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Chuvas extremas no Sul do Brasil têm aumentado desde 1950, aponta estudo
Para pesquisadores, desastres são consequências de atividades humanas; reconstrução de cidades gaúchas precisa considerar adaptação climática
(Elton Alisson e André Julião*) – A região Sul do Brasil vem apresentando, desde 1950, tendência de aumento de extremos de chuvas, como as que têm atingido os Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. As constatações são de um estudo liderado por pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) em colaboração com o Met Office – o serviço nacional de meteorologia do Reino Unido.
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Os resultados do trabalho, apoiado pela Fapesp no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC), foram detalhados em artigo publicado na revista Earth and Space Science. “As observações feitas por meio desse estudo apontam para uma tendência de aumento na frequência e na magnitude de extremos de precipitação, deflagradores de processos geo-hidrológicos, como inundações, particularmente na região Sudeste da América do Sul – que inclui o Sul do Brasil”, afirmou José Marengo, pesquisador do Cemaden e um dos autores do estudo, durante evento promovido pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) para discutir as lições do evento climático extremo no Rio Grande do Sul.
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Veja o que já enviamosOs pesquisadores utilizaram um conjunto de dados obtidos por meio de estações de observações meteorológicas terrestres situadas em todo o mundo para avaliar indicadores de extremos climáticos que ocorreram em diferentes partes do planeta entre 1950 e 2018.
Os resultados do estudo indicaram que a região Sul do Brasil apresentou nesse período grandes áreas contíguas com dias de chuva intensa – acima de 10 milímetros – e com aumentos significativos, de cerca de 2 milímetros por década. “Esses resultados corroboram os de outros estudos anteriores, que mostram que o aumento da temperatura pode elevar a umidade da atmosfera e acelerar o ciclo hidrológico, gerando chuvas intensas”, afirmou Marengo.
“São necessários, contudo, estudos de atribuição – que já estão sendo feitos por alguns grupos de pesquisadores – para determinar se esses extremos de chuvas são consequência das mudanças climáticas antrópicas [causadas pelo homem]. Mas podemos afirmar que os desastres gerados por chuvas intensas são consequência de atividades humanas, como a permissão para construções em áreas de risco de inundações”, ponderou Marengo.
Projeções apontam para mais inundações e deslizamentos
Em outro estudo, publicado em 2021 na revista Frontiers in Climate, os pesquisadores do Cemaden, em colaboração com colegas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Met Office e da Universidade de Exeter (Reino Unido), fizeram simulações de chuvas extremas e de riscos de desastres hidrogeometerológicos no Brasil em um cenário de aquecimento da atmosfera entre 1,5º C e 4º C.
As projeções indicaram que esses diferentes níveis de aquecimento provocam uma mudança considerável em relação às chuvas no país, resultando em um aumento do risco de deslizamento e de inundações repentinas.
As principais regiões indicadas no estudo como as que serão mais afetadas por esses eventos no Brasil estão localizadas na região Sul do país, nos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. A cidade de Porto Alegre e o Vale do Jataí foram apontados como as duas localidades mais críticas na análise de riscos relacionados a inundações.
O resultados foram corroborados por projeções climáticas para a América do Sul reportadas nos últimos relatórios publicados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que indicam que o aumento entre 1,5º C e 5,5º C da temperatura no sudeste da América do Sul, projetado para até o fim do século 21, causará um aumento de enxurradas e deslizamentos de terra especialmente nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. “É preciso maior prevenção e melhora na preparação para essas chuvas intensas, que vão continuar aumentando. Por isso, é preciso pensar em como proteger a população vulnerável e as propriedades expostas aos riscos”, avaliou Marengo.
Realocação de cidades inteiras no Sul
No mesmo seminário na USP, José Marengo destacou que a reconstrução das cidades afetadas pelas chuvas no Rio Grande do Sul terá de considerar o aspecto das mudanças climáticas, o que inclui mesmo realocar cidades inteiras para lugares diferentes. “Não temos como parar as chuvas, mas podemos salvar a população”, disse.
Para o pesquisador do Cemaden, a tragédia foi um caso didático de como as cidades brasileiras não estão preparadas para eventos extremos, que serão cada vez mais comuns. “Estamos falando de um Estado poderoso, com indústria e agricultura fortes, então qualquer cidade está sujeita”, reforçou.
Segundo Marengo, o Brasil gasta quase o triplo para remediar os impactos causados por desastres climáticos do que com prevenção. Entre 2013 e 2023, 1.997 pessoas morreram em consequência desses eventos, com prejuízo de R$ 485 bilhões, enquanto os recursos para esse tipo de situação diminuíram desde 2014. “Reconstrução atrai muito dinheiro, enquanto obras de prevenção são iniciadas em uma administração, mas quem leva o crédito é a seguinte. Essa é a forma que o Brasil funciona”, pontuou o pesquisador na abertura do seminário “Lições do Evento Climático Extremo no Rio Grande do Sul para o Brasil”.
O climatologista Marengo ressaltou que desastres são uma combinação de fatores, incluindo a vulnerabilidade e a exposição da população, “o que não tem nada a ver com clima, mas com políticas públicas, planos diretores dos municípios”. O risco de desastres, portanto, é forçado por fatores climáticos, mas associado a quesitos socioeconômicos e de governança. “Um desastre não é a chuva em si. Se ela cai numa área exposta, pode matar pessoas. Se cai numa área com baixa densidade populacional, é simplesmente uma chuva intensa, não um desastre”, comparou.
No evento, Ariaster Chimeli, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), destacou os problemas econômicos causados pela crise climática.
O pesquisador lembrou uma palestra apresentada no último 1º de abril, durante o Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação, na qual alertou para a pressão causada pelo aumento das temperaturas em diversos setores da economia, como o preço dos alimentos “No Rio Grande do Sul, algumas safras tinham sido colhidas, mas espera-se a perda de outras. Estamos falando de um Estado muito grande, maior do que muitos países. Então vai haver implicações para gastos do governo. Claro que é uma emergência e esses gastos precisam ser feitos, mas a conta será cobrada mais adiante e pode elevar a inflação”, explicou.
Mudanças necessárias
Pedro Jacobi, professor do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, lembrou que cerca de 1.500 cidades do país podem ser afetadas de diferentes formas pelas mudanças climáticas, um aviso de que a reurbanização das cidades gaúchas não pode repetir os erros do passado. “Nossa sociedade é a dos que têm e dos que não têm e isso foi escancarado nessa tragédia. Quando falamos de cidades, temos de falar de problemas sociais, uso irregular da terra, ocupação das várzeas de rios e problemas na drenagem de águas fluviais, que contribuem para a intensificação dos efeitos dos eventos climáticos extremos”, disse.
Um caminho é fazer o diálogo entre os planos diretores dos municípios e o meio ambiente. “Para as cidades brasileiras se tornarem sustentáveis e resilientes, é preciso implementar políticas que garantam articulação entre desenvolvimento urbano e necessidade de mitigação e adaptação às mudanças climáticas”, explanou.
O climatologista Carlos Nobre, pesquisador do IEA-USP, recordou que os modelos climáticos já previam uma intensificação das chuvas naquela região do país. No entanto, as temperaturas têm aumentado ainda mais rápido do que se esperava.
Por isso, Nobre defende que a meta do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de zerar emissões de gases do efeito estufa até 2050 deva ser revista. “Essa meta foi baseada nos cálculos anteriores, que falavam de um aumento de 1,5° C entre 2030 e 2040. Da forma como está, em 2050 vai passar de 2° C.”
Thelma Krug, vice-presidente do IPCC até 2022 e membro do Conselho Superior da FAPESP, afirmou que o Painel precisa trazer dados mais atualizados em seus relatórios, a fim de se tornar mais relevante para a tomada de decisões. “É preciso ainda que o IPCC traga mais estudos realizados no Sul Global, que vive situações muito particulares que precisam ser consideradas nos relatórios”, encerrou.
*Elton Alisson, repórter da Agência Fapesp, é graduado em jornalismo pela Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), com extensão em jornalismo impresso pela Universidade de Navarra, da Espanha; André Julião é doutor e mestre em História da Ciência pela PUC-São Paulo, jornalista especializado em ciência e meio ambiente e repórter da Agência Fapesp .
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