Estados travam mais regularização fundiária na Amazônia do que União

Estudo do Imazon afirma que mudança em lei federal, apontada como solução pelo governo, não resolveria problema fundiário e aumentaria grilagem

Por Observatório do Clima | ODS 13ODS 15 • Publicada em 25 de março de 2021 - 10:44 • Atualizada em 30 de março de 2021 - 11:54

Área desmatada em Altamira, no Pará: leis estaduais e federais prejudicam regularização fundiária e facilitam grilagem na Amazônia (Foto: João Laet/AFP – 07/09/2019)

Estudo do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) lançado nesta quarta-feira (24/03) derruba mitos espalhados pelo governo Bolsonaro sobre regularização fundiária, apontada como solução mágica para o desmatamento, e revela que o principal entrave à medida vem dos Estados: eles são responsáveis por 60% da terra não destinada na Amazônia Legal. Portanto, diferentemente do que afirma a atual gestão, o problema não seria resolvido com uma mudança na lei federal. Na verdade, isso acaba estimulando novas ocupações de terras públicas.

O trabalho é resultado de levantamento de dados federais e estaduais nos últimos cinco anos, que envolveu entrevistas com representantes dos institutos de terra e de outras instituições, além da revisão da legislação fundiária dos nove Estados da Amazônia.

Para a pesquisadora Brenda Brito, que coordena o trabalho, projetos de lei que tramitam no Congresso com apoio do governo para alterar a legislação fundiária vão na direção contrária: “As alterações propostas no PL 2.633/2020 e no PL 510/2021 podem reafirmar vários dos incentivos à grilagem que identificamos em nosso estudo, pois possuem brechas que podem permitir a titulação de terras públicas invadidas futuramente, não impedem a titulação de áreas recém-desmatadas e também afrouxam a cobrança de dívidas de quem já recebeu título e não pagou”, aponta.

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O aumento expressivo de desmatamento observado em 2019 e 2020 trouxe evidência ao tema de regularização fundiária na Amazônia: cerca de 40% da perda de florestas ocorre em áreas sem definição de direito à terra. “O tema da indefinição fundiária na Amazônia está sendo discutido hoje por diferentes públicos e fóruns nacionalmente, devido à relação entre desmatamento e grilagem de terras. Com esse relatório, pretendemos auxiliar nesse processo de compreensão dos desafios e recomendar o que pode ser feito para que a União e os estados adotem leis e práticas fundiárias que contribuam com a conservação e redução de conflitos no campo”, explica Brenda Brito.

Na análise dos pesquisadores do Imazon, a maioria das leis incentiva o roubo de terras públicas. “As leis fundiárias vigentes na Amazônia refletem uma visão de que a terra pública está disponível para ocupação e apropriação, o que é um estímulo para a continuidade de invasões no território. Poucas leis estaduais determinam qual a data limite em que um particular pode iniciar uma ocupação para receber um título de terra – ou seja, ocupações ocorridas em qualquer ano, inclusive futuramente, seriam, a princípio, elegíveis. Mesmo aquelas leis que possuem um prazo acabam sendo alteradas para adiá-los”, afirma Jeferson Almeida, pesquisador do Imazon e um dos autores do estudo.

O relatório também aponta que a desorganização das bases de dados dos órgãos fundiários é uma das limitações para criar um ambiente de compartilhamento de dados entre instituições, o que poderia agilizar a análise de pedidos de titulação e dar maior transparência às informações fundiárias. “Há vários estudos apontando que precisamos de um cadastro de terras unificado no Brasil para melhorar a gestão fundiária, e concordamos com essa sugestão. Porém, a situação que encontramos nos órgãos fundiários estaduais mostra que isso só ocorrerá se houver um investimento de médio prazo na organização e digitalização de suas bases de dados, para que as informações consigam ser compartilhadas”, destaca a pesquisadora Brenda Brito, especialista em direito ambiental.

O relatório ‘Dez fatos essenciais sobre regularização fundiária na Amazônia Legal’ aponta como as leis e políticas fundiárias atuais acabam estimulando o desmatamento e a grilagem. Essa foi a lista elaborada pelos pesquisadores.

1 – Uma das principais constatações da análise é a de que quase um terço (28,5%) do território amazônico não possui informações públicas sobre destinação fundiária – se são áreas protegidas, devolutas, assenta­mentos ou imóveis privados. Entre 2013 e 2020, período em que o desma­tamento voltou a subir na Amazônia, 40% da perda de florestas ocorreu em áreas com indefinição fundiária.

2 – Os governos estaduais são os principais responsáveis pela área sem definição fundiária na Amazônia, mas falta pla­nejamento para controle e destinação desse território. Os pesquisadores estimam que os governos estaduais sejam responsáveis por decidir sobre o destino de 86,1 milhões de hectares, ou 17% da Amazônia Legal. Essa área corresponde a 60% das áreas não destinadas ou sem informação sobre destinação na região. Ou seja, cabe aos Estados resolver a maior parte do problema.

3 – Quase metade (43%) do território sem definição fundiária possui prio­ridade para conservação, mas os procedimentos atuais não ga­rantem a destinação do território para essa finalidade. De acordo com a Constituição, terras públicas necessá­rias para a proteção ambiental não podem ser privatizadas. Mas esse dado não é levado em consideração nos processos de regularização fundiária.

4 – A burocracia estatal envolve pelo menos 22 órgãos com atribuição para algum tipo de regularização fundiária na Amazônia.

5 – A desorganização das bases de dados fundiários e a bai­xa adoção de tecnologia dificultam a organização de um cadas­tro de terras único ou compartilhado.

6 – A maioria das leis estaduais incentiva a contínua inva­são de terras públicas. Isso ocorre porque poucas leis estaduais determinam a data limite em que um particular pode iniciar uma ocupa­ção para receber um título de terra. Mesmo aquelas que possuem um prazo acabam sendo alteradas para adiá-lo.

7 – Nenhum Estado proíbe a titulação de áreas desmatadas ilegalmente e a maioria não exige compromisso de recuperação de passivo antes da titulação.

8 – A população brasileira subsidia a privatização de terras na Amazônia, sem garantias de uso sustentável dos imóveis titulados. Em média, os governos estaduais cobram 15% do valor de merca­do para regularizar uma terra e o governo federal cobra 26%, considerando os valores usa­dos como base para o cálculo do preço final.

9 – Faltam transparência e controle social sobre a privatiza­ção do patrimônio público fundiário.

10 – Houve mudanças em sete leis fundiárias na Amazônia desde 2017 para facilitar a privatização de terras públicas.

Observatório do Clima

O Observatório do Clima é uma rede que reúne entidades da sociedade civil para discutir a questão das mudanças climáticas no contexto brasileiro.

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