Leu essa? COP26: África já sente as consequências da crise climática
Ao lançar o manifesto, a entidade tira da invisibilidade justamente as populações mais afetadas pelas mudanças climáticas. E denuncia que o racismo ambiental não se restringe as injustiças ambientais, mas também a exclusão dessas pessoas nos processos decisórios. Se para os tomadores de decisões em Glasgow, eventos extremos como enchentes, furações, crises hídricas, insegurança alimentar são vistos como “externalidades”; na vida das populações negras, quilombolas e indígenas, são questões de vida ou de morte.
[g1_quote author_name=”Jefferson Barbosa” author_description=”diretor-executivo Perifa Connection” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]A responsabilidade é coletiva, porém os impactos dessa crise não serão sentidos da mesma forma por todos. Essa é a injustiça ambiental que existe desde sempre no Brasil
[/g1_quote]A pressão dos movimentos negros no mundo todo vem crescendo para que se reconheça a dimensão racial da crise climática. No Brasil, onde 56% da população é negra, segundo dados do IBGE de 2020, o governo Bolsonaro preferiu questionar, na sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em outubro último, o uso do termo “racismo ambiental” para abordar a intersecção entre injustiça racial em ambiental.
“A responsabilidade é coletiva, porém os impactos dessa crise não serão sentidos da mesma forma por todos. Essa é a injustiça ambiental que existe desde sempre no Brasil”, pontua Jefferson Barbosa, diretor-executivo Perifa Connection. Para ele, o futuro e o “monstro invisível” das mudanças climáticas não são assuntos prioritários para quem vive nos subúrbios e pega ônibus lotado em meio a uma pandemia de Covid-19: “Antes há prioridades como o combate à violência e às desigualdades”.
[g1_quote author_name=”Douglas Belchior” author_description=”historiador e cofundador da Uneafro Brasil” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]É possível discutir crise climática sem questionar sua dimensão racial?
[/g1_quote]Morador do bairro do Pantanal, na Baixada Fluminense, na região Metropolitana do Rio de Janeiro, Barbosa vê a cena se repetir anualmente. Basta começar o período chuvoso para sua rua alagar, os ônibus terem dificuldades de circular pelo bairro e os moradores correrem o risco de perder tudo. Não adianta construir um pequeno muro em torno das residências, porque a chuva chega, chegando, e derruba o que encontra pela frente. “As mudanças climáticas não estão longe. Ao contrário. Elas estão bem perto, especialmente para aquelas populações mais vulneráveis”.
Ele cita um trecho do manifesto para traduzir a realidade da periferia dos grandes centros urbanos: “O planejamento urbano é o racismo ambiental em perversidade visto e sentido nos espaços criminalizados (densamente populacional negro) geograficamente (aglomerados subnormais): as favelas, periferias, baixadas, morros, vales e palafitas”, ressalta o documento.
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Veja o que já enviamos“É possível discutir crise climática sem questionar sua dimensão racial?”, questiona Douglas Belchior, historiador, cofundador da Uneafro Brasil e da Coalizão Negra Por Direitos. Em Glasgow, onde participa pela primeira vez de uma Conferência do Clima, ele chama a atenção para a dinâmica preserva do racismo ambiental: “No Brasil, as pessoas negras são mortas todos os dias em decorrência de uma dinâmica histórica. Essa mesma realidade se aplica ao racismo ambiental, devido a exploração do uso da terra no campo e na cidade, do acesso a água, das condições sociais e ambientais de saneamento”. Citando a professora Dulce Pereira: “O racismo ambiental é uma das materializações do racismo que estrutura o país”.
O documento divulgado na COP26 ressalta o impacto do racismo estrutural no Brasil nas questões climáticas. “Temos a falta de segurança ambiental aos territórios urbanos e rurais de maioria populacional negra, impactada pela expropriação, poluição hídrica, atmosférica, pelos eventos climáticos extremos, pela morada em áreas de risco, pelo despejo de resíduos, pelo não acesso aos serviços de saneamento básico, impactados pelas enchentes, deslizamentos, doenças de veiculação hídrica”, aponta o manifesto.
Para os signatários, o debate fundamental de racismo ambiental ainda não encontra ampla adesão, ou é negado, pelos movimentos ambientalistas no Brasil. E enfatiza que crise climática é também humanitária e com impacto direto sobre as populações negras, quilombolas e dos povos indígenas. “Negar o racismo ambiental é negar que o Estado brasileiro é racista, é negar a realidade da vida nas periferias das grandes cidades, o aumento da fome, é negar a violação dos direitos constitucionais contra comunidades, territórios quilombolas e terras indígenas, é negar a história de urbanização do país e suas profundas desigualdades territoriais”, destaca o manifesto.
Esta reportagem integra série sobre o impacto da crise climática na vida dos brasileiros, parte das comemorações dos seis anos do #Colabora, e tem o apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil