O governo brasileiro, a ONU e a Unesco lançaram a Iniciativa Global para Integridade da Informação sobre Mudanças do Clima, com o objetivo de fortalecer pesquisas e ações para combater a desinformação climática. Além do próprio Brasil, outros seis países – Chile, Dinamarca, Reino Unido, França, Suécia e Marrocos – já aderiram à iniciativa. Os países que aderirem à iniciativa contribuirão para um fundo administrado pela Unesco, com a meta de arrecadar entre US$ 10 milhões e US$ 15 milhões nos próximos 36 meses.
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A Unesco também vai buscar outros doadores para o financiamento da iniciativa. “Sem acesso a informação confiável sobre a disrupção climática, nunca seremos capazes de superá-la. Por meio desta iniciativa, nós apoiaremos os jornalistas e pesquisadores que investigam as questões climáticas, por vezes com grandes riscos para si próprios, e combateremos a desinformação relacionada ao clima que se espalha de forma descontrolada pelas redes sociais”, afirmou a diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, no lançamento da Iniciativa Global para Integridade da Informação sobre Mudanças do Clima, na terça-feira (19/11), durante o encontro do G20, no Rio de Janeiro.
Entre as ações previstas pelos organizadores, está a criação de um fundo para apoiar estudos, produção e reunião de evidências que possam subsidiar a presidência brasileira da COP30. Outra atividade prevista é a discussão de estratégias globais de reação à desinformação sobre as mudanças climáticas. “O negacionismo climático é só uma primeira camada da desinformação. Além dele, há a ideia de que o assunto não é tão urgente, que os combustíveis fósseis não são um tema tão relevante para a mudança do clima, ou de que a ação humana não altera o clima. Por isso não nos interessa lidar só com o negacionismo, mas também com todo tipo de desinformação, seja ela intencional ou não, que afete nossa capacidade de nos organizarmos e agirmos a tempo no combate à crise climática, um tema urgente”, explicou o secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, João Brant.
Pouco antes da Cúpula de Líderes do G20, o Brasil convidou outras nações para participarem da mobilização. “As ações de combate às mudanças climáticas também são muito afetadas pelo negacionismo e pela desinformação. Os países não podem solucionar este problema sozinhos. Esta iniciativa reunirá países, organizações internacionais e redes de pesquisadores para apoiar esforços conjuntos de combate à desinformação e promover ações para a COP30 no Brasil”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia do G20 no Rio.
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Veja o que já enviamosO primeiro chamado à adesão foi feito apenas para países que mostraram identidade com o combate à desinformação sobre as mudanças climáticas, nos cinco continentes. “A desinformação e as informações falsas minam a confiança que as pessoas têm nas políticas e nas instituições. Hoje podemos observar a desinformação em quase todos os espectros da sociedade, e a área de clima não escapa disso. O que tragicamente agrava a situação climática e coloca em risco os avanços necessários para mitigar os efeitos das mudanças do clima”, ressaltou a embaixadora da Dinamarca no Brasil, Eva Petersen, que participou do lançamento da iniciativa.
A ONU foi representada na cerimônia pela subsecretária-Geral de Comunicações Globais da ONU, Melissa Fleming, que lembrou as palavras do secretário-geral Antônio Guterres, durante a Cúpula de Líderes do G20. “Devemos combater as campanhas coordenadas de desinformação que impedem o progresso mundial relativo à mudança climática, que vai desde a negação pura e simples até o greenwashing e o assédio a cientistas do clima. Por meio desta Iniciativa, nós trabalharemos com pesquisadores e parceiros para fortalecer as ações contra a desinformação climática”, declarou Guterres em discurso no Rio de Janeiro.
Também participou do lançamento da da Iniciativa Global para Integridade da Informação sobre Mudanças do Clima a ministra da Secretaria-Geral de Governo do Chile, Camila Vallejo, que reafirmou a preocupação do governo do seu país com as informações falsas. Durante o G20, Brasil e Chile assinaram um Memorando de Entendimentos onde os dois países se comprometem a a desenvolver ações conjuntas para promover a integridade da informação, enfrentar o fenômeno da desinformação e contribuir para a redução da desigualdade digital.
