Lideranças femininas têm protagonizado debates sobre as mudanças climáticas no mundo todo. Tanto que o próprio Acordo de Paris – tratado adotado por 195 países, incluindo o Brasil, para orientar compromissos de redução das emissões de carbono – foi construído com participação ativa das mulheres. Vale lembrar que uma das principais articuladoras do pacto foi a embaixadora francesa das mudanças climáticas, Laurence Tubiana.
O mesmo Acordo de Paris fez uma ponte entre as questões climáticas e de gênero, reconhecendo a promoção da igualdade e o empoderamento feminino como responsabilidades dos países signatários. É comprovado que as mulheres, sobretudo as mais pobres, são as maiores prejudicadas pelos efeitos do aquecimento global, segundo a ONU. Mas que elas também têm um papel estratégico no enfrentamento dos problemas climáticos.
“E se são elas que mais sofrem, então, por que não acomodar as suas demandas nos debates sobre o clima?”, questionou Marina Barros, diretora do Instituto Alziras, ONG com objetivo de aumentar a representação feminina na política, durante painel promovido na quinta-feira (7) – em meio à Conferência Brasileira de Mudança do Clima, que acontece no Recife (PE) – sobre como as mulheres estão solucionando os desafios da agenda climática.
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Veja o que já enviamosTemos apenas 649 prefeitas, o que representa 12% das prefeituras do país. Somos o pior país da América do Sul em representação de mulheres no parlamento
[/g1_quote]A deputada federal Joênia Wapichana (Rede); a deputada estadual de Alagoas Jo Pereira (MDB) e a prefeita do município do Conde, na Paraíba, Márcia Lucena (PSB) estavam presentes. A participação de representantes femininas da política institucional nas esferas municipal, federal e estadual deu uma ideia de como as ações para redução dos impactos do aquecimento global estão sendo (e ainda podem ser) desenvolvidas nesses âmbitos. Além delas, Marina Barros, da Alziras e Natalie Unterstell, co-fundadora da Talanoa Soluções, participaram do evento.
Para as debatedoras, um maior engajamento das mulheres na agenda climática depende, claro, de uma maior representação feminina nos espaços de poder, que ainda é insuficiente no Brasil. “Temos apenas 649 prefeitas, o que representa 12% das prefeituras do país. Somos o pior país da América do Sul em representação de mulheres no parlamento”, lembrou a diretora do Instituto Alziras, Marina Barros.
Ela apresentou uma pesquisa que o instituto fez com as prefeitas brasileiras sobre questões climáticas. Pouco mais de 60% das prefeitas afirmaram já ter ouvido falar do Acordo de Paris. Entre cinco temas ambientais mais citados pelas gestoras, combater o desmatamento foi o mais frequentemente apontado como prioritário (58%), seguido pelo uso de energias limpas (40%). “Percebemos por esses dados que há campo para trabalharmos essas questões junto às gestoras municipais”, analisou, ressaltando que os governos locais, sobretudo as prefeituras de municípios pequenos, são fundamentais para o avanço dos debates climáticos.
Diretora da Talanoa Soluções, empresa de inovação só com executivas mulheres, a ambientalista Natalie Unterstell lembrou que a subrepresentação feminina na política estava presente até mesmo na Conferência Brasileira do Clima: nos espaços mais acadêmicos, falaram 12 mulheres e 10 homens; no espaço dos eventos políticos, foram 26 homens e 6 mulheres; na abertura: 3 mulheres, 11 homens. “É para deixar bem cristalina a diferença entre espaço de fala na arena política e na arena não política”, comentou Natalie, nas redes sociais.
Prefeita do município paraibano do Conde, que tem 25 mil habitantes, Márcia Lucena falou sobre a importância do engajamento de municípios pequenos com as macro questões da emergência climática. “Os investimento na agricultura familiar, no zoneamento da cidade, tudo isso tem impacto”, argumentou. “Quando estamos fazendo essas coisas fatalmente estamos atuando nessa guerra climática, que é maior do que nosso município, mas não pode ser vencida sem nós”, ressaltou.
Pensar em redução das emissões de carbono requer um salto qualitativo das políticas públicas, na opinião da deputada de Alagoas, Jô Pereira. Ela disse que tem se dedicado à defesa de ações que promovam a educação. “No meu estado, das pessoas que aplicaram agrotóxico em suas lavouras no ano passado, 86% eram agricultores familiares que fizeram isso por não entender as instruções dos produtos. 96% deles não tiveram assistência técnica”, lamentou.
Ameaças aos povos indígenas
Primeira deputada federal indígena eleita, Joênia Wapichana trouxe o contexto federal para a discussão. Ela lembrou que, há muito, os povos indígenas têm alertado sobre a emergência climática, mas que a solução dos problemas passa por uma mudança no modelo de desenvolvimento do país. “Isso inclui o conceito de geração de energia, dependente de hidrelétricas, e o uso agrotóxico, com mais de 300 autorizações de novos tipos este ano pelo governo de Jair Bolsonaro”. A deputada comentou que têm levado as demandas das mulheres, sobretudo das indígenas, para conhecimento das autoridades em Brasília. “Minha preocupação é nossa democracia acabar porque todos os investimentos na construção de uma pauta cidadã estão sendo puxados para o abismo”, considerou.
Joênia se solidarizou com os nordestinos, que há mais de dois meses estão vivendo a tragédia do derramamento de petróleo nas praias. Disse que o governo brasileiro está tentando maquiar problemas sérios e cobrou um reconhecimento da responsabilidade do Estado em dar uma resposta à sociedade civil com relação à tragédia do óleo e o avanço do desmatamento na Amazônia. “Também que se reconheça as falhas no cumprimento das obrigações do governo e que não haja retrocesso nas políticas socioambientais brasileiras”, ressaltou.
As demarcações dos territórios indígenas e a defesa dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA), que são ferramentas de uma política nacional para a gestão dos territórios tradicionais, estão entre as preocupações da deputada. Neste sentido, ela aproveitou o debate para lembrar que o assassinato do indígena Paulo Guajajara – liderança indígena do Maranhão e integrante do grupo Guardiões da Floresta morto por madeireiros no começo de novembro – “é responsabilidade do governo brasileiro”, porque as autoridades foram alertadas sobre os conflitos fundiários que motivaram o crime.