Por Liana Melo ODS 13

Dissensos não chegaram a ser uma surpresa; para as organizações do Terceiro Setor, falta espaço efetivo para a participação da sociedade civil no debate climático

Publicada em 16 de outubro de 2025 - 09:57 • Atualizada em 16 de outubro de 2025 - 11:29

As tretas da pré-COP sinalizaram os temas cruciais da COP30, em Belém. Faltando menos de 50 dias para a Conferência do Clima, ministros, negociadores e representantes da sociedade civil se reuniram em Brasília para discutir as divergências na última reunião ministerial preparatória do encontro da ONU. A Arábia Saudita repetiu o mantra: a transição energética, longe dos combustíveis fósseis, é uma ideia, não uma proposta. O governo ultraliberal da Argentina declarou guerra contra a discussão de gênero e, publicamente, questionou até o uso da palavra, além da sinergia do tema com a questão climática.

As três principais decisões esperadas de Belém são o chamado Programa de Transição Justa, as Metas de Globais de Adaptação e o Balanço Global (GST, na sigla em inglês e se refere aos mecanismos do Acordo de Paris para evitar que o aquecimento global rompa a barreira do 1,5ºC). Cada um deles teve três rodadas de discussões na pré-COP e as minúcias ficarão para os negociadores tentarem resolver em Belém. Em Brasília, o objetivo foi tratar das diferenças no nível político. O encontro não está no calendário oficial da Convenção do Clima da ONU, mas, nos últimos anos, passou a ser organizada pelos países-sede da conferência para antecipar as negociações da agenda.

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Após os dois dias do encontro, no começo da semana (dias 13 e 14), o presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, avaliou que os pré-consensos foram importantes, porque deixaram claro as “linhas vermelhas”, ou seja, os limites dos países nas negociações: “O que houve aqui, e que foi extremamente útil fazer essa pré-COP, é que nós já temos isso agora muito melhor mapeado, porque eles [países] foram muito claros nos limites do que eles podem ou não podem aceitar no processo negociador.”

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É fato, concorda a africana Mwanahamisi Singano, diretora de Políticas Globais da Wedo (sigla em inglês da Organização das Mulheres para o Meio Ambiente e Desenvolvimento), conhecida como Mishy: “Agora, a gente volta e refina nossa estratégia, porque já sabemos quais são os alvos”. Ao lado da ativista sul-africana Tasneem Essop, diretora-executiva da ONG Climate Action Network, e de Claudio Angelo, diretor de Política Internacionais do Observatório do Clima (OC), os três refletiram sobre às inquietações que rondam a COP30.

Apesar das “muitas inovações” na organização da pré-COP, Essop admitiu que “talvez seja o caso de dar um passo atrás e se houve alguma expectativa de que a pré-COP seria um lugar onde nós teríamos certeza absoluta para onde vamos, isso pode ter sido uma expectativa errada”. Os dias que separaram para o início da conferência pode parecer pouco para desatar nós, mas “é um tempo muito longo”, disse referindo-se à dinâmica própria dessas negociações.

Os dissensos não chegaram a ser uma surpresa e estão sendo usados como moeda de troca para incluir demandas na agenda de negociações: financiamento climático e o Balanço Global do Acordo de Paris, especialmente a parte que se refere a uma transição energética para longe dos combustíveis fósseis, são entraves já conhecidos e, por enquanto, intransponíveis.

Observadores da pré-COP relataram que na discussão sobre transição energética, o assessor-chefe de Sustentabilidade da Arábia Saudita, Abdelrahman Al Gwaiz, protestou, alegando que o Balanço Global não trata apenas disso, por isso não havia razão para tratá-lo com destaque. “Nada de querer impor obrigação para ninguém”, chamou a atenção Angelo, referindo-se à posição dos árabes nas reuniões: “Quem esperava uma coisa mais robusta de implementação do Balanço Global a partir do diálogo dos Emirados Árabes se frustou”, comentou. Uma das metas do Balanço Global é triplicar as energias renováveis até 2030.

Só que para isso é preciso dinheiro. Muito dinheiro. “E os países desenvolvidos acreditam que eles só devem compartilhar boas práticas e conhecimento, enquanto os países em desenvolvimento têm uma necessidade urgente e real de cooperação financeira para viabilizar a transição justa nacionalmente”, comentou Essop.

A ativista aproveitou para chamar a atenção do espaço de fato dado aos observadores nesse tipo de reunião. “Incluindo a presidência, todos os ministros falam que precisam da gente”, mas não se cria um espaço efetivo para uma maior participação com voz e voto. Em alguns grupos de trabalho, o tempo de fala não passou de três minutos.

A presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, chamou a atenção para o fato de que a adaptação às mudanças climáticas esteve presente em praticamente todos os discursos. O tema é considerado crucial na COP30. Se falou até da expectativa de já ter resultados importantes na primeira semana da COP30. Só que a realidade nua e crua, alertou, é que “ainda tem muito chão pela frente”. Persistem as divergências em relação aos indicadores, quanto da sua natureza quanto da sua implementação.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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