Há pouco mais de seis meses, uma chuva, implacável, desabou sobre o Rio Grande do Sul, deixando para trás um rastro de dor e destruição. Mais de 2 milhões de vidas foram tocadas, com 21 mil lares foram tragados pelas águas. A catástrofe não levou apenas bens materiais; mas sim sonhos, esperanças e a perspectiva de futuro de milhares de gaúchos.
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Em meio aos escombros instalados, um fio tênue de esperança começa a se tecer: o projeto Pulso RS. Nascido da união de uma coalizão que envolve a Rede Asta, o grupo Atados e a multiartista Mana Bernardes, o projeto surge com a força da solidariedade, buscando reerguer as mulheres gaúchas, que, na costura, encontram força e afeto para recomeçar, porque ‘é na hora que todo mundo esqueceu que a gente precisa lembrar’, diz o lema do projeto.
Nas palavras de Mana, o nascimento da ação partiu de “uma angústia absoluta, uma insônia total”. Foi assim que, tocada pela tragédia, sentiu a necessidade de agir, de oferecer algo além do socorro imediato. ‘’Eu não conseguia dormir e o tempo todo me colocando no lugar, pensando em como estariam sendo as mulheres, as mães nos abrigos e pensando profundamente na necessidade de um projeto consistente de longa duração, um projeto de continuidade, não só de atender a emergência’’.
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Veja o que já enviamosMana não era a única a pensar formas de agir. Alice Freitas, da Rede Asta, entrou em contato, propondo uma parceria com Daniel Assunção, fundador do Atados, para criar um objeto de crochê que pudesse ser comercializado e gerar renda para as mulheres afetadas. Segundo Bernardes, a ideia foi buscar algo que fizesse sentido e fácil de ser produzido por pessoas sem experiência em crochê. A solução veio na forma de uma pulseira colecionável, carregando palavras manuscritas que já são marca registrada da artista, unindo a sua identidade ao desejo de que as pessoas pudessem carregar consigo a força e a união do Rio Grande do Sul.
Para ela, o projeto Pulso RS transcende a ideia de ajuda, configurando-se como um “negócio social, uma relação de horizontalidade”, onde a potência criativa se une à força de mulheres determinadas a reescrever suas histórias.
Dentro da Casa Violeta, um abrigo que acolhe mulheres e crianças vítimas da enchente, a iniciativa ganhou vida. No espaço de apoio transitório, de até 12 meses, Instituto Survivor e pela ONG Me Too Brasil, com o apoio do governo do Rio Grande do Sul, a capacidade para receber mais de cem mulheres e suas crianças. É ali que as mulheres aprendem a tecer as pulseiras, transformando fios coloridos na estrada que pavimenta não só a reconstrução de suas vidas, e também do estado.
Denize Millan, uma das mulheres acolhidas pela Casa Violeta, encontrou no projeto uma luz em meio à escuridão. “Tudo, é uma esperança, né? Porque é mais uma renda que entra”, afirma, com a voz carregada de gratidão. O crochê, aprendido com a avó, se transforma em ferramenta de empoderamento, permitindo que Denize recupere sua autonomia financeira e volte a sonhar com um futuro melhor. A tragédia a deixou sem nada, “perdi casa, perdi tudo. Não me sobrou nada”, relata. Mas a fé e a força que habitam em seu coração a impulsionam a seguir em frente. A Casa Violeta, para Denise, foi um porto seguro, um lugar onde encontrou apoio e a oportunidade de recomeçar.
Karla Mariel, outra mulher acolhida pela Casa Violeta e participante do Pulso RS, compartilha a mesma esperança. Para ela, as pulseiras representam muito mais do que uma simples fonte de renda; são “uma distração para a vida e é a gente é o recomeço de tudo na nossa vida”. Em suas palavras, o crochê se transforma em “uma terapia, uma terapia maravilhosa”, ajudando a ocupar a mente e a acalmar o coração.
Com o dinheiro que ganha produzindo as pulseiras, Karla sonha em “comprar os móveis, mobiliar, conseguir uma casinha no meu canto pra poder mobiliar e ter de novo o básico”. A lembrança da tragédia ainda está viva em sua memória, o medo de não voltar para a escola, a rede de saúde, a incerteza do futuro. Mas a força da solidariedade, a união entre as mulheres e a esperança de um recomeço tecem um novo futuro para Karla e sua filha.
E assim, o Rio Grande do Sul, ainda lidando com as feridas, mas não abatido, se levanta. Através das mãos de mulheres que tecem, com firmeza e esperança, um futuro ainda mais forte. Em cada ponto, em cada nó, a cada pulseira.