MapBiomas também aponta que Territórios Indígenas (97%), Áreas Militares (95%) e Unidades de Conservação (94%) apresentam os maiores percentuais de vegetação nativa no Cerrado. Em contraste, terras sem registro fundiário (49%), imóveis rurais (45%) e áreas urbanas (7%) têm menos da metade de vegetação nativa. Áreas privadas com registro fundiário georreferenciado ocupam 129 milhões de hectares (65% do bioma), enquanto terras públicas ou sem registro fundiário georreferenciado respondem por 53 milhões de hectares (27%). Áreas protegidas ou de uso coletivo cobrem 14 milhões de hectares (7%). Do total de imóveis com Cadastro Ambiental Rural (CAR) no Brasil, 16,9% estão no Cerrado (1,2 milhão).