O Brasil precisa virar o jogo do CO2

Desmatamento e pecuária colocam o país nas quartas de final da Copa das Emissões

Por José Eduardo Mendonça | ODS 13ODS 15 • Publicada em 3 de julho de 2018 - 21:27

Visão aérea do desmatamento na Amazônia, próximo de Oriximiná, no Pará. Foto Raphael Alves/AFP
Visão aérea do desmatamento na Amazônia, próximo de  Oriximiná, no Pará. Foto  Raphael Alves/AFP
Visão aérea do desmatamento na Amazônia, próximo de Oriximiná, no Pará. Foto Raphael Alves/AFP

19 de junho de 1958.  O Brasil ia às ruas celebrar seu primeiro título mundial de futebol depois de uma vitória de 5 a 2 sobre a Suécia, anfitriã do torneio. Parte de sua frota de 480 mil veículos tomava as ruas das principais cidades em um país, e um mundo, no qual poluição, ou emissões de C02 que promovem o aquecimento do planeta, estavam longe de ser uma preocupação.

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O Brasil se tornou a única grande economia do mundo a aumentar a poluição sem gerar riqueza para sua sociedade

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O assunto fazia parte, apenas, das observações de um punhado de acadêmicos, como Charles Keeling, que iniciara suas medições de concentração mundial de CO2 em 1950, com suas bases no Polo Sul e no Havaí. O tema começaria a chamar timidamente a atenção após 1970, quando ocorreu o primeiro Dia da Terra, nos Estados Unidos, e sairia das publicações científicas para a imprensa leiga a partir dos anos 1980. O que a chamada Curva de Keeling foi mostrando é que as emissões de CO2 iam ultrapassando em muito os níveis pré-Revolução Industrial, e que isso constituía um risco.

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Por aqui, as estradas federais e vias urbanas se multiplicavam. Fábricas de automóveis, caminhões e ônibus brotavam como resultado de uma equivocada política de incentivos, como se sabe hoje. De 1945 a 1960 a frota aumentara 500% no caso dos dois primeiros, e 700% para os últimos. Hoje, são mais de 43 milhões, e não existe à vista um cenário de diminuição da produção, a não ser nos anos de crise, como agora ocorre. Até o momento, estas máquinas são vistas como mostras de desenvolvimento e poder, e a sujeira por elas causada um indesejável efeito colateral.

Quando se observa a produção de CO2 em anos recentes, o que se vê é um paradoxo. Em 2016, o Brasil ocupava a posição de sétimo maior emissor do planeta, com 3,4% do total mundial, resultado de 2, 278 bilhões de toneladas brutas de gás carbônico equivalente (CO2e) lançados na atmosfera, contra 2,091 bilhões de 2015, uma elevação de 8.9% em relação ao ano anterior. O crescimento ocorreu em meio a uma brutal recessão. “E o Brasil se tornou, assim, a única grande economia do mundo a aumentar a poluição sem gerar riqueza para sua sociedade”, diz Tasso Azevedo, agrônomo e coordenador do Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), do Observatório do Clima.  Os dados sobre emissões brasileiros gerais e por setores da economia desde 1990 em megatoneladas de CO2 , quando se começou a computar o uso da terra, podem ser vistas nos gráficos abaixo, e neste link, onde você vai encontrar as emissões desde 1970.

Como explicar este fenômeno? Com o papel desempenhado pela Amazônia. As emissões anuais totais de CO2 na região derivadas do uso da terra são quase três vezes maiores que as produzidas pelo restante da economia como um todo. A elevação no ano passado se deveu à alta de 27% no desmatamento na Amazônia. As emissões por mudança de uso da terra cresceram 23% em 2015, respondendo por 51% de todos os gases de efeito estufa que o Brasil lançou no ar. Por outro lado, quase todos os outros setores da economia tiveram queda nas emissões. A mais expressiva foi no setor de energia, que viu um recuo de 7,3%. O setor de processos industriais teve redução de 5,9%, e o de resíduos, 0,7%. As emissões da agropecuária subiram 1,7%.

Estes dados são da edição de 2016 do Seeg. Eles mostram ainda que, hoje, a atividade agropecuária é, de longe, a principal responsável pelas emissões de gases de efeito estufa no país: ela respondeu por 74% das emissões nacionais em 2016, somando as emissões diretas da agropecuária (22%) e as emissões por mudança de uso da terra (51%). Se fosse um país, o agronegócio brasileiro seria o oitavo maior poluidor do planeta, com emissões brutas de 1,6 bilhão de toneladas.

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O Brasil tem dois desafios importantes: reduzir suas emissões sob um cenário atual no qual não somente as emissões oriundas do desmatamento são significativas, e retomar seu papel de liderança no âmbito da Convenção Global do Clima, o que significa aumentar o seu nível de ambição

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Os dados da agropecuária mostram outra aparente contradição, induzida pela crise.  Os abates de bovinos diminuíram em 2015 pelo segundo ano consecutivo, com queda na demanda de carne. Como bois e vacas emitem metano (o gás de efeito estufa mais importante depois do CO2) durante a digestão e pela degradação do esterco, menos gado sendo abatido significa mais bois no pasto e nos currais e mais emissões. Além do aumento do rebanho, houve um salto sem precedente no uso de fertilizantes nitrogenados, que emitem óxido nitroso (N2O) um gás 265 vezes mais potente que o CO2 no aquecimento global. Depois de uma queda entre 2014 e 2015, ele cresceu 23% em 2016.

Para reduzir fortemente suas emissões o Brasil precisa, entre outras coisas, “zerar o desmatamento, reflorestar e usar práticas de agricultura de baixo carbono como padrão, além de estancar o crescimento do uso de termoelétricas com combustíveis fósseis e ampliar o uso de biocombustíveis e promover a eletrificação nos transportes” diz Azevedo.

A Política Nacional de Mudanças Climáticas estabelece que o Brasil precisa chegar a 2020 com emissões não superiores a 2,2 bilhões de toneladas de CO2 equivalente – exatamente o que foi emitido em 2016.  No âmbito dos compromissos do Acordo de Paris, o Brasil tem dois desafios importantes, lembra Juliana Speranza, analista de pesquisa de Mudanças Climáticas do WRI (World Resources Institute) Brasil. “Primeiro, reduzir suas emissões sob um cenário atual no qual não somente as emissões oriundas do desmatamento são significativas. São necessários esforços de mitigação em outros setores relevantes, como os da agropecuária e energia, sendo que as principais emissões do setor de energia são oriundas do transporte. Ainda, o país precisa retomar seu papel de liderança no âmbito da Convenção Global do Clima, o que significa aumentar o seu nível de ambição no tocante ao combate às mudanças climáticas, em direção a uma economia futura de emissões líquidas zero”, acrescenta ela.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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