Um enorme mural, de 25 metros de extensão, que levou cinco dias para ficar pronto e eternizou a crise climática na principal avenida de Porto Velho, a capital de Rondônia. O estado liderou a lista de desmatamento e queimadas na Amazônia este ano – uma combinação nefasta que deixou o ar da cidade irrespirável. Em alguns trechos do Rio Madeira, um dos maiores afluentes do Amazonas, os bancos de areia isolaram populações ribeirinhas, prejudicando o transporte de moradores e a distribuição de produtos. Em meados de setembro, o rio atingiu sua pior marca histórica desde que começou a ser monitorado em 1967: 25 centímetros.
Esse cenário distópico para a região que abriga a maior floresta tropical do planeta foi retratado por quatro artistas: Nath, Silva, Rabsk e Latrop, todos eles nascidos e criados no estado. Munidos de tinta spray, o quarteto de grafiteiros alimentou o muralismo de protesto promovido pelo Megafone Ativismo, um programa de desobediência artística. Fazem parte da coalisão as organizações Pimp My Carroça, Instituto Socioambiental (ISA), Engajamundo, Sumaúma Jornalismo e Associação Intercultural de Hip-Hop Urbanos da Amazônia (AIHHUAM).
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“Parecia um filme de terror porque era aquela fumaça preta, a gente inalando aquilo 24 horas por dia, dormindo, acordando de novo, e aquilo só piorava”, lembra Nath, comentando que todos anos essa cena se repete no seu estado, mas “não por tanto tempo e num nível tão elevado”. Silva, seu parceiro nessa empreitada muralista, complementa: “A nossa inspiração é oferecer uma arte-manifesto que convide as pessoas a refletirem sobre o que acontece todos os anos na Amazônica, principalmente entre agosto e outubro, quando acontecem muitas queimadas – grande parte delas criminosas – e a impunidade prevalece, aumentando a sensação de insegurança climática.”
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Veja o que já enviamosOito letras compõem o mural, que juntas formam a palavra Amazônia. Cada letra, com cerca de três metros de largura, destaca um aspecto da região e contam a catástrofe que tem se repetido nas últimas décadas e vem se agravando nos últimos anos: A – floresta; M – indígena; A – onça pintada; Z – Rio Madeira seco; Ô – floresta pegando fogo; N – animais fugindo do fogo; I – brigadistas apagando o fogo; A – revolta popular.
Batizada com o nome de “Amazônia em Chamas”, o mural encerra com uma mensagem de resistência na última letra, lembrando que se nada for feito para conter a destruição de floresta, a Amazônia pode atingir o ponto de não-retorno. Isso significa que um dos ecossistemas mais importantes da Terra corre o sério risco de não ser mais capaz de se retroalimentar de chuvas, caso o desmatamento não seja contido.
Nos nove primeiros meses do ano, mais de 740 mil hectares foram queimados em Rondônia – um aumento de 46% em relação ao mesmo período de 2023. Mais da metade desse total (56%) foram queimados em setembro (420 mil hectares), segundo o Monitor do Fogo do MapBiomas. Esses números colocam Rondônia no sexto lugar entre os estados que mais queimaram em setembro e em oitavo lugar entre os que mais queimaram entre janeiro e setembro, mesmo sendo apenas o 13º estado brasileiro em território.
“A gente fala que a Amazônia é o pulmão do mundo, e o pulmão do mundo, durante dois meses, respirou fumaça. Meu sobrinho nasceu faz dois meses, e a minha irmã fez uma fala que me chocou muito. Ela disse que o meu sobrinho ainda não tinha respirado um ar puro. Então você imagina isso, as nossas crianças estão respirando um ar intoxicado”, comentou a ativista indígena Txai Suruí sobre o fato de Rondônia, devido a intensidade das queimadas, ter permanecido como a cidade mais poluída do mundo por vários dias no início de setembro. Seu povo é originário de Rondônia e ela vive em Porto Velho: “Nós somos a periferia do mundo e também somos a periferia do Brasil. Uma prova disso foi essa fumaça nos sufocando durante dois meses e tudo continuava normal no restante do país, até chegar no Sudeste, em São Paulo, para as pessoas perceberem que tem gente aqui.”