A última quinta-feira, 30 de novembro, primeiro dia da COP28, foi de comemoração. Afinal de contas, para surpresa de todos, foi anunciada a criação do Fundo de Perdas e Danos. Com um montante de aproximadamente US$ 400 milhões, cerca de R$ 2 bilhões. Na vaquinha climática, os anfitriões Emirados Árabes entraram com US$ 100 milhões, a União Europeia com US$ 225 milhões, o Reino Unido com 20 milhões de libras, e os EUA e o Japão pingaram US$ 17 milhões e US$ 10 milhões cada um. Mas essa é realmente uma boa notícia? Sem dúvida, foi um feito diplomático avançar em um tema tão espinhoso, que já havia sido motivo de muita divisão no passado:
“Obter uma decisão logo na abertura da COP28 – algo inédito na história das COPs – reforça que é no multilateralismo que vamos encontrar as soluções”, comemorou o embaixador e negociador-chefe do Brasil, André Aranha Corrêa do Lago.
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Mas seria bom entender melhor do que estamos falando. Simplificando muito, a COP28, assim como as COPs anteriores, enfrenta basicamente três grandes desafios: O primeiro e, sem dúvida, mais importante de todos é acabar com a crise climática ou, pelo menos, minimizar bastante; o segundo e não me menos importante é investir em planos de adaptação para evitar que os países, especialmente os mais pobres, sofram os efeitos das mudanças climáticas; o terceiro desafio está ligado aos outros dois. Se a crise climática não for resolvida e se não houver investimentos pesados em adaptação, os países terão perdas, sofrerão danos, e vão precisar de dinheiro para consertar essa casa. É aí que entra o Fundo de Perdas e Danos.
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Veja o que já enviamosVamos usar um exemplo mais próximo e conhecido dos brasileiros: as tragédias ambientais na Região Serrana do Rio. Dez em cada dez especialistas explicam que, por conta da aceleração das mudanças climáticas, essas tragédias serão cada vez mais recorrentes. Ou seja, se o mundo não limitar as emissões de gases de efeito estufa, item 1 da pauta, Petrópolis seguirá sofrendo. Logo, é preciso passar para o item 2: adaptação. Aqui entrariam regras mais rígidas de construção, sistemas modernos de alarme, políticas de remoção em locais de risco e reflorestamento em áreas que nem sempre são públicas. Se falharmos nas opções 1 e 2, só nos resta cuidar das perdas e danos: cestas básicas, abrigos provisórios, reconstrução de imóveis etc. Um filme que estamos cansados de ver.
Acontece que a quantidade trabalho, de negociação e de dinheiro envolvidos em cada etapa dessa odisseia climática é muito diferente. Voltando à COP28, os US$ 400 milhões para perdas e danos, comemorados na semana passada, são fichinha perto dos mais de US$ 400 bilhões por ano que, segundo o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) serão necessários para os investimentos em adaptação. Alguns analistas chegam a falar em até US$ 1 trilhão/ano. Na COP26, em Glasgow, os países ricos prometeram repassar US$ 40 bilhões anuais para as nações mais pobres até 2025. Ganha um picolé de manga quem adivinhar o que aconteceu. Nada, ou quase nada. O fluxo de financiamento hoje estaria na casa dos US$ 20 bilhões/ano. Cerca de um décimo do necessário, seguindo as contas mais conservadoras.
De acordo com Marina Romanello, diretora executiva da Lancet Countdown, se a causa das perdas e dos danos não for estancada, nenhum dinheiro será suficiente para compensá-los: “Os planos atuais de expansão da produção de petróleo e gás vão levar ao aumento das perdas e danos e transformarão esses compromissos valiosos em contribuições insignificantes em um mundo de danos insuportáveis”.
Ou, como disse o professor Carlos Nobre, um dos maiores especialistas brasileiros em climatologia, em entrevista ao #Colabora: “Mesmo que o Acordo de Paris seja cumprido, e o aquecimento global venha a ser limitado a 1,5° Celsius – que é o maior desafio da humanidade -, os eventos climáticos extremos continuarão acontecendo. Eles serão, pelo menos, 30% mais intensos e mais frequentes do que são hoje. Portanto, só nos resta agir nas áreas de educação, prevenção e reflorestamento. Há muito trabalho a ser feito”, explicou. Ou seja, é sempre bom comemorar as pequenas vitórias, mas sem esquecer que a guerra será árdua e longa. Não podemos nos contentar com meias verdades.