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COP30: Belém sob risco de ter mais ilhas de calor, erosões costeiras e inundações

Plano lista ameaças e traça ações e metas para adaptação e mitigação para cidade-sede da Conferência do Clima da ONU; capital paraense tem 150 mil pessoas vivendo em áreas de risco climático

Sede da COP30 (Conferência da ONU sobre Mudança Climática) em novembro, Belém está sob grave ameaça de enfrentar ilhas de calor, erosão costeira e inundações nos próximos anos, de acordo com estudo do Iclei – Governos Locais pela Sustentabilidade, rede global que atua em parceria com mais de 2.500 governos locais e regionais na busca de um desenvolvimento urbano sustentável. Essas ameaças fazem parte da Análise de Risco e Vulnerabilidade Climática (ARVC) da capital paraense, um dos três pilares do Plano Local de Ação Climática – os outros são o Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e o Diagnóstico de Serviços Ecossistêmicos (DSE) – desenvolvido pelo Iclei para a Prefeitura de Belém e entregue no final de abril.
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De acordo com o Plac Belém, 11,5% da população da cidade – cerca de 150 mil dos seus mais de 1,3 milhão de habitantes – reside nas áreas de vulnerabilidades e riscos climáticos. A meta estabelecida no documento é reduzir paulatinamente esse percentual até chegar a zero em 2050. O Plac estabelece 15 metas prioritários, com objetivos mensuráveis a curto, médio e longo prazo, que abrangem as ameaças climáticas, a emissão de GEE e os serviços ecossistêmicos. “O lançamento do PLAC-Belém mantém a cidade em posição de destaque no enfrentamento da crise climática”, destaca o texto de apresentação do documento, acrescentando que o plano será “um instrumento fundamental para que medidas de mitigação e adaptação sejam implementadas e o desenvolvimento urbano sustentável da cidade seja fortalecido”.
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Veja o que já enviamosA partir dos estudos desenvolvidos pelo Iclei com o apoio da União Europeia, da União Internacional para a Conservação da Natureza, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Governo da Alemanha, o Plac propõe ações para alcançar as metas e objetivos de quatro eixos estratégicos: Belém Carbono Zero, Belém Desenvolvimento Urbano, Sustentável e Resiliente, Belém Inovadora, Justa e Inclusiva, e Belém Verde e Integradora. O plano apresenta uma análise detalhada dos diagnósticos ambientais da sede da COP30 e propõe ações específicas com base nesses diagnósticos.
A Análise de Risco e Vulnerabilidade Climática (ARVC) tem como objetivo analisar o risco a partir da linha metodológica do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), observando o conjunto de ameaças relacionadas aos eventos climáticos; os elementos de exposição relacionados aos sistemas sociais, ambientais e econômicos, além da infraestrutura local; e a vulnerabilidade territorial de cidades ou regiões, que harmoniza a sensibilidade ou susceptibilidade local e sua capacidade adaptativa frente às ameaças climáticas.
Como explica o documento, o risco é o resultado da interação entre eventos climáticos extremos (ameaças), os sistemas sociais, ambientais e econômicos (exposição) e suas vulnerabilidades às ameaças (sensibilidade e a falta de capacidade de adaptação. A ARVC aponta como principais riscos climáticos para a sede da COP30 a intensificação das inundações, o avanço da erosão costeira, o agravamento das ilhas de calor.

