A partir desta quinta-feira, 30 de novembro, chefes de estado, assessores, observadores, ambientalistas, cientistas e jornalistas do mundo todo estarão envolvidos, direta ou indiretamente, com a 28ª Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima. Esse é o nome oficial, mas pode chamar de COP28 ou só de Convenção do Clima. Ninguém aqui no #Colabora precisou de uma bola de cristal ou recorreu a uma cartomante para produzir o título aí de cima. Também não tivemos nenhuma informação privilegiada, não se trata de um furo jornalístico mundial. É só uma constatação, quase uma obviedade. Nas 27 COPs anteriores, os resultados mantiveram uma regularidade impressionante. Eles variaram sempre entre um fracasso retumbante e alguns avanços tímidos. Considerando a movimentação dos países até agora, suas preocupações com questões políticas domésticas e o fato desta COP ser realizada numa das capitais do petróleo, não parece haver dúvida: estamos mais para fracasso do que para avanço, mesmo que tímido. Ou, como diria o Barão de Itararé: “De onde menos se espera é que não sai nada mesmo”.
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O cheiro de pizza começou a ser sentido logo no início do ano, quando o Sultão Al Jaber, CEO da Adnoc, petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos (EAU), foi indicado para chefiar a Cúpula do Clima. A reação de ambientalistas e lideranças mundiais foi imediata. Um dos coordenadores da ONG 350.org, Zeina Khalil Hajj, responsável pela campanha que defende o fim do uso dos combustíveis fósseis, resumiu bem o sentimento reinante: “É o equivalente a nomear o CEO de uma empresa de cigarros para supervisionar uma conferência sobre a cura do câncer”.
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Veja o que já enviamosSó em 2021, segundo a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), a Adnoc extraiu 2,7 milhões de barris de petróleo por dia. E a meta para 2027, anunciada pelo próprio Al Jaber, é chegar a cinco milhões de barris/dia até 2027. Vai que ele comete um ato falho e inclui essa meta no relatório final da COP28? Para complicar ainda mais o que já estava bastante sujo de óleo, uma reportagem da BBC, publicada no último dia 27 de novembro, mostrou que os Emirados Árabes planejavam usar o papel de anfitrião das negociações climáticas para fechar acordos de petróleo e gás, inclusive com o Brasil. A reportagem, feita com base em documentos oficiais vazados, revelava que os acordos relacionados com os combustíveis fósseis seriam discutidos com outros 14 países.
O conflito de interesses fica claro também nas declarações que Al Jaber vem dando ao longo do ano. Enquanto 10 em cada 10 cientistas afirmam ser obrigatória a redução da produção e do consumo de carvão, petróleo e gás para se alcançar a meta do Acordo de Paris, que limita o aquecimento global a 1,5º Celsius acima dos níveis pré-industriais, Al Jaber fala em “combater as emissões”. Parece uma diferença sutil, mas não é. Quando o Sultão do Clima defende o combate às emissões, fica claro que a produção e o consumo podem continuar, talvez até com cinco milhões de barris por dia. O que muda é o investimento, que passa ser em tecnologias de ponta para a captura de carbono. Em outras palavras, vamos empurrar um pouco mais com a barriga.
Em um comentário recente no programa Sustentáculos, da Rádio USP, o economista e professor José Eli da Veiga fez um bom resumo da situação: “O que nós temos em relação à decisão de um tratado sobre o clima é um fracasso absoluto, com milhões de tergiversações, explicações etc. O balanço só pode ser esse, e vai ser mais uma ridícula COP, desta vez ainda por cima no medieval Emirados Árabes Unidos, país onde quase se glorifica a continuação da exploração do petróleo, algo que lá atrás, em 1992, quando se assinou o tratado para a criação da Convenção-Quadro, se imaginava provavelmente que, por volta de 2023, o petróleo já teria sido abandonado e a transição para outras fontes de energia, não fósseis, tivesse sido mais célere”.
Na mesma linha, numa entrevista para a jornalista Liana Melo, do #Colabora, o embaixador Rubens Ricupero, ex-ministro do Meio Ambiente e homem-chave na realização da Rio-92, fez um balanço bem pessimista dos debates ambientais: “No caso das mudanças climáticas existe um prazo fatal, ainda que não seja possível cravar o momento exato em que o aquecimento global e suas consequências serão irreversíveis. Se nos debruçarmos sobre as quatro ideias chaves das Nações Unidas nessas últimas décadas (desenvolvimento, promoção da igualdade entre homens e mulheres, direitos humanos e o meio ambiente), a única delas que tem uma data inexorável é o meio ambiente. O critério para o meio ambiente não deveria ser um critério contábil, de perdas e ganhos. E sim um critério rigoroso. Do contrário, fracassamos”.
Uma das novidades desta COP, além do fato de ser realizada na casa do lobo mau, é o lançamento do primeiro Balanço Global do Acordo de Paris. Uma avaliação detalhada de onde estamos em relação às metas necessárias para conter o aquecimento global. Os dados, obviamente, não são bons: as emissões de carbono seguem em alta; os compromissos financeiros dos países ricos não foram cumpridos ou estão atrasados; e as promessas de ajuda para a adaptação das nações mais ameaçadas permanecem muito aquém do que seria necessário.
Neste ano de 2023, que já está sendo considerado o “mais fresco do resto de nossas vidas”, ultrapassamos pela primeira vez a marca de 2ºC de aquecimento global. Teremos, quase com certeza, o ano mais quente dos últimos 12 mil anos. No último dia 15 de novembro, a Organização Meteorológica Mundial divulgou um relatório mostrando que a concentração média de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera atingiu 418 partes por milhão (ppm), em 2022, chegando pela primeira vez a um índice 50% acima da era pré-industrial. Como explicou o José Eustáquio Diniz Alvez, aqui no #Colabora, a última vez que a Terra registou uma concentração de CO2 comparável ao nível atual foi entre 3 e 5 milhões de anos atrás. Naquela época, a temperatura estava entre 2 e 3° C mais quente e o nível do mar era de 10 a 20 metros mais alto do que o atual.
E o Brasil? Bem, com fim do negacionismo climático do último governo, o país corrigiu as suas metas, embora sem aumentar a ambição, e os dados do Prodes mostram que o desmatamento da Amazônia vem caindo consistentemente. A delegação brasileira na COP28 deve ser a maior da história, com 15 ministros e mais de 100 eventos previstos para o pavilhão nacional. Com a COP30 confirmada para 2025, na Amazônia, o Brasil aposta suas fichas nos benefícios ambientais e econômicos desse processo. Mas essa é um guerra que não se ganha sozinho. Se só o Brasil ganhar, ninguém ganha. Este texto pode até parecer pessimista, não é. Ele é tristemente realista. Matérias como esta vêm sendo publicadas por veículos jornalísticos do mundo todo no último dia de todas as COPs. Nós só resolvemos publicar antes. Esperamos, honestamente, estar errados.