Há 25 anos, o momento político brasileiro era tão complicado quanto o de hoje. Denúncias políticas graves surgiam a cada dia e culminariam no impeachment de Fernando Collor de Mello – o primeiro presidente eleito em um pleito direto, depois de mais de duas décadas de ditadura militar. Mas havia uma novidade importante no cenário nacional, para além do pagode, do sertanejo e do axé que explodiram naquele ano de 1992: o ambientalismo.
[g1_quote author_name=”Suzana Kahn Ribeiro” author_description=”Cientista do IPCC” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Hoje já é praticamente um consenso que o homem contribui majoritariamente para as alterações climáticas. Temos mais dados, mais resultados robustos de pesquisa e modelos melhores
[/g1_quote]Entre 3 e 14 de junho, o Rio de Janeiro sediou a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ficou conhecida como Rio 92. Pela primeira vez, um evento sobre o meio ambiente reuniu de forma maciça chefes de estado de todo o mundo, entre eles George Bush, dos EUA; o chanceler alemão Helmut Kohl; o primeiro-ministro britânico John Major e o cubano Fidel Castro.
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Veja o que já enviamosMas não foi só. Enquanto os líderes políticos e os diplomatas debatiam no Riocentro, cerca de dez mil pessoas ocuparam o Aterro do Flamengo num grande encontro de ONGs e representantes da sociedade civil, como nunca se tinha visto até então. O encontro lançou as bases para a Convenção do Clima da ONU, que seria ratificada dois anos depois, e introduziu a ideia do efeito estufa e do desenvolvimento sustentável.
De lá para cá houve avanços significativos do ponto de vista do conhecimento científico. Hoje não há mais dúvidas – exceto, talvez, para Donald Trump – dos efeitos da ação humana e do uso de combustível fóssil no clima da Terra. Também é um fato estabelecido que a temperatura global já aumentou 1,3 grau Celsius desde a Revolução Industrial e que seguirá aumentando em velocidade inédita se nada for feito.
“Hoje temos muito mais certezas do que tínhamos há 25 anos”, diz a cientista Suzana Kahn Ribeiro, do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU). “Atualmente, é praticamente um consenso que o homem contribui majoritariamente para as alterações climáticas. Temos também mais dados, mais resultados robustos de pesquisa e modelos melhores. Sabemos que a elevação da temperatura tem um impacto muito desigual nas diferentes regiões do planeta e que os países têm capacidades desiguais de responder ao problema. E também já sabemos o que é necessário para combater o problema”
O sociólogo Sérgio Abranches, especializado em meio ambiente, concorda com a colega.
“É um processo de negociação longo, que produziu um resultado insuficiente”, resume Abranches. “Mas gerou uma discussão detalhada sobre novas metas de desenvolvimento sustentável. E nessa avaliação houve ganhos significativos, não só nas metas em si – sendo que houve avanços importantes em África, Ásia e América Latina. Os governos e as sociedades tiveram que se qualificar para observar melhor dados sobre saúde, educação, meio ambiente. Isso gerou uma consciência maior sobre os problemas e as deficiências”.
Mas por mais que a ciência avance, o comportamento político não acompanha, na análise dos especialistas.
“Praticamente já esgotamos nossos argumentos científicos”, lamenta Suzana. “E o que me angustia é que estamos chegando no limite da nossa capacidade de mudar a trajetória. Precisamos de mudanças das pessoas, das instituições, temos que romper paradigmas”.
[g1_quote author_name=”Carlos Nobre” author_description=”Cientista” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Do jeito que as coisas vão hoje, a projeção é de que a temperatura aumente mais: a previsão otimista é de um aumento entre 2,7 graus Celsius e 3,5 graus
[/g1_quote]José Miguez, do Departamento de Políticas em Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, faz coro com Suzana.
“Estamos sempre propondo metas (de redução de emissões) mais ambiciosas e, ao mesmo tempo, jogando os prazos para dez anos na frente. Estamos fazendo isso desde o Protocolo de Kyoto (de 1997)”, afirmou Miguez em apresentação no Museu do Amanhã como parte do evento “Ecos da Rio 92”.
O último – e mais importante – acordo firmado, o Acordo de Paris, em 2015, estabelece metas de redução de CO2 (o principal gás do efeito estufa) voluntárias e não determina punições. Mesmo assim, acaba de ser abandonado pelos Estados Unidos. O gesto tem um impacto direto na redução das emissões – uma vez que o país é um dos maiores emissores -, e abre um precedente ruim do ponto de vista geopolítico.
“Com isso, os EUA voltam à mesma posição em que estiveram em relação ao Protocolo de Kyoto (que não foi ratificado pelo país e acabou fracassando)”, resume Miguez. “É a América em primeiro lugar (parafraseando o slogan de Trump) em relação ao mundo inteiro”.
Os analistas, no entanto, se mostram otimistas. Para eles, a situação chegou a um ponto em que mesmo o afastamento dos EUA seria incapaz de deter o processo. De fato, muitos governadores americanos e empresas já declararam que não pretendem deixar de cumprir suas metas. O problema é que ainda que o Acordo de Paris seja inteiramente cumprido a temperatura do planeta ainda aumentaria em 2 graus Celsius, com consequências graves.
“Entretanto, do jeito que as coisas vão hoje, a projeção é de que a temperatura aumente mais: a previsão otimista é de um aumento entre 2,7 graus Celsius e 3,5 graus”, afirma Nobre, lembrando que, a título de comparação, na última Idade do Gelo a temperatura média era 5 graus mais baixa que hoje.
Sérgio Abranches é mais otimista:
“Acho que entramos num ciclo virtuoso em que o processo acaba sendo mais importante que o resultado tópico. Dificilmente ficaremos só nas metas do Acordo de Paris”, acredita. “São efeitos cumulativos que se retroalimentam e os resultados serão maiores do que estávamos trabalhando para obter”.