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Embarcações encalhadas no leito seco do Rio Negro: mesmo com a crise climático provocando eventos extremos, Acordo de Paris corre o risco de micar já que países devem chegar a COP30 sem cumprir suas metas de redução das emissões (Foto: Marizilda Cruppe / Greenpeace - 04/10/2024)
COP30: sem metas cumpridas, Acordo de Paris corre o risco de micar
"A última crise climática dessa proporção foi há 120 mil a 130 mil anos, mas era um fenômeno natural. Agora, é tudo culpa do homem", adverte o climatologista Carlos Nobre
Do segundo semestre de 2023 até abril deste ano, a temperatura média do planeta ultrapassou 1,5 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais. Há uma década, quando foi assinado o Acordo de Paris, 195 países concordaram que a temperatura da terra deveria ficar abaixo 1,5ºC até 2050 para evitar catástrofes climáticas da dimensão, frequência e velocidade das atuais. Faltando menos de 100 dias para a COP30, em Belém, o Acordo de Paris corre o risco de micar, justamente quando deveria ser reavaliado para acelerar a ação climática.
A última crise climática dessa proporção foi há 120 mil a 130 mil anos, mas era um fenômeno natural. Agora, é tudo culpa do homem
Não é de hoje que a Ciência vem demonstrando que os fenômenos extremos iriam aumentar à medida que a temperatura da terra ficasse mais quente devido a maior concentração de gases de efeitos estufa. Os fatos têm falado por si só: queimadas na Amazônia, inundações no Rio Grande do Sul, secas prolongadas, incêndios na Sibéria, Califórnia, Chile e México, e geleiras sumindo na Suíça e outros desastres naturais, calamidades e catástrofes espalhados pelo mundo afora em Dubai, Espanha, Paris…
A despeito do crescimento das energias renováveis, o mundo está longe de ficar perto das metas climáticas de Paris, porque os países estão recuando em seus compromissos para reduzir as emissões globais e porque os investimentos em combustíveis fósseis estão se intensificando. Não bastasse isso, o Brasil foi um dos poucos países que entregou no prazo sua meta climática, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês). Apenas dez das 197 nações signatárias do Acordo de Paris cumpriram a data estipulada no tratado e renovaram até fevereiro último seus planos nacionais de redução de gases de efeito estufa – com o atraso, a ONU estendeu o prazo até setembro.
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No último balanço, na primeira semana de agosto, 27 países já haviam entregues suas novas metas oficiais para enfrentar a crise climática à UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – em inglês, United Nations Framework Convention on Climate Change). Entre os países que ainda não apresentaram seus compromissos estão China, União Europeia, Índia, Rússia, Austrália e México — responsáveis por boa parte dos gases de efeito estufa lançados na atmosfera.
Os EUA chegaram a entregar uma NDC ambiciosa no fim do governo Biden – mas Donald Trump já avisou que vai ignorá-la e que o país deixará o Acordo do Paris (o que ele já fez em seu primeiro mandato). Em julho, China e União Europeia divulgaram comunicado conjunto expressando o compromisso de apresentar, antes da COP30, suas respectivas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) abrangendo todos os setores econômicos e todos os gases de efeito estufa (GEE), em alinhamento com a meta de temperatura de longo prazo do Acordo de Paris.
Pelo Acordo de Paris, firmado em 2015 na COP21, na capital francesa, as NDCs deviam ser revisadas e analisadas a cada cinco anos. Por isso, as metas são aguardadas para a COP30 e tornam-se mais urgentes com neste cenário de emergência climática, com a multiplicação de eventos extremos. “A última crise climática dessa proporção foi há 120 mil a 130 mil anos, mas era um fenômeno natural. Agora, é tudo culpa do homem”, diagnostica o climatologista Carlos Nobre, um dos mais respeitados cientistas do mundo.
Os alertas da Ciência vêm apontando para a necessidade urgente de zerar o saldo das emissões até 2050. Só que dada a inação dos países frente ao aquecimento global, “o que estamos assistindo é que estamos indo na direção contrária”, acrescenta o climatologista.
Nobre lembrou que o relatório de 2018 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, órgão da ONU criado para avaliar a ciência relacionada às mudanças climáticas) já advertia para consequências graves por conta do aumento da temperatura de 1,5ºC a 2ºC: 90% ou mais de espécies de recifes de corais seriam extintos e 25% da biodiversidade oceânica. O risco desse cenário ocorrer é enorme e cresce a cada dia.
Se chegarmos a uma temperatura 2,5ºC mais quente, por exemplo, Nobre antecipa que o solo congelado das regiões Norte de países como Alasca, Canadá e Sibéria praticamente vão derreter. Ao descongelar, essas geleiras liberarão metano e gás carbônico (CO2), ambas extremamente danosos para o efeito estufa. “Vamos jogar mais de 200 bilhões de toneladas desses gases na atmosfera”.
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Veja o que já enviamosNo ano de 2024, quando a temperatura da terra bateu um recorde de aquecimento, foram emitidos 41,6 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa, graças ao aumento das emissões de carvão, petróleo e gás e, no caso brasileiro, consequências do desmatamento e das queimadas, ambos impactados pela seca extrema dos últimos anos, inclusive na Amazônia, sede da COP30.
Brasil e EUA em lados opostos
Segundo o cientista, a capacidade de redução das emissões de gases do efeito estufa será de 3% até 2030 e zerar mesmo só em 2050. “Assim, ultrapassaremos com facilidade 2ºC”, adverte. Nobre vem se debruçando em estudar os pontos de não retorno na Amazônia – o que a ciência chama de “tipping points” – que, juntos, somam mais de 25 ao redor do mundo. Ou seja, é quando a natureza corre o risco de sofrer uma transformação radical, passando de um estado a outro. No caso da Amazônia, por exemplo, transitando de floresta para savana.
“Pela primeira vez na história, estamos lidando com uma versão sociopolítica desses pontos de não retorno ambientais, o que chamo de Trumping point”. O termo foi cunhado pelo pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP e copresidente do Painel Científico para a Amazônia quando esteve em Brasília, logo após o resultado das eleições americanas, para discutir o tema da adaptação na COP30. “Nenhum político no mundo chegou a esse grau de ponto de não retorno sociopolítico ao tomar medidas para destruir a busca de soluções para evitar o suicídio ecológico do planeta”.
Quinto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, o Brasil está atrás da China, Estados Unidos, Índia e Rússia. No caso brasileiro, o desmatamento está no topo da cadeia das emissões de gases de efeito estufa. À frente de um estudo científico prestes a ser lançado antes da COP30, Nobre acredita que o Brasil pode zerar suas emissões de gases de efeito estufa até 2040. O potencial para alcançar a neutralidade de carbono está baseada no tripé energia limpa, restauração florestal e agricultura de baixo carbono. Além de enfrentar às mudanças climáticas, o conjunto de medidas para zerar as emissões vai melhorar a qualidade de vida das populações, especialmente as mais vulneráveis.
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Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.