Camila Vallejo destacou que o memorando é ainda mais necessário num ambiente em que, além da “profusão de conteúdos deliberadamente com o objetivo de enganar as pessoas”, o mundo vive a era da Inteligência Artificial. “É preciso que a IA seja introduzida como parte dessa discussão sobre a integridade da informação e o combate à desinformação”, disse a ministra chilena. “A desinformação é um fenômeno que, embora não seja novo, tem na sua velocidade e massividade dos dias de hoje um grande problema contemporâneo”, acrescentou.
O governo brasileiro foi representado na cerimônia pelo ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Paulo Pimenta, que reafirmou a preocupação do presidente Lula com o tema. “O tema da desinformação, das Fake News, da integridade da informação tem ganhado cada vez mais relevância nos fóruns internacionais. Cada vez mais há uma compreensão dos países e de órgãos multilaterais que se esforcem no sentido de que a gente possa constituir protocolos, iniciativas comuns para de uma forma ou de outra coibir essa prática e ao mesmo tempo construir alternativas que sirvam como referência de informação confiável, investirmos na educação midiática para formação da sociedade para lidar com as novas tecnologias”, enfatizou o ministro.
Repercussão na COP29
A nova Iniciativa Global para Integridade da Informação sobre Mudanças do Clima foi tema de debates nesta quarta (20/11) na COP29. “A ONU já reconhece oficialmente a disseminação de informações falsas como uma ameaça global e, por isso, é tão importante esta coalizão inédita para enfrentar esse problema tão grave. Estamos acompanhando campanhas de desinformação climática que tentam desacreditar a ciência e atacar cientistas”, afirmou Martina Donlon, chefe de Comunicações sobre o Clima da ONU, em entrevista coletiva em Baku, lembrando que, pela primeira vez no G20, a Declaração dos Líderes do Rio de Janeiro destacou preocupação com a desinformação.
Martina Donlon também participou no mesmo dia de debate na COP29 sobre a iniciativa promovido pelo WWF e lembrou que o risco que a desinformação representa para o cumprimento das metas climáticas foi reconhecido pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC), que, em 2022, estabeleceu que a “desvalorização intencional da ciência” estava contribuindo para “percepções equivocadas sobre o consenso científico, incertezas, desconsideração de riscos e urgências, e divergências”.
A dirigente da ONU lembrou ainda que o organismo considera a iniciativa uma resposta ao compromisso estabelecido no Pacto Digital Global, aprovado pelos Estados-membros da ONU em setembro, que encoraja os países a avaliarem os impactos da desinformação e da informação incorreta no alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). “A nova iniciativa vai financiar pesquisas no Sul Global onde ainda faltam informações de como funcionam as campanhas de desinformação climática e e os métodos e ferramentas usados para que essas notícias falsas se espalhem pela sociedade”, afirmou, em Baku, Martina Donlon.
Também na COP29 o britânico Alex Murray, chefe de Advocacy da Conscious Advertising Network – CAN (Rede pela Publicidade Consciente), organização internacional com foco em quebrar o vínculo econômico entre publicidade e conteúdo prejudicial, saudou a iniciativa numa época de espiral crescente de notícias falsas. “Temos acompanhado frequentes e insistentes campanhas de desinformação que obstruem ações climáticas e reduzem a confiança na ciência e são comandadas, orquestradas e amplificadas por atores poderosos”, afirmou Murray. “Infelizmente, essas ações de desinformação são ainda mais visíveis em eventos extremos como as enchentes no Brasil e na Espanha e os furacões nos Estados Unidos e no Caribe onde esforços de emergência foram sabotados por esforços para desinformar”, acrescentou.
O representante da rede, que reúne organizações de 60 países, apontou ainda a necessidade da nova iniciativa agir para garantir transparência. “As grandes plataformas digitais, as Big Tech, e a indústria da publicidade precisam parar de colocar o lucro acima de tudo”, disse Murray, lembrando a falta de reponsabilidade das plataformas sobre o conteúdo com informações falsas disseminado, inclusive sobre a crise climática. “Foi espalhado que baleias estavam sendo mortas pelos parques eólicos no mar e que Madonna era responsável pelas enchentes no Brasil”, exemplificou.