A questão climática é percebida como muito importante por 78% dos brasileiros, e 61% estão muito preocupados com o meio ambiente. Mesmo entre os que não acessam a internet, 59% consideram a questão climática muito importante. Para 77% proteger o meio ambiente é o mais importante, ainda que signifique crescimento econômico menor e menos emprego. E 74% discordam que queimadas na Amazônia sejam necessárias para o desenvolvimento. Mas apenas 25% dos brasileiros acham que sabem muito sobre mudanças climáticas.
Os dados são da pesquisa Mudanças Climáticas na Percepção dos Brasileiros, encomendada ao Ibope pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) em parceria com o Programa de Comunicação de Mudança Climática da Universidade de Yale (Yale Program on Climate Change Communication). Apresentado na primeira semana de fevereiro, o estudo ouviu brasileiros de todas as regiões do país e de diferentes níveis de escolaridades. O resultado são números surpreendentes na contramão das atuais políticas ambientais brasileiras.
“A pesquisa mostra que os brasileiros se importam com as mudanças climáticas, em consonância com o que acontece no mundo. Porém os números são conflitantes com o que se vê hoje no país. Sentimos esta percepção também no mundo dos negócios. A questão do clima entrou pela porta da frente das empresas e existe um movimento na economia em torno disso. Como acontece nas empresas, a questão climática vai invadir a política. E o Brasil pode ficar ainda mais isolado”, analisa Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
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Veja o que já enviamosMudanças climáticas: conhecimento está relacionado à escolaridade
A importância que o brasileiro dá à questão climática é associada à idade e à escolaridade. Os mais jovens dão mais valor à preservação do meio ambiente: 86% entre 18 e 24 anos consideram a questão climática muito importante. O percentual declina com o envelhecimento até 65% entre quem tem mais de 55 anos (mas outros 15% ainda consideram o tema importante).
Em relação à escolaridade, 87% das pessoas com ensino superior avaliam que a questão climática é muito importante. A porcentagem também vai caindo conforma diminui a escolaridade, e o tema é considerado muito importante por 63% das pessoas que têm apenas o ensino fundamental (com 16% considerando importante). Nos recortes por gênero e posição política, mulheres (91%) e pessoas que se declaram de esquerda (92%) são muito preocupadas ou preocupadas com o meio ambiente. No sexo masculino o total de muito preocupados ou preocupados fica em 81%. Entre as pessoas de direita o percentual é de 82%.
Outros dados mostram que 92% acreditam que as mudanças climáticas já estão em curso. Para 77% elas são causadas pela ação humana. Na média, 88% acreditam que as mudanças climáticas podem prejudicar muito as próximas gerações. Este percentual alcança 91% entre os de ensino superior e 90% entre os de acesso à internet por mais de um dispositivo.
“A pesquisa mostra que os brasileiros estão cientes da questão climática. Mas, além de educação, é preciso ter renda para o consumidor exercer seu poder de escolha. Quando uma empresa me diz que não quer trabalhar com ONGs, sempre digo que é melhor ter ONGs dentro do que na porta. O agronegócio no Brasil não tem condutas homogêneas. Há empresas que estão no século XVIII e outras no século XXII”, diz Marcello Brito, da Coalizão Brasil Clima, Floresta e Agricultura, que reúne organizações do setor privado e da sociedade civil.
Se os brasileiros estamos muito aflitos com o futuro, quando o tempo é hoje a preocupação diminui: 72% acreditam que podemos ser afetados pelas mudanças climáticas. No detalhamento por raça, 80% das pessoas que se declaram negras e 75% das pardas acham que podem ser prejudicadas pela questão climática. Entre os brancos o percentual cai para 68%.
“Não há negacionismo no Brasil em relação à questão climática”, constata Rosi Rosendo, diretora de contas na área de Opinião Pública, Política e Comunicação do Ibope Inteligência.
Mesmo apreensivos, brasileiros ainda pensamos que não é preciso que cada um faça a sua parte: 35% acreditam que a responsabilidade em relação à questão climática é dos governos; 32% esperam que empresas e indústrias façam algo, e apenas 24% acham que os cidadãos podem colaborar para mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
Queimadas na Amazônia: ação humana é a principal causa
Na área específica da pesquisa voltada para a Amazônia, 98% declaram ter conhecimento das queimadas e 77% entendem que elas são causadas pela ação humana. Em uma pergunta com múltiplas respostas, madeireiros lideram a lista de responsáveis pelas queimadas, com 76%. Agricultores e pecuaristas estão praticamente empatados em segundo lugar: 49% e 48% respectivamente. Garimpeiros são os próximos da lista de culpados, com 41%. Apenas 6% acreditam que queimadas são causadas por ONGs, e 8%, por indígenas.
“O discurso do presidente Jair Bolsonaro sobre queimadas não funcionou” ressalta Anthony Leiserowitz, diretor do Programa de Comunicação de Mudança Climática da Universidade de Yale.
E como fica a imagem do Brasil no exterior? Prejudicada, dizem 84% dos brasileiros.
“A imagem do país na área ambiental está sendo muito afetada, e isso leva inclusive a prejuízos econômicos”, chama a atenção Marcio Astrini, do Observatório do Clima.
Nos Estados Unidos, pesquisa similar tem números bem diferentes
Em uma comparação com os Estados Unidos, Anthony Leiserowitz, da Universidade de Yale, mostra que os brasileiros estão mais engajados na questão climática do que os americanos:
“Enquanto 77% dos brasileiros acreditam que as mudanças climáticas são causadas pela ação humana, nos EUA este percentual cai para 55%. No Brasil, 78% consideram a questão climática muito importante. Nos EUA, apenas 37%. Já 88% dos brasileiros dizem que as mudanças climáticas vão afetar as gerações futuras, contra 55% dos americanos. Outros 72% acreditam que vão prejudicar a si próprio ou a família. Nos EUA, 19%. Há diferenças dramáticas de percepção entre os dois países”, destaca Leiserowitz.
A questão climática não é tão polarizada no Brasil quanto nos EUA. Mas há alguns padrões. Mulheres mais jovens, de alta escolaridade e mais à esquerda no espectro político se mostram mais preocupadas com a questão climática nos dois países:
“Outro ponto em comum mostra que americanos e brasileiros acreditam que a questão climática vai afetar as próximas gerações, mas não a atual. Este, aliás, é um padrão que se repete em outros países do mundo. A questão climática fica no futuro. Vai atingir os outros, mas não nós”, diz Leiserowitz.
O relatório baseado na pesquisa de Yale Climate Change in the American Mind, realizada em dezembro de 2020, pode ser conferido no site do Programa de Comunicação de Mudança Climática (em inglês). No Brasil, a pesquisa teve foco nas queimadas da Amazônia. A ideia é que o estudo seja realizado todo ano, cada vez com ênfase em um aspecto diferente do meio ambiente.
“Nosso objetivo é medir a percepção do brasileiro sobre o clima ao longo dos anos e criar uma série histórica”, diz Fabio Steibel, diretor do ITS, organização sem fins lucrativos.
A pesquisa quantitativa do Ibope foi realizada entre setembro e outubro de 2020, por telefone. Foram ouvidas 2.600 pessoas acima de 18 anos. A margem de erro é de 2%. A apresentação está disponível no YouTube.