O estado do Rio de Janeiro registrou 752 desastres naturais — como chuvas intensas, deslizamentos, enchentes e alagamentos — entre 2010 e 2022: foram 1.523 mortes e quase 50 mil anos de vida perdidos, de acordo com estudo de pesquisadoras da Universidade Federal Fluminense, publicado nesta sexta (18/04) na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS). Além das perdas de vidas humanas, os desastres naturais causaram prejuízos materiais avaliados em R$ 12 bilhões.
Leu essa? Desastres naturais serão cada vez mais frequentes na Região Serrana do Rio
O estudo das pesquisadoras Roberta Fernanda da Paz de Souza Paiva, Ana Luiza de Oliveira Maia e Juliana Beloti Giarola Martins combinou dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres da Defesa Civil com os registros do Sistema de Informações Hospitalares do SUS. As autoras identificaram que apenas cinco dos 92 municípios fluminenses – Nova Friburgo, Petrópolis, Teresópolis, Niterói e Rio de Janeiro – concentraram 79,3% das mortes, revelando áreas prioritárias para ações de prevenção e resposta.
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Veja o que já enviamosForam considerados eventos naturais extremos classificados como movimentos de massa (desmoronamentos e deslizamentos de terra), inundações, alagamentos e chuvas intensas. As autoras destacam que, entre 2013 e 2021, o Brasil registrou 51.184 desastres no país, sendo 50.481 desastres naturais – em sua maioria, climatológicos. “Devido às questões históricas de urbanização desordenada e desigualdade social, as populações mais pobres estão mais expostas e vulneráveis aos eventos”, destacam as pesquisadoras no estudo publicado.
De acordo com a pesquisa, entre 2010 e 2022, registraram-se 1.301 desastres naturais no Rio de Janeiro – parte significativa está relacionada a desastres biológicos associados à pandemia de covid-19, que não foram considerados para o trabalho. Das 752 ocorrências de desastres naturais nos municípios do Rio de Janeiro relacionados a eventos climáticos, as chuvas intensas (37,8%) e os movimentosde massa, como deslizamentos de terra, (19,6%) apresentaram maior frequência, seguidos por inundações (15,3%), enxurradas (15,2%), alagamentos (8,9%) e queda de granizo (3,3%).
O estudo apontou que 81,5% dos seus municípios do estado do Rio encontravam-se, no período, suscetíveis à ocorrência de deslizamentos,
enxurradas e inundações, atingindo 5,7% da população. “Além de maior frequência, os números indicavam que os desastres ambientais se intensificaram, sendo mais comuns os de origem hidrológica e geológica. Entre esses eventos, destacaram-se os deslizamentos de terra ocorridos no Morro do Bumba (Niterói) em 2010, na Região Serrana em 2011 e em Petrópolis em 2022, que apresentaram grandes impactos sociais, econômicos e ambientais”, destacam as autoras.
Os desastres citados já fazem parte da trágica história climática do Rio de Janeiro. Neste abril, completam-se 15 anos do deslizamento de terra no Morro do Bumba – favela construída sobre um lixão no bairro Jardim Viçoso, em Niterói – que destruiu dezenas de casas e provocou a morte de 48 pessoas. Menos de um ano depois, em fevereiro de 2011, os temporais na Região Serrana do Rio provocaram a maior catástrofe climática da história do estado e do Brasil: foram 918 mortes no total, a maioria em Nova Friburgo, (429), Teresópolis (392) e Petrópolis (71). A chamada Cidade Imperial teve seu recorde de vítimas fatais alcançado em fevereiro de 2022: 235 mortes provocadas pelas chuvas torrenciais.
De acordo com a pesquisa, os 1.523 óbitos causados pelos desastres naturais ocorreram, em sua maioria, nestes municípios Nova Friburgo
(22,9%), Petrópolis (20,4%), Teresópolis (18,3%) e Niterói (11,7%) – a capital, Rio de Janeiro aparece com 6% das vítimas fatais. A faixa etária com o maior número de óbitos foi a de 15 a 59 anos, na qual foram registrados 51,8% do total. Os menores de 14 anos corresponderam a 22%, e os idosos (acima de 60 anos), a 15,6% dos óbitos – 10% das vítimas aparecem nos registros com idade ignorada.
A faixa etária mais atingida (15 a 59 anos) foi exatamente a economicamente ativa, o que amplia o impacto socioeconômico das perdas. Os autores alertam que a perda de anos de vida representa também perda de produtividade e renda para o país. “Mesmo utilizando dados do SUS, que podem não conter a totalidade dos óbitos atribuíveis aos eventos, os resultados foram elevados”, afirmou a pesquisadora Roberta Fernanda da Paz de Souza Paiva, uma das autoras do estudo, à Agência Bori. Para a professora Roberta Paiva, formada em Economia na própria UFF, com mestrado em Economia Aplicada pela FGV e doutorado em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, a identificação de áreas e grupos mais vulneráveis é fundamental para a formulação de políticas públicas mais eficazes. “A população vem sentindo impactos de diversas dimensões, reduzindo seu bem-estar, e principalmente desses grupos”, acrescentou a pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia Ambiental.
O cálculo de “anos de vida perdidos” — uma métrica de saúde pública que estima o tempo de vida interrompido por mortes precoces — chegou a 49.031,76 anos. Mais da metade desse total (54,2%) corresponde a vítimas do sexo feminino, que também foram maioria entre os óbitos (50,1%). “As mulheres e meninas são as mais vulneráveis em situações de desastres, que são eventos que potencializam as desigualdades de gênero e raça. Devido ao menor poder aquisitivo, ao elevado número de dependentes e ao baixo acesso ao saneamento ambiental, as mulheres acabam sendo expostas aos maiores riscos, sendo histórica e estruturalmente mais vulneráveis”, apontam as pesquisadoras no estudo publicado na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde.
De acordo com a pesquisa, os desastres causaram prejuízos materiais estimados em R$ 12 bilhões. A maior parte ocorreu em unidades habitacionais (R$ 7,7 bilhões) e em obras de infraestrutura urbana (R$ 4 bilhões), mas houve prejuízos também em instalações de ensino (R$ 185 milhões), unidades de saúde (R$ 77 milhões) e outros equipamentos de serviços ou comunitários. Os recursos financeiros investidos na reconstrução dessas instalações apresentam-se como um dos impactos que se soma ao prejuízo dos serviços prestados à população, principalmente serviços sensíveis como a educação e a saúde”, aponta o estudo.
As pesquisadoras destacam ainda que os óbitos e a perda de anos de vida da população revelam os “importantes impactos acarretados” pelos desastres naturais. “Os efeitos das mudanças climáticas, em conjunto à estrutura socioeconômica desigual observada no Brasil, podem trazer maior vulnerabilidade à população. Indica-se a necessidade da adoção de políticas não apenas de gestão de riscos e planejamento urbano, mas também daquelas que contribuam para a melhoria da qualidade de vida e do bem-estar da população, como as educacionais, de saúde e de renda”, concluem as autoras.