Riscos climáticos na sede da COP30
Belém tem uma topografia plana e baixa, cortada por diversos rios e igarapés, parte de uma bacia sedimentar, predominantemente composta por solos argilosos e arenosos. “Essa configuração torna a área suscetível a inundações, especialmente durante as estações chuvosas, quando a capacidade de drenagem natural é insuficiente, levando a alagamentos frequentes em áreas periféricas e de baixa elevação”, alerta o estudo do Iclei.
A cidade já enfrenta constantes inundações que tendem a ser agravadas pela crise climática que vem tornando as chuvas mais intensas e concentradas em períodos curto. “Eventos extremos de precipitação podem apresentar grande risco sob o ponto de vista de inundações, alagamentos e enchentes”, ressalta o Plac Belém. As áreas mais predispostas ao risco de inundação e alagamento se encontram na justaposição das baixadas e zonas de planícies, “com a exposição de populações socioeconomicamente fragilizadas e onde não há necessariamente uma infraestrutura que possa suportar o impacto de chuvas intensas – rede de micro e macrodrenagem insuficiente, pouca presença de áreas permeáveis”, acrescenta o texto.
O risco de erosão costeira em Belém está relacionado à morfologia plana do território, à presença de uma densa rede de cursos d’água, como os rios Guamá e Pará, e à alta precipitação anual. “Esses fatores, combinados ao desmatamento das margens e à ocupação irregular, aumentam a vulnerabilidade a processos erosivos e enchentes. O uso inadequado do solo, a urbanização desordenada e o despejo de resíduos agravam o problema, expondo populações e infraestruturas em áreas sensíveis, como várzeas e zonas de igarapés”, alerta o Plac Belém.
A ARVC aponta ainda que o movimento das marés e a declividade do terreno em certas áreas de Belém aceleram a erosão, especialmente em regiões sem a vegetação necessária para estabilizar o solo, enquanto áreas desmatadas ou urbanizadas enfrentam maior risco de deslizamentos e perdas de solo. “A ausência ou insuficiência de infraestruturas de proteção, como muros de contenção e sistemas de drenagem, intensifica a exposição de populações e equipamentos a riscos associados à erosão e inundações”, destaca a análise .
Além das inundações e da erosão, que vem sendo agravadas pelas chuvas cada vez mais intensas e concentradas com a crise climática, Belém já tem ilhas de calor onde as temperaturas são significativamente mais elevadas fenômeno particularmente intenso em regiões com alta densidade de construção e pouco espaço verde, como o centro da cidade e bairros com grande atividade comercial e residencial. “A presença de materiais de construção que absorvem e retêm calor, como asfalto e concreto, juntamente com a baixa cobertura vegetal, contribui para a formação de zonas de calor”, alerta a análise de risco climático.
No evento de entrega oficial do documento, foi lembrado que, de acordo com levantamento feito pela CarbonPlan, em colaboração com o The Washington Post, Belém será, até 2050, a segunda capital mais quente do país, atrás apenas de Manaus – hoje, a sede da COP30 não está nem entre as 10 primeiras do ranking das altas temperaturas entre as capitais brasileiras. “Para reduzir os efeitos das ilhas de calor em Belém, é crucial adotar estratégias que promovam a absorção e o alívio térmico nas áreas urbanas”, destaca o estudo produzido pelo Iclei
A ARVC inclui uma análise de risco crítico, apontando os 10 bairros de Belém, com uma maior sobreposição dos riscos (inundações, erosão costeira e ilhas de calor): Barreiro, Condor, Coqueiro, Jurunas, Maracajá, Marambaia, Pratinha, Tapanã, Telégrafo e Terra Firme. “A avaliação do Risco Crítico não deve significar uma renúncia às análises dos riscos individualizados. A sobreposição – que torna o território em situação de ‘risco crítico’ – pode auxiliar na decisão de prioridades de ação preventivas e corretivas”, ressalva o documento.
O Plano Local de Ação Climática propõe mais de 200 ações em todas as áreas e estabelece 14 metas gerais prioritárias – inclusive duas diretamente ligadas à ARVC. A primeira é reduzir a população residente nas áreas de vulnerabilidades e riscos em Belém dos 11,5% (cerca de 150 mil pessoas, para 10% até 2030, 5% em 2040, até zerar esse percentual em 2025. A outra estabelece reduzir o déficit habitacional qualitativo: de 55% da população vivendo em áreas precárias atualmente, para 40% em 2030, 30% em 2040 e 5% em 2050

