Indígena e quilombola ampliam agenda climática com novos saberes e olhares

Com a entrada de Valéria Paye e Deroni Mendes na coordenação, Observatório do Clima alia conhecimento científico e vivência nos territórios para avançar nas discussões

Por Liana Melo | ODS 13 • Publicada em 28 de março de 2025 - 08:48 • Atualizada em 28 de março de 2025 - 14:07

Valéria Payé e Deroni Mendes, as novas coordenadores do Observatório do Clima: indígena e quilombola ampliam agenda climática com novos saberes e olhares (Fotos: Ariane Susui e Rodrigo Vargas)

Uma é indígena e a outra é quilombola. Valéria Paye é da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e Deroni Mendes é coordenadora do Programa de Transparência para Justiça Climática do Instituto Centro de Vida (ICV). Em fevereiro, ambas foram eleitas para a coordenação do Observatório do Clima, fórum deliberativo da rede climática, onde são tomadas as decisões estratégicas. A instituição conta com 133 organizações parceiras. Elas representam novos olhares, novos saberes e novos conhecimentos… e juntas, personificam uma mudança de rota na gestão do OC.

“Elas são reflexo da necessária diversidade que precisamos nesta agenda”, comentou Márcio Astrini, recém-reeleito secretário-executivo do OC para mais uma gestão, pelos próximos cinco anos. Após ser reconduzido ao cargo, na mesma assembleia em que as duas foram eleitas, admitiu que, a médio prazo, seu desejo é o de que “seu lugar seja ocupado por uma mulher, preferencialmente negra, quilombola ou indígena”.

À medida que os eventos extremos vêm se intensificando e virando o novo normal, o “alargamento das fronteiras da agenda climática, para além da agenda técnica e de negociação, é algo que começamos a materializar há alguns anos”, comentou Astrini. Em março, o OC colaborou para uma publicação da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultores Familiares (Contag) sobre a resiliência climática da agricultura familiar.

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É justamente nos territórios indígenas e nas comunidades tradicionais onde os impactos da mudança do clima chegam primeiro, atingindo, preferencialmente, pessoas pobres, pretas, indígenas e de comunidades tradicionais. “Apesar disso, a pauta climática continua muito elitizada e discutida por organizações, dominadas por pessoas brancas, da região Sudeste”, reflete Mendes, considerando que, por isso, a sua entrada e a de Valéria no OC é “um marco”, além da quebra de um paradigma.

Formada em Geografia, Mendes foi desafiando ideias e crenças estabelecidas, conquistando espaço e furando bolhas. O ICV, onde está desde 2012, desenvolve programas de conservação e clima, economias sociais e transparência ambiental. Como o Mato Grosso, área de atuação do instituto, reconhece a existência de 12 segmentos de povos e comunidades tradicionais, Mendes defende a inclusão desses segmentos sociais no diálogo climático.

“Precisamos ampliar o olhar das pessoas para a necessidade e refletir porque profissionais de origem indígena, quilombola e de outros segmentos ainda são minoria em alguns espaços”. Ela torce para esse processo no OC ser apenas o início de uma mudança: “Precisamos incluir novas narrativas nas informações científicas”.

Leito do Rio Taxidermista totalmente seco, durante período de extrema estiagem que interrompeu por semanas o abastecimento de água na região de Alta Floresta. (Foto: Ana Flávia Corrêa/ ICV)
Leito do Rio Taxidermista totalmente seco durante período de extrema estiagem que interrompeu por semanas o abastecimento de água na região de Alta Floresta, em 2024. (Foto: Ana Flávia Corrêa/ ICV)

Justiça Climática

Mulher quilombola e filha de agricultores tradicionais, ela trabalha com comunidades tradicionais e povos indígenas no Mato Grosso, seu estado de origem. Vivenciou na pele o episódio de seca extrema que, em 2024, interrompeu, por semanas, o abastecimento de água na região de Alta Floresta. O rio Taxidermista, principal fonte de captação da cidade, secou completamente. “Precisamos juntar o conhecimento científico com a vivência, porque os dois são complementares”.

Indígena do povo Tiriyó e Kaxuyana da Terra Indígena Parque do Tumucumaque,  espalhada pelos estados do Pará e Amapá, na fronteira com o Suriname, Paye atua na Coiab desde 2008. Formada em Ciências Sociais, foi a primeira mulher indígena a assumir a Coordenação da Representação da entidade em Brasília. Participou da fundação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e da organização dos vários Acampamento Terra Livre (ATL).

Reafirmando o viés elitista da discussão climática, Paye considera que sua entrada no OC é um reconhecimento da necessidade de inclusão do saber indígena na pauta sobre clima. “Somos nós, os indígenas e povos tradicionais, quem estão contribuindo para o clima em nossos territórios e a ciência já comprovou isso”. E acrescenta: “Até agora, nossas vozes eram transmitidas, repassadas, por outros. Não por nós”.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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