Alguns países do G20 estão reduzindo emissões de CO2. Outros, não

Fumaça nas chaminés de uma planta industrial em Jubail, cidade que fica cerca de 95 quilómetros ao norte de Dammam, província oriental da Arábia Saudita. O país está cada vez mais distante do Acordo de Paris. Foto Giuseppe Cacace/AFP

Brasil, Indonésia e Arábia Saudita seguem na contramão do Acordo de Paris e registram crescimento per capita das emissões de carbono superior ao do PIB

Por José Eustáquio Diniz Alves | ArtigoODS 13 • Publicada em 24 de junho de 2024 - 14:13 • Atualizada em 26 de junho de 2024 - 10:20

Fumaça nas chaminés de uma planta industrial em Jubail, cidade que fica cerca de 95 quilómetros ao norte de Dammam, província oriental da Arábia Saudita. O país está cada vez mais distante do Acordo de Paris. Foto Giuseppe Cacace/AFP

As enchentes recordes que provocaram perdas de vidas, sofrimentos e prejuízos no Rio Grande do Sul tanto em 2023, mas principalmente em maio de 2024, são consequências inquestionáveis do aquecimento global. Os exemplos dos desastres climáticos extremos se espalham pelos quatro cantos do planeta e são cada vez mais frequentes e danosos, como as enchentes que ocorreram em junho de 2024 no sul da Alemanha, no sul da China, em Miami, nos Estados Unidos e em diversas outras partes do mundo.

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A explicação para a emergência da crise do clima é bastante conhecida, pois o uso generalizado de combustíveis fósseis para turbinar a produção de bens e serviços, juntamente com o desmatamento da cobertura vegetal, aumentaram a emissão de dióxido de carbono (CO2), metano (CH₄), óxido nitroso (N₂O), etc. O aumento continuado das emissões destes gases começou no século XIX, mas teve uma significativa elevação após o fim da Segunda Guerra Mundial, provocando uma preocupante elevação da concentração de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera. Quanto maior for o efeito estufa, maiores serão as temperaturas globais e, consequentemente, maiores e mais comuns serão os desastres climáticos e ambientais. Assim, as ondas letais de calor ameaçam parcelas cada vez maiores da população mundial.

Por conta do aquecimento antropogênico, existe um esforço da governança global para evitar o caos climático e um possível colapso ambiental.  O Acordo de Paris, de 2015, definiu que cada país signatário deve apresentar contribuições nacionalmente determinadas (NDCs), para reduzir suas emissões de GEE para que, globalmente, se atinja a meta de zerar as emissões líquidas de CO2 até 2050. Ao mesmo tempo, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 da ONU, tem a intenção de “promover o crescimento econômico inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo e o trabalho digno para todos” (ODS #8).

Portanto, o grande desafio global é conciliar o crescimento demográfico e econômico com redução das emissões de CO2. A palavra “mágica” para dissociar o crescimento demoeconômico e as emissões de CO₂ é “desacoplamento”, que é um conceito utilizado no campo da economia ambiental e do desenvolvimento sustentável. O desacoplamento se refere à capacidade de uma economia de continuar crescendo sem aumentar proporcionalmente suas emissões de dióxido de carbono. O desacoplamento pode ser absoluto ou relativo:

  • Desacoplamento absoluto: Ocorre quando o crescimento econômico é acompanhado por uma redução absoluta nas emissões de CO₂. Isso significa que, mesmo com o aumento do PIB, as emissões totais de CO₂ diminuem.
  • Desacoplamento relativo: Acontece quando o crescimento econômico é mais rápido que o aumento das emissões de CO₂, resultando em uma redução da intensidade de carbono (emissões de CO₂ por unidade de PIB). Nesse caso, as emissões podem ainda estar aumentando, mas em um ritmo mais lento do que o crescimento econômico.

Não é simples manter o crescimento demoeconômico e reduzir as emissões de GEE. Segundo a Divisão de População da ONU, a população mundial era de 5,3 bilhões de habitantes em 1990 e passou para 8 bilhões em 2022 (um aumento de 51%). Mas o crescimento da economia internacional seguiu um ritmo muito acelerado e as emissões de CO2 também cresceram, embora em ritmo um pouco mais lento.

O gráfico abaixo, do site Our World in Data, mostra, em termos per capita, a evolução das emissões e do Produto Interno Bruto (PIB) do mundo entre 1990 e 2022. A renda per capita global cresceu 80,4% e as emissões per capita de CO2 cresceram 8,8% no período. Houve crescimento das três variáveis, mas a economia cresceu em ritmo maior do que a população. As emissões de CO2 também cresceram acima do ritmo da população, mas abaixo do ritmo de avanço da economia, indicando que houve, globalmente, um desacoplamento relativo, no período, embora longe da trajetória desejada de emissões líquidas zero.

Portanto, o mundo conseguiu reduzir de forma moderada as emissões de CO2. Mas pelo Acordo de Paris é preciso haver um desacoplamento absoluto, imediato e acelerado. Alguns fatores são essenciais para a redução absoluta das emissões de CO2:

  • Eficiência Energética: Melhorias na eficiência energética podem reduzir a quantidade de energia necessária para produzir bens e serviços, diminuindo assim as emissões de CO₂. Tecnologias mais eficientes em termos de energia em setores como a indústria, o transporte e a construção são cruciais para esse processo.
  • Fontes de Energia Renovável: A transição para fontes de energia de baixo carbono, como a solar, eólica, hidroelétrica e biomassa, pode reduzir significativamente as emissões de CO₂ associadas à produção de energia. A eletrificação dos transportes e a utilização de veículos elétricos também contribuem para essa redução.
  • Tecnologia e Inovação: Inovações tecnológicas podem levar a processos de produção mais limpos e eficientes. Por exemplo, o uso de tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCS) pode permitir que as indústrias reduzam suas emissões diretas de CO₂.
  • Políticas Governamentais: Regulamentações ambientais, impostos sobre carbono, subsídios para energias renováveis e incentivos fiscais para a adoção de tecnologias limpas podem promover o desacoplamento. Políticas que incentivam a economia circular também contribuem, reduzindo o desperdício e aumentando a reutilização e reciclagem de materiais.
  • Mudança nos Padrões de Consumo: Mudanças nos comportamentos de consumo, como a preferência por produtos sustentáveis e a redução do desperdício, podem diminuir a demanda por produtos e serviços que geram altas emissões de CO₂.

As responsabilidades do G20 na redução das emissões de CO2

O G20 é o grupo mais amplo da governança global. Fazem parte do G20, os seguintes países: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia e União Europeia, além da União Africana, que foi admitida no ano passado. O G20 responde por cerca de 80% do volume da economia internacional e por cerca de 80% das emissões de CO2. Portanto, o envolvimento do G20 com as metas do Acordo de Paris é fundamental para a descarbonização da economia.

Alguns membros do G20 com economias mais avançadas e maior renda per capita, em geral, já estão apresentando desacoplamento absoluto entre o PIB e as emissões de CO2, mas outros membros do grupo, com economias menos complexas e com menor renda per capita, estão apresentando desacoplamento relativo e há três países na contramão do Acordo de Paris.

Os gráficos abaixo, também do site Our World in Data, mostram os dados de quatro países do G20 entre 1990 e 2022. Nos EUA, o crescimento da renda per capita foi de 59,8%, enquanto as emissões per capita caíram 27,6%. No Japão o crescimento da renda foi de 27,4%, enquanto as emissões caíram 9,13%. Na Rússia houve uma grande queda da renda per capita na década de 1990 (após o fim da União Soviética) e uma recuperação nos anos 2000. Entre 1990 e 2022 a renda per capita russa cresceu 27,8%, enquanto as emissões per capita de CO2 caíram 33,4%. No Canadá o crescimento da renda foi de 42,7%, enquanto as emissões diminuíram 14,1%. Portanto, estes quatro países conseguiram manter o crescimento da renda per capita com redução absoluta das emissões per capita de CO2.

Nos gráficos abaixo estão apresentados os dados de quatro países europeus que fazem parte do G20. Na Alemanha o crescimento da renda per capita foi de 47,1%, enquanto as emissões per capita caíram 39,9%. No Reino Unido o crescimento da renda foi de 55,2%, enquanto as emissões caíram 55,1%. Na França a renda per capita cresceu 35,6%, enquanto as emissões per capita de CO2 caíram 33,9%. Na Itália o crescimento da renda foi de 21,1%, enquanto as emissões diminuíram 25,9%. Portanto, também estes quatro países europeus conseguiram manter o crescimento da renda per capita com redução absoluta das emissões per capita de CO2.

De acordo com os gráficos abaixo, entre 1990 e 2022, a União Europeia (27 países) teve um crescimento da renda per capita de 61,1%, enquanto as emissões per capita caíram 33,2%. Na Austrália o crescimento da renda foi de 65,4%, enquanto as emissões caíram 8,2%. Na África do Sul a renda per capita cresceu 29,7%, enquanto as emissões per capita de CO2 caíram 14%. Mas na Turquia o crescimento da renda foi de 164,4%, mas as emissões também aumentaram em 82,9%. Portanto, dos 12 membros do G20 vistos até aqui, a Turquia foi o país que apresentou o maior crescimento econômico e, também, apresentou crescimento das emissões no período. Os outros 11 membros apresentaram redução absoluta das emissões, enquanto a Turquia apresentou apenas desacoplamento relativo das emissões.

Os gráficos abaixo apresentam 4 países que tiveram grande crescimento econômico entre 1990 e 2022. A China foi o país com maior desempenho econômico do mundo e registrou um crescimento da renda per capita de 1.117,3% em 32 anos, enquanto o aumento das emissões per capita de CO2 foi de 271,1% no período. A China apresentou desacoplamento relativo, mas com elevado aumento das emissões de gases de efeito estufa. A Índia veio em seguida no ranking global do maior crescimento do PIB. A renda per capita indiana cresceu 291%, enquanto as emissões cresceram 200,7%.

A Indonésia também apresentou crescimento acelerado tanto do PIB, mas principalmente das emissões. A renda per capita indonésia aumentou 174,6%, enquanto as emissões aumentaram 210,8% no período. Assim com a Indonésia, chama a atenção o caso da Arábia Saudita que também teve crescimento das emissões acima do crescimento do PIB. A renda per capita saudita cresceu 19%, enquanto as emissões per capita de CO2 subiram 39,7% entre 1990 e 2022. Portanto, estes dois países não tiveram desacoplamento nem relativo e nem absoluto, constituindo os piores cenários entre todos os membros do G20.

Os gráficos abaixo apresentam os dados da Coreia do Sul e dos 3 países latino-americanos do G20. O país asiático apresentou grande crescimento econômico e, também, crescimento das emissões. A renda per capita coreana subiu 260%. Enquanto as emissões cresceram 104,3% entre 1990 e 2022. A Argentina apresentou um crescimento da renda per capita de 58,9% e um crescimento de 23,4% nas emissões. O México teve crescimento da renda per capita de 23,7% e de 3,5% das emissões.

O Brasil apresentou um crescimento da renda per capita de 45,1% em 32 anos e um crescimento ainda maior das emissões per capita de 54,8%. Devido ao desmatamento, o Brasil teve o pior desempenho da América Latina e se encontra ao lado da Indonésia e da Arábia Saudita como parte dos países que não tiveram desacoplamento nem relativo e nem absoluto.

No computo geral, onze membros do G20 apresentaram desacoplamento absoluto entre 1990 e 2022: EUA, Japão, Rússia, União Europeia, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Austrália e África do Sul. Seis países apresentaram desacoplamento relativo: China, Índia, Coreia do Sul, México e Argentina. E três países apresentaram o pior resultado e tiveram as emissões de CO2 crescendo acima do crescimento do PIB: Indonésia, Arábia Saudita e Brasil.

O Acordo de Paris estabelece a meta de limitar o aumento da temperatura média global abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais, com esforços para limitar esse aumento ao máximo de 1,5°C. Para atingir essa meta, os países signatários do acordo se comprometeram a adotar ações ambiciosas para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa.

Em termos de emissões de CO2, o objetivo geral do Acordo de Paris é alcançar a neutralidade de carbono (ou “zero emissões líquidas”) na segunda metade deste século. Isso implica que as emissões de CO2 devem ser reduzidas drasticamente e quaisquer emissões residuais devem ser compensadas por meio de medidas que removam CO2 da atmosfera, como o reflorestamento ou tecnologias de captura e armazenamento de carbono. Embora não haja um ano específico definido para todos os países, muitos se comprometeram a atingir a neutralidade de carbono até 2050.

Para cumprir o Acordo de Paris, onze países estão na direção correta de desacoplamento absoluto das emissões de CO2, mas precisam acelerar a redução para atingir as emissões líquidas zero por volta de 2050. Por exemplo, os EUA apresentam desacoplamento absoluto, mas continuam sendo o segundo país que mais emite gases de efeito estufa no planeta.

Seis países precisam passar do desacoplamento relativo para o desacoplamento absoluto. Entre esta meia dúzia de países está a China que é o maior poluidor planetário e emite uma quantidade anual de CO2 maior do que a soma das emissões dos EUA e da União Europeia (27 países). A Índia, o país mais populoso do mundo desde 2023, aparece como o terceiro maior poluidor global e tem apresentado elevadas taxas de crescimento do PIB, além de alto crescimento das emissões de CO2. Até meados da próxima década a Índia deve ultrapassar os EUA e assumir o segundo lugar nas emissões globais de gases de efeito estufa. Os dados da União Africana ainda não estão disponíveis.

Mas a situação mais grave e distante das metas do Acordo de Paris situa-se nos três países do G20 que apresentaram crescimento das emissões per capita acima do crescimento da renda per capita. A grandes emissões da Arábia Saudita se explicam pela elevada produção e consumo de petróleo e outros hidrocarbonetos. A Indonésia – que é o 4º país mais populoso do mundo e tem um PIB (em poder de paridade de compra) superior ao PIB do Brasil – está na contramão dos acordos internacionais e apresenta elevado crescimento das emissões de CO2, pela combinação de elevado crescimento econômico e devido às altas taxas de desmatamento.

O Brasil é um dos três país a apresentar crescimento das emissões de CO2 acima do crescimento da renda per capita. Este fato mina a possibilidade de liderança brasileira na luta contra a emergência climática e enfraquece o posicionamento do país diante da governança global. O Brasil conseguiu reduzir o desmatamento da Amazônia em 2023 e 2024, mas o desmatamento avança em outros biomas, como no Cerrado e no Pantanal, que vive o segundo ano de extensas queimadas que degradam a cobertura vegetal e atingem de maneira fatal a rica biodiversidade da região. Para piorar as perspectivas futuras, setores do governo e a Petrobras pretendem explorar petróleo na Margem Equatorial do país, incluindo a foz do Rio Amazonas. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, é um árduo defensor do “petróleo até a última gota”, contrariando os alertas de Marina Silva, ministra de Estado do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil. O presidente Lula mantém um discurso dúbio e controverso.

Mas não há espaço para tergiversações, ambiguidades e procrastinações. O mundo precisa fazer a transição energética e abandonar progressivamente o uso de combustíveis fósseis. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que já fez várias declarações contundentes sobre os perigos do aquecimento global, renovou os alertas sobre os perigos das mudanças climáticas em um discurso no Dia Mundial do Meio Ambiente (05/06/2024) dizendo: “Estamos jogando roleta russa com nosso planeta”.

Mesmo que o G20 e a ONU não consigam evitar a ultrapassagem dos 1,5°C, esta meta continua a ser relevante. Cada fração de grau conta, e os esforços climáticos globais devem, portanto, concentrar-se em evitar a ultrapassagem de 1,5°C e no regresso a níveis seguros o mais rapidamente possível. A meta do Acordo de Paris de alcançar emissões líquidas nulas de GEE poderia ajudar a reverter parte do aquecimento excessivo. Para garantir um planeta seguro, habitável e justo, é preciso manter os olhos postos no limite de 1,5°C e garantir que a sua prossecução seja a principal prioridade global.

Portanto, não há mais tempo a perder e nem mais espaço para o blá-blá-blá, com já alertou a ativista sueca Greta Thunberg. A governança global precisa aumentar as ambições para o controle da emergência do clima com medidas concretas para a redução do desmatamento e das emissões de CO2 e outros gases de efeito estufa, com ações efetivas de mitigação e de adaptação da crise climática e ambiental.

O Brasil assumiu a presidência do G20 a partir da 18ª Cúpula, realizada na Índia, em 2023, exercendo a efetivamente a presidência de 1º de dezembro de 2023 a 30 de novembro de 2024. A 19ª Cúpula de Líderes do G20 está marcada para os dias 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro. Em 2025, o Brasil será sede da COP30. O Brasil precisaria rever rapidamente suas práticas para tentar liderar pelo exemplo, pois teremos pela frente dois eventos decisivos e interconectados para garantir o futuro da vida na Terra.

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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