Uma consulta aos dados históricos sobre o consumo brasileiro de energia elétrica revela comportamento interessante: desde a década de 1980, usamos aproximadamente 1.500 MW médios a mais a cada ano. Um gráfico mostra quase uma reta ascendente com apenas um degrau negativo no racionamento de 2001, mas a taxa de crescimento se mantém.
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Em qualquer produto ou serviço, a tendência crescente deveria ser atrativo para o capital confiar que investimentos em aumento da oferta teriam garantia de retorno. No entanto, por inúmeras razões, o desempenho do capital privado no nosso setor elétrico é muito insuficiente.
A curva ascendente de quase 40 anos se enfraquece depois de 2016, e, sendo a energia elétrica um fluxo “sanguíneo” da economia, fica evidente que a performance econômica, que esteve sempre abaixo das expectativas, piora ainda mais.
Parece impossível reclamar da rentabilidade – a tarifa brasileira comparada relativamente a outros produtos e serviços é muito cara. A Agência Internacional de Energia, usando o método de Paridade do Poder de Compra, já nos classifica como vice-campeões mundiais com os dados de 2018. E isso com a Eletrobras bancando praticamente sozinha uma tentativa frustrada de reduzir a média com preços fixados pela Medida Provisória 579 do governo Dilma.
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Veja o que já enviamosMesmo assim, ultrapassaremos a Alemanha e vamos rumo ao triste pódio. Difícil acreditar, mas o setor elétrico brasileiro ocupou também o segundo lugar em rentabilidade, pois, durante muitos anos, só perdeu para o sistema financeiro.
Dada a nossa geografia continental, a nossa liderança em recursos hídricos, nosso sol e nossos ventos, tal situação é injustificável. Agora, para piorar, estamos ameaçados de um racionamento, e, como sempre, botam a culpa em São Pedro. Dados históricos de energias naturais do período 1950 – 1956 (7 anos seguidos), se ocorressem sobre o sistema de geração atual, mostrariam uma situação pior do que a “inédita” crise hídrica 2014 – 2020 (7 anos). Em outras palavras, se ocorressem as afluências registradas no histórico, a situação hoje seria ainda mais grave. O ano de 2021 pode até dar o campeonato de secura para a “crise inédita”, mas São Pedro continuará inocente.
O que é racionamento? Raciona-se apenas com a falta do serviço? Claro que, para a grande maioria da população, a eletricidade já está racionada via preço. Vivemos o “apagão econômico”. A desigualdade brasileira também afeta o setor elétrico, pois esses altos preços não atingiram a todos. O “mercado livre”, que, no caso brasileiro, é tudo menos uma real concorrência, chegou a pagar 30 vezes menos do que o setor residencial. Ocupando 30% do consumo total, por defeitos do modelo, esse nicho praticamente não participou do aumento da oferta de novas fontes de energia, a não ser aquelas renováveis com subsídio.
De uma lista de 163 usinas hidroelétricas que somam 109 GW de potência, apenas 8,5 GW se originaram de iniciativas privadas desde o início. Cerca de 60 GW ainda são estatais e o restante, ou são usinas compradas de estatais em processos de privatização, ou foram construídas em parcerias com estatais. Nas termoelétricas, aconteceu o inverso. As estatais têm 29% e o setor privado os 71% restantes, sendo que esses investimentos ocorreram numa reação atrasada ao racionamento e em 2008, quando ficou claro que o mercado livre (30% do consumo) não investia em expansão da oferta.
A palavra racionamento aplica-se a quase tudo no Brasil: informação, planejamento, espírito público e inteligência.