Atenção, alerta de spoiler: fracassa a COP28, em Dubai

Crianças se refrescam em meio as altas temperaturas e os cortes de energia na cidade de Gaza, na Palestina. O ano de 2023 está sendo o mais quente dos últimos 12 mil anos. Foto Mohammed Abed/AFP

Resultados da conferência climática ficarão, mais uma vez, abaixo das expectativas, países pobres reclamarão da falta de apoio e os ricos farão cara de paisagem

Por Agostinho Vieira | ODS 13 • Publicada em 30 de novembro de 2023 - 08:20 • Atualizada em 4 de dezembro de 2023 - 08:40

Crianças se refrescam em meio as altas temperaturas e os cortes de energia na cidade de Gaza, na Palestina. O ano de 2023 está sendo o mais quente dos últimos 12 mil anos. Foto Mohammed Abed/AFP

A partir desta quinta-feira, 30 de novembro, chefes de estado, assessores, observadores, ambientalistas, cientistas e jornalistas do mundo todo estarão envolvidos, direta ou indiretamente, com a 28ª Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima. Esse é o nome oficial, mas pode chamar de COP28 ou só de Convenção do Clima. Ninguém aqui no #Colabora precisou de uma bola de cristal ou recorreu a uma cartomante para produzir o título aí de cima. Também não tivemos nenhuma informação privilegiada, não se trata de um furo jornalístico mundial. É só uma constatação, quase uma obviedade. Nas 27 COPs anteriores, os resultados mantiveram uma regularidade impressionante. Eles variaram sempre entre um fracasso retumbante e alguns avanços tímidos. Considerando a movimentação dos países até agora, suas preocupações com questões políticas domésticas e o fato desta COP ser realizada numa das capitais do petróleo, não parece haver dúvida: estamos mais para fracasso do que para avanço, mesmo que tímido. Ou, como diria o Barão de Itararé: “De onde menos se espera é que não sai nada mesmo”.

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O cheiro de pizza começou a ser sentido logo no início do ano, quando o Sultão Al Jaber, CEO da Adnoc, petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos (EAU), foi indicado para chefiar a Cúpula do Clima. A reação de ambientalistas e lideranças mundiais foi imediata. Um dos coordenadores da ONG 350.org, Zeina Khalil Hajj, responsável pela campanha que defende o fim do uso dos combustíveis fósseis, resumiu bem o sentimento reinante: “É o equivalente a nomear o CEO de uma empresa de cigarros para supervisionar uma conferência sobre a cura do câncer”.

Só em 2021, segundo a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), a Adnoc extraiu 2,7 milhões de barris de petróleo por dia. E a meta para 2027, anunciada pelo próprio Al Jaber, é chegar a cinco milhões de barris/dia até 2027. Vai que ele comete um ato falho e inclui essa meta no relatório final da COP28? Para complicar ainda mais o que já estava bastante sujo de óleo, uma reportagem da BBC, publicada no último dia 27 de novembro, mostrou que os Emirados Árabes planejavam usar o papel de anfitrião das negociações climáticas para fechar acordos de petróleo e gás, inclusive com o Brasil. A reportagem, feita com base em documentos oficiais vazados, revelava que os acordos relacionados com os combustíveis fósseis seriam discutidos com outros 14 países.

O conflito de interesses fica claro também nas declarações que Al Jaber vem dando ao longo do ano. Enquanto 10 em cada 10 cientistas afirmam ser obrigatória a redução da produção e do consumo de carvão, petróleo e gás para se alcançar a meta do Acordo de Paris, que limita o aquecimento global a 1,5º Celsius acima dos níveis pré-industriais, Al Jaber fala em “combater as emissões”. Parece uma diferença sutil, mas não é. Quando o Sultão do Clima defende o combate às emissões, fica claro que a produção e o consumo podem continuar, talvez até com cinco milhões de barris por dia. O que muda é o investimento, que passa ser em tecnologias de ponta para a captura de carbono. Em outras palavras, vamos empurrar um pouco mais com a barriga.

Participantes aguardam do lado de fora o início dos trabalhos da Conferência Climática., em Dubai. Principalmente novidade deste ano será a divulgação do balanço sobre a falta de progresso na redução das emissões de gases de efeito de estufa. Foto Giuseppe Cacace/AFP
Participantes aguardam do lado de fora o início dos trabalhos da Conferência Climática., em Dubai. Principalmente novidade deste ano será a divulgação do balanço sobre a falta de progresso na redução das emissões de gases de efeito de estufa. Foto Giuseppe Cacace/AFP

Em um comentário recente no programa Sustentáculos, da Rádio USP, o economista e professor José Eli da Veiga fez um bom resumo da situação: “O que nós temos em relação à decisão de um tratado sobre o clima é um fracasso absoluto, com milhões de tergiversações, explicações etc. O balanço só pode ser esse, e vai ser mais uma ridícula COP, desta vez ainda por cima no medieval Emirados Árabes Unidos, país onde quase se glorifica a continuação da exploração do petróleo, algo que lá atrás, em 1992, quando se assinou o tratado para a criação da Convenção-Quadro, se imaginava provavelmente que, por volta de 2023, o petróleo já teria sido abandonado e a transição para outras fontes de energia, não fósseis, tivesse sido mais célere”.

Na mesma linha, numa entrevista para a jornalista Liana Melo, do #Colabora, o embaixador Rubens Ricupero, ex-ministro do Meio Ambiente e homem-chave na realização da Rio-92, fez um balanço bem pessimista dos debates ambientais: “No caso das mudanças climáticas existe um prazo fatal, ainda que não seja possível cravar o momento exato em que o aquecimento global e suas consequências serão irreversíveis. Se nos debruçarmos sobre as quatro ideias chaves das Nações Unidas nessas últimas décadas (desenvolvimento, promoção da igualdade entre homens e mulheres, direitos humanos e o meio ambiente), a única delas que tem uma data inexorável é o meio ambiente. O critério para o meio ambiente não deveria ser um critério contábil, de perdas e ganhos. E sim um critério rigoroso. Do contrário, fracassamos”.

Uma das novidades desta COP, além do fato de ser realizada na casa do lobo mau, é o lançamento do primeiro Balanço Global do Acordo de Paris. Uma avaliação detalhada de onde estamos em relação às metas necessárias para conter o aquecimento global. Os dados, obviamente, não são bons: as emissões de carbono seguem em alta; os compromissos financeiros dos países ricos não foram cumpridos ou estão atrasados; e as promessas de ajuda para a adaptação das nações mais ameaçadas permanecem muito aquém do que seria necessário.

Neste ano de 2023, que já está sendo considerado o “mais fresco do resto de nossas vidas”, ultrapassamos pela primeira vez a marca de 2ºC de aquecimento global. Teremos, quase com certeza, o ano mais quente dos últimos 12 mil anos. No último dia 15 de novembro, a Organização Meteorológica Mundial divulgou um relatório mostrando que a concentração média de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera atingiu 418 partes por milhão (ppm), em 2022, chegando pela primeira vez a um índice 50% acima da era pré-industrial. Como explicou o José Eustáquio Diniz Alvez, aqui no #Colabora, a última vez que a Terra registou uma concentração de CO2 comparável ao nível atual foi entre 3 e 5 milhões de anos atrás. Naquela época, a temperatura estava entre 2 e 3° C mais quente e o nível do mar era de 10 a 20 metros mais alto do que o atual.

E o Brasil? Bem, com fim do negacionismo climático do último governo, o país corrigiu as suas metas, embora sem aumentar a ambição, e os dados do Prodes mostram que o desmatamento da Amazônia vem caindo consistentemente. A delegação brasileira na COP28 deve ser a maior da história, com 15 ministros e mais de 100 eventos previstos para o pavilhão nacional. Com a COP30 confirmada para 2025, na Amazônia, o Brasil aposta suas fichas nos benefícios ambientais e econômicos desse processo. Mas essa é um guerra que não se ganha sozinho. Se só o Brasil ganhar, ninguém ganha. Este texto pode até parecer pessimista, não é. Ele é tristemente realista. Matérias como esta vêm sendo publicadas por veículos jornalísticos do mundo todo no último dia de todas as COPs. Nós só resolvemos publicar antes. Esperamos, honestamente, estar errados.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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