Temperatura alta e clima seco reduzem tempo de vida de árvores

Estudo liderado por pesquisadores da USP mostra que, com aquecimento, árvores crescem mais rápido e morrem mais cedo em florestas tropicais como Amazônia e Mata Atlântica

Por Agência Fapesp | ODS 13ODS 15 • Publicada em 30 de dezembro de 2020 - 09:01 • Atualizada em 29 de outubro de 2024 - 12:36

Incêndio florestal em agosto, durante temporada de seca na Floresta Amazônica: altas temperaturas e seca levam árvores a crescerem mais rápido e morrerem mais cedo (Foto: Carl de Souza/AFP)

(Luciana Constantino*) – Temperaturas elevadas e o clima mais seco que vêm sendo registrados com maior frequência nos últimos anos em vários países estão afetando a dinâmica das florestas tropicais, como Amazônia e Mata Atlântica. Sob essas condições climáticas, as árvores morrem mais rapidamente.

Em biomas nos trópicos, elas já crescem, em média, duas vezes mais rápido do que as de florestas temperadas e boreais e vivem menos – 186 anos, em média, contra 322 anos, respectivamente. As florestas tropicais úmidas abrigam cerca de 50% das espécies de animais terrestres e plantas do planeta, apesar de representarem apenas 7% da área terrestre mundial.

Como a previsão é de que a temperatura global continue subindo – ao menos 1,5 °C acima do nível pré-industrial (1850-1900) nas próximas décadas –, isso pode provocar mudanças nas características de cada um desses biomas tropicais, resultando, no futuro, em alterações da biodiversidade e diminuição do número de espécies.

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Também deve afetar o papel que essas árvores desempenham nos estoques de carbono (CO2), levantando preocupações em relação à capacidade de absorção desse gás de efeito estufa no futuro. As florestas são o maior reservatório de biomassa terrestre, principalmente as tropicais, responsáveis pela metade desse estoque.

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É um efeito além do esperado pela relação negativa entre crescimento e longevidade das árvores. Mas também está ligado à disponibilidade hídrica. Quando o local seca, cria um estresse na planta. Então ela atinge tamanhos menores e morre mais jovem, mesmo sendo uma espécie que poderia ficar maior

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Para se desenvolverem, as plantas precisam de uma grande quantidade de dióxido de carbono na fase de crescimento. Com isso, acabam processando por meio da fotossíntese cerca de um quinto do total anual do carbono atmosférico. Assim, pequenas mudanças no funcionamento da floresta podem alterar significativamente os níveis desse gás.

Esse cenário de redução da longevidade ligada a efeitos climáticos em biomas tropicais está traçado em estudo liderado por pesquisadores brasileiros e publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), da Academia Norte-Americana de Ciências. “Nas planícies tropicais quentes foram encontradas diminuições consistentes na longevidade das árvores em locais secos e com temperaturas médias anuais acima de 25,4º C”, estabelece a pesquisa.

Em entrevista à Agência Fapesp, o pesquisador Giuliano Locosselli, do Instituto de Botânica da USP, afirma que, no estudo, foi observado que, quando a temperatura média passa dos 25,4°C, a taxa de crescimento está num pico, em patamar alto, e a longevidade diminui. “É um efeito além do esperado pela relação negativa entre crescimento e longevidade das árvores. Mas também está ligado à disponibilidade hídrica. