Caos climático: tempestade atípica deixa mais de 80 mortos no Texas

Estado americano ainda tem dezenas de desaparecidos após enchentes provocadas pelas chuvas mais intensas em 100 anos na região

Por Oscar Valporto | ODS 13
Publicada em 7 de julho de 2025 - 10:30  -  Atualizada em 7 de julho de 2025 - 13:00
Tempo de leitura: 8 min

Região do Texas alagada pela chuva: tempestade atípica e enchente provocaram mais de 80 mortes (Foto: Cheyenne Basurto / US Coast Guard)

Mais de 80 pessoas já morreram e ainda há dezenas de desaparecidos após as enchentes repentinas na região central do estado norte-americano do Texas desde sexta-feira 4 de julho, feriado nos EUA). A maioria das mortes ocorreu no Condado de Kerr, onde um acampamento de meninas cristãs à beira do rio foi inundado, provocando a morte de pelo menos 28 crianças e deixando outras desaparecidas.

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Os números de vítimas ainda estão mudando rapidamente, à medida que as equipes de resgate continuam as buscas. As autoridades do Texas afirmam que o número de mortos certamente deve aumentar. Muitos dos corpos ainda não foram formalmente identificados. “Foi simplesmente horrível ver o que aquelas crianças passaram”, disse o governador Greg Abbott, que visitou o acampamento no domingo (06/07).

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Outras áreas com registro de mortes incluem os condados de Travis, Burnet, Williamson, Kendall e Tom Green, togos na região central do estado, onde chuvas intensas começaram na noite de quinta-feira e continuaram até a manhã de sexta-feira, com inundações repentinas: em 45 minutos, o rio Guadalupe subiu 8 metros, fazendo com que transbordasse. Meteorologistas afirmam que a chuva equivalente a cinco meses caiu em apenas algumas horas.

Em entrevista coletiva, o governador Greg Abbott disse que a população do Texas está acostumada a alertas de enchentes repentinas. “Mas não há expectativa de uma parede d’água de quase 9 metros de altura”, lamentou. Nim Kidd, chefe da Divisão de Gestão de Emergências do Texas, disse ter faltado alertas mais rápidos da dimensão e intensidade das chuvas. “Há áreas onde não há cobertura de celular ou praticamente nenhuma. Não importa quantos sistemas de alerta você contrate, você não vai fazer o alerta suficientemente rápido”, afirmou.

O principal foco das buscas tem sido a região o Acampamento Mystic, um popular acampamento de verão para meninas localizado às margens do Rio Guadalupe, que foi inteiramente arrasado pela enchente. Quase 30 crianças e adolescentes e o diretor do acampamento, Richard Eastland, estão entre os mortos. Ao longo da rodovia de duas pistas, que margeia o Rio Guadalupe e liga a cidade de Kerrville ao Acampamento Mystic, o cenário de devastação. Casas destruídas estão cercadas por árvores caídas e móveis espalhados pelos gramados. Cercas e linhas de energia elétrica estão caídas em algumas áreas. Milhares de pessoas passaram o fim de semana sem luz.

Alertas meteorológicos falharam no Texas?

Apesar de dados e informações detalhadas sobre a tragédia no Texas ainda estarem em investigação, algumas autoridades estaduais foram rápidas em apontar o dedo para o National Weather Service (NWS – o Serviço Nacional de Meteorologia) — incluindo o Chefe da Divisão de Gestão de Emergências do Texas, Nim Kidd, que disse que as os alertas não previram adequadamente a quantidade de chuva que caiu na área. O juiz Rob Kelly, a principal autoridade eleita no Condado de Kerr, disse à CBS que a gravidade da inundação foi inesperada. “Não tínhamos motivos para acreditar que isso seria algo parecido com o que aconteceu aqui. Nenhum”, disse Kelly.

O NWS se defendeu. “Em 3 de julho, o escritório do NWS em Austin/San Antonio, Texas, realizou briefings de previsão para a gestão de emergências pela manhã e emitiu um Alerta de Inundação no início da tarde. Alertas de Inundações Repentinas foram emitidos na noite de 3 de julho e na madrugada de 4 de julho, indicando um prazo preliminar de mais de três horas para que os critérios de alerta fossem atendidos”, informou o serviço de meteorologia, em nota. “O Serviço Nacional de Meteorologia está desolado com a trágica perda de vidas no Condado de Kerr”, disse a porta-voz da agência, Erica Grow Cei, por e-mail, acrescentando que o NWS “continua comprometido com nossa missão de servir o público americano por meio de nossas previsões e serviços de apoio à decisão”.

Questionada se a tragédia se deveu a uma “falha fundamental” do governo em fornecer alertas antecipados, a secretária de Segurança Interna dos EUA, Kristi Noem, disse que “o tempo é difícil de prever”, mas que o presidente Donald Trump estava buscando modernizar o sistema atual. Em resposta a perguntas durante uma coletiva no domingo sobre o impacto dos cortes no NWS, ela disse que levaria “suas preocupações ao governo federal”. A secretária defendeu o NWS, mas fez críticas. “Sabemos que todos querem alertas mais antecipados, e é por isso que estamos trabalhando para atualizar as tecnologias que foram negligenciadas por muito tempo”, disse Noem.

Caos climático e cortes orçamentários

Cientistas afirmam que a enchente no Texas foi marcada pelo tipo de chuva extremamente intensa e altamente localizada que está se tornando muito mais comum devido ao aquecimento global. “Esta é uma das coisas mais difíceis de prever, que está piorando mais rápido do que quase qualquer outra coisa em um clima em aquecimento, e estamos em um momento em que estamos reduzindo a capacidade de coordenação de meteorologistas e gestores de emergência”, disse, ao Los Angeles Times, o cientista climático Daniel Swain, da Universidade da Califórnia em Agricultura e Recursos Naturais. “Esse tripé parece uma receita para o desastre”.

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Especialistas afirmam que é evidente que tais riscos climáticos continuarão a ocorrer. “Com uma atmosfera mais quente, não há dúvida de que observamos um aumento na frequência e na magnitude dos eventos de inundações repentinas em todo o mundo”, disse Jonathan Porter, meteorologista-chefe da AccuWeather, empresa estadunidense que presta serviços comerciais de previsão do tempo em todo o mundo. Porter atribuiu ao serviço meteorológico a emissão de alertas antes da enchente repentina, mas afirmou que houve um impasse na resposta das autoridades locais às informações. “A questão-chave é: o que as pessoas fizeram com esses alertas oportunos, emitidos?”, disse Porter. “Qual foi a reação delas, qual foi o plano de segurança meteorológica e, em seguida, quais ações tomaram com base nesses alertas oportunos, a fim de garantir que as vidas das pessoas fossem salvas?”

De acordo com reportagem do New York Times de domingo, o escritório local do NWS também estava com cargos importantes vagos, incluindo um hidrólogo sênior, um meteorologista e um meteorologista responsável. Também estava ausente o meteorologista de coordenação de alertas do escritório — a pessoa que atua como elo entre o serviço meteorológico e o público e as autoridades de gestão de emergências — que aceitou a proposta do governo Trump de demissão incentivada no início deste ano.

Meteorologistas nos EUA e em todo o mundo expressaram preocupação com a “redução do número de balões meteorológicos” que observam vento, umidade relativa e pressão acima do solo, após os cortes estabelecidos por Donald Trump nas áreas de pesquisa e informação climática. Esforços para aprimorar a coordenação entre o serviço meteorológico, o governo e o público em geral podem em breve ser interrompidos. A NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administratin – Administração Nacional Oceânica e Atmosférica) vinha pesquisando melhores maneiras de comunicar alertas de desastres, incluindo a melhoria da educação pública e dos sistemas de alerta precoce, mas sua divisão de Pesquisa Oceânica e Atmosférica enfrenta um corte orçamentário de 74%.

O orçamento proposto pelo presidente para 2026 também reduziria o financiamento para modelos especializados de tempestades de alta resolução, desenvolvidos especificamente para esse tipo de evento, de acordo com o cientista climático Daniel Swain, da Universidade da Califórnia. Ele observou que essa é uma área de pesquisa pioneira dos EUA, porque o país tem algumas das condições climáticas de tempestades mais extremas do mundo. “Quase todas as pesquisas no mundo, historicamente, para entender esses tipos de tempestades e prevê-las foram patrocinadas pelo governo federal dos EUA, e quase todos os avanços que fizemos foram financiados com dinheiro dos contribuintes americanos”, disse Swain. “Se não fizermos por nós mesmos, não teremos acesso a essas informações”, acrescentou.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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