Quase dois terços (61%) dos municípios do Rio Grande do Sul foram atingidos, em maior ou menor grau, pelos eventos climáticos extremos de abril e maio deste ano, de acordo com imagens de sistemas de satélite coletadas, analisadas e validadas pelos pesquisadores do MapBiomas. Os dados mostram que áreas usadas pela produção agropecuária do estado foram as mais afetadas pelas chuvas: mais de um milhão de hectares – 64,2% do total ocupado por essas atividades no território gaúcho. Quase 20% de formações campestres também foram atingidas.
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De acordo com nota técnica divulgada nesta quarta-feira (05/06) pelo MapBiomas, dos 497 municípios do Rio Grande do Sul, 234 tiveram sua área urbana atingida. Dois terços deles (67%, ou 158 municípios) tiveram menos de 1% de suas áreas urbanizadas atingidas. Em um caso – Eldorado do Sul, município de 42 mil habitantes na Região Metropolitana de Porto Alegre – a área afetada superou 66%. Em Mampituba, pequena cidade de três habitantes no litoral norte, 49,5% da área urbanizada foi atingida; e em Canoas, também na Região Metropolitana, 42,4%. Em relação à totalidade do território afetado no estado, 0,8% corresponde a áreas urbanizadas. Mas quando se olha para a totalidade da área urbanizada do Rio Grande do Sul, 5% foram atingidos.
No total, 298 municípios tiveram pelo menos 1% do território afetado pelos eventos extremos dos últimos dois meses. Destes, 73 municípios tiveram mais de 10% do território atingido, sendo 34 com mais de 20%. Nos casos de Nova Santa Rita e Canoas, ambos na Região Metropolitana de Porto Alegre, mais da metade do território foi atingido: 52,5% e 50,1%, respectivamente. Os dados detalhados da extensão por município, tipo de cobertura e uso da terra estão disponíveis no site do MapBiomas, incluindo a planilha de estatísticas e um toolkit de visualização, consulta e download dos mapas desenvolvido para apoiar gestores, técnicos e profissionais que estão trabalhando na emergência.
Ao todo, a área atingida por movimentos de massa – deslizamentos de terra, enxurradas, inundações e alagamentos – nos últimos dois meses foi estimada em 15.778 km2 – o equivalente a 5,6% dos 281.748 km2 de extensão do estado. “As imagens de satélite podem fornecer informações valiosas para avaliação e tomada de decisão com relação às áreas atingidas, e definição de ações em vários horizontes de prazo. Elas captam
informações sobre as características dos alvos na superfície da Terra”, destaca a nota técnica de 25 páginas, elaborada com a participação de 12 pesquisadores do MapBiomas.
De acordo com levantamento da Emater/RS, mais de 206 mil propriedades rurais foram afetadas no Rio Grande do Sul, com perdas na produção e na infraestrutura. Foram prejudicados 48.674 produtores de grãos, grande parte de milho e soja. A maior perda ocorreu na produção da soja, com 2,71 milhões de toneladas perdidas. a horticultura e a fruticultura, em especial nas regiões do Vale do Taquari e da Serra. As perdas de animais afetaram de forma significativa 3.711 criadores gaúchos. O maior número de animais mortos foi de aves, totalizando 1 milhão de indivíduos adultos. Também houve perdas substanciais de bovinos de corte e de leite, suínos, peixes e abelhas.
Até esta terça-feira (04/06), o Rio Grande do Sul contava 172 mortos pelas enchentes e 42 desaparecidos; são mais de 500 mil desalojados pelo desastre climático e mais de 35 mil pessoas prosseguem em abrigos. Como consequência ainda dos temporais, o estado registrou mais de 2,5 mil casos de leptospirose com oito mortes.
Eventos extremos mais frequentes no outono e na primavera
O mapeamento da área atingida foi elaborado a partir do processamento e análise de imagens de satélites, obtidas por sensores óticos e de radar, em um período anterior e imediatamente após os eventos de precipitação severa. O mapa da área atingida foi depois sobreposto ao mapa de cobertura e uso da terra da coleção Beta MapBiomas 10 metros, do ano de 2022, para identificar e calcular a extensão das classes de cobertura e uso na área atingida. O resultado são dados em vários recortes espaciais (estado, bacia hidrográfica, bioma e município) que fornecem informações úteis para avaliação e tomada de decisão com relação às áreas atingidas e para a definição de ações em vários horizontes de prazo.
Os técnicos do MapBiomas alertam que esses dados podem apresentar limitações decorrentes do método e das características das fontes de dados utilizadas, tais como imagens de satélite com diferente resolução espacial, por exemplo. Por isso, a extensão atingida pode estar superestimada em alguns pontos, especialmente em algumas áreas rurais mais altas, onde solos temporariamente saturados foram incluídos devido à resposta similar à de uma lâmina d’água. Já no caso das áreas urbanas, os números podem estar subestimados devido à dificuldade de detecção da presença de lâmina d’água em meio às edificações. No caso das áreas inundadas no sul do estado, os números podem estar defasados porque o maior nível ocorreu após o período de coleta das imagens utilizadas.
A nota técnica do MapBiomas destaca também que eventos extremos, como vendavais e precipitações intensas, são mais frequentes no Rio Grande do Sul durante as estações de transição, como primavera e outono. Projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima-IPCC indicam tendência de aumento na precipitação e na frequência de eventos severos. As normais climatológicas do INMET dos períodos de 1961-1990 e de 1991-2020 confirmam que praticamente todas as regiões do estado já apresentaram mudanças nessa direção, algumas delas com até 300 mm de aumento na precipitação anual entre os dois períodos.
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Veja o que já enviamosA nota lembra ainda que o clima do Rio Grande do Sul também sofre influência dos fenômenos El Niño e La Niña, que provocam variabilidade interanual acentuada, principalmente na precipitação. Em anos sob influência de La Niña tende a haver redução na precipitação e ocorrência de estiagens; em anos de El Niño, as precipitações tendem a ocorrer em maior volume e intensidade, podendo chover em um único dia o equivalente à média mensal. Foi o que se viu durante o El Niño mais recente, quando ocorreram quatro eventos de precipitações severas no Rio Grande do Sul: junho de 2023, no Vale do Rio dos Sinos e no Litoral Norte; setembro de 2023, no Vale do Rio Taquari-Antas; novembro de 2023, nos vales dos rios Taquari-Antas e Caí, na Serra Gaúcha e na Região Metropolitana; e abril-maio de 2024, abrangendo praticamente todo o estado.
As chuvas do último evento foram extremas tanto em volume quanto em intensidade. Registros de pluviômetros da ANA, CEMADEN e INMET superaram 500 mm em duas semanas em boa parte do Rio Grande do Sul, e totalizaram mais de 1.000 mm em alguns locais. O enorme volume precipitado em curto período de tempo provocou movimentos de massa e cheias rápidas e com grande subida do nível dos rios nas regiões de serra, e inundações prolongadas e de grande extensão nas regiões mais baixas.