Emissões em alta
O Plac Belém traz ainda um inventário de emissões de gases de efeito estufa (GEE) ressaltando que é uma ferramenta essencial na análise climática urbano para ajudar os gestores a definir estratégias de mitigação, Como na grande maioria das cidades brasileiras, o setor de transporte é o maior responsável pelas emissões em Belém durante os anos analisados (de 2018 a 2023): a gasolina o principal combustível emissor em veículos motorizados individuais (cerca de 45%), seguida pelo querosene de aviação em voos domésticos (25%) e o óleo diesel utilizado no transporte público (15%). No setor de Energia Estacionária, as emissões estão associadas principalmente ao consumo de combustíveis e energia elétrica em residências.
O estudo destaca que, na capital paraense, o setor de resíduos também é uma importante fonte de emissões, especialmente devido à disposição de resíduos sólidos no aterro sanitário de Marituba (cerca de 65,5%) e ao tratamento de efluentes domésticos (34,5%) da fração da população sem acesso aos serviços de saneamento. “Menos de 16% da população de Belém tem acesso ao serviço de coleta de esgoto, e apenas cerca de 4% recebe tratamento adequado”, ressalta o documento. Em relação ao uso da terra, outra fonte destacada de emissões no Brasil, o estudo aponta que, após um período de significativas emissões relacionadas ao desmatamento, “nos últimos anos, essa atividade deixou de ser uma fonte relevante”.
O Plac Belém estabelece como meta a redução de 73% das emissões até 2050. “O inventário de gases de efeito estufa de Belém evidencia a necessidade do município priorizar a implementação de ações que promovam a mobilidade urbana de baixo carbono, melhorem a eficiência energética em equipamentos residenciais, reduzam a quantidade de resíduos destinados a aterros sanitários, ampliem a coleta e o tratamento de efluentes e fortaleçam o controle do desmatamento”, frisa o documento.
Entre outras metas, estão, na área de transporte, a substituição de 25% da frota própria de transporte coletivo público por veículos híbridos ou elétricos até 2050 e o aumento da malha cicloviária de 116 km para 200 km até a metade dp século; e, na gestão dos resíduos, direcionar para tratamento 50% dos resíduos hoje destinados a aterro sanitário em 2050 e ampliar para 90% o percentual da população atendida por coleta e tratamento completo de esgoto sanitário (hoje em nemos de 20%).

Soluções baseadas na natureza
O Plano Local de Ação Climática inclui também o Diagnóstico de Serviços Ecossistêmicos (DSE), estudo dos potenciais oferecidos pela natureza enos limites da cidade para permitir “o desenho de estratégias eficientes para atender aos desafi os do território e promover um desenvolvimento baseado na natureza”. O Plac Belém aponta para a necessidade de ampliar as áreas verdes públicas na áreas urbana e ressalta que, mesmo nas regiões das ilhas (Belém tem em seu território 31 ilhas) poucas áreas verdes estão sob domínio público, “sendo também necessário uma distinção no sentido da titularidade dessas áreas e sua disponibilidade para o usufruto do público geral”.
O diagnóstico indicou a impermeabilização do solo como um dos principais fatores que contribuem para a redução da capacidade de retenção hídrica na área urbanizada. E apontou outras perturbações à paisagem natural – fragmentação da vegetação, pastagem, extração mineral – que afetam a disponibilidade hídrica na capital paraense. O documento do Iclei alerta ainda para ameaças ao ecossistema na Ilha do Mosqueiro, e da Ilha Paulo de Cunha, identificando perda de vegetação.
O estudo aponta que o processo de planejamento urbano e urbanização deve promover uma maior integração entre espaços urbanos e áreas verdes e permeáveis. “É necessário estimular oportunidades de inclusão da proteção de áreas verdes e corpos hídricos em novos programas habitacionais, para considerar de maneira transversal a biodiversidade e os ecossistemas, em suas múltiplas relações com impactos de ordem social, econômica e urbana”, destaca o DSE, acrescentando que as áreas centrais de Belém possuem espaços verdes mais planejados, “enquanto nas periferias seria indicado promover a criação de espaços socioambientais adequados, considerando tanto a distribuição de espaços verdes públicos quanto de infraestrutura adequada para o lazer e prática de esportes ao ar livre”.
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Oscar Valporto
Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade