(Alexandre Gaspari*) – Uma imagem chocou todo o Brasil em janeiro de 2000. Numa praia em Magé, na região metropolitana do Rio de Janeiro, um mergulhão coberto de óleo agonizava. O pássaro foi vítima de um vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo combustível, um derivado do petróleo, de um duto da Petrobras na Baía de Guanabara. O produto ainda matou milhares de peixes e se impregnou em extensas áreas de manguezal da baía. Além dos impactos à fauna e à flora, o vazamento de óleo deixou milhares de pescadores e catadores de caranguejo sem sua principal fonte de sustento.
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Esse vazamento, bem como outros no Brasil – em praias de quase todo o Nordeste em 2019, cuja causa até hoje não se sabe – e no exterior – no Golfo do México, em 2010, após a explosão da plataforma Deepwater Horizon, da BP –, são o retrato mais evidente dos estragos que os combustíveis fósseis causam à biodiversidade. Existe, porém, um prejuízo insidioso e muito mais trágico que petróleo, gás fóssil e carvão causam à fauna e à flora do planeta: as mudanças climáticas. E que, diante de problemas mais evidentes que afetam os ecossistemas, como o desmatamento, ficam em segundo plano, mas deveriam estar no radar de todos os negociadores na COP16 da Biodiversidade, que acontece de 21 de outubro a 1 de novembro em Cali, na Colômbia.
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Veja o que já enviamosNão foi um vazamento de petróleo que provocou a morte de centenas de botos no lago Tefé, no Amazonas, no ano passado, mortandade que vem se repetindo neste ano. Mas é a queima de petróleo, gás fóssil e carvão que está por trás das secas extremas e históricas que atingiram a Amazônia em 2023 e neste ano, reduzindo o volume dos rios da maior bacia hidrográfica do planeta a níveis antes inimagináveis e aquecendo o que resta de suas águas, assim isolando e matando de calor botos e peixes.
Não foi um vazamento de petróleo que fez a água sumir do Pantanal, a maior planície alagável do mundo. Mas é a queima de combustíveis fósseis que criou um ambiente perfeito de estiagem e vegetação seca para que criminosos pudessem atear fogo no bioma, matando animais e plantas. Sem falar na dificuldade de encontrar água e alimentos que se abateu sobre a fauna pantaneira, o que provocou a morte de animais por fome ou desidratação.
Não foi um vazamento de petróleo que submergiu quase todo o Rio Grande do Sul por um mês neste ano. Mas foi a queima de combustíveis fósseis que fez o estado registrar tempestades em níveis nunca vistos, um excesso de água doce que inundou rios e modificou a salinidade da Lagoa dos Patos, um dos principais ecossistemas do território gaúcho, afetando espécies que vivem no corpo lacunar ou se alimentam desses animais.
Juliana Aguilera, do ClimaInfo, conversou com especialistas para tentar mensurar quanto tempo a biodiversidade leva para se recuperar desses e de outros eventos climáticos extremos. Ela destaca que os impactos das inundações no Rio Grande do Sul sobre a fauna e a flora ainda estão sendo contabilizados. Em outro exemplo, os incêndios que devastaram o Pantanal em 2020, especialistas do ICMBio calculam que cerca de 75 milhões de animais vertebrados e 4,6 bilhões de invertebrados foram afetados diretamente e indiretamente. Após quatro anos, o bioma ainda não se recuperou, e as espécies não voltaram ao tamanho que eram. Com as chamas deste ano, é provável que esse lento caminho de recuperação tenha sido interrompido.
Diante disso, é evidente que a COP16 deve encarar o fato de que as crises climática e da biodiversidade são dois lados de uma mesma moeda. Uma moeda criada pela queima de combustíveis fósseis, que continua alimentando as mudanças climáticas. Não se espera que os negociadores ignorem as demandas urgentes de combater o desmatamento e perenizar uma agricultura sustentável climática e ecossistemicamente. Mas também há urgência em incluir nessa pauta a eliminação dos combustíveis fósseis.
Se continuarmos inundando a atmosfera com gases de efeito estufa gerados principalmente a partir da queima de petróleo, gás fóssil e carvão, nenhuma ação direta de preservação de ecossistemas se sustentará, já que todas serão diretamente afetadas pela crise climática.
*Alexandre Gaspari é jornalista no Instituto ClimaInfo; formado em Comunicação Social – Jornalismo pela UFF (Universidade Federal Fluminense), especializou na cobertura do setor de energia. Tem mestrado e doutorado em Ciências Sociais e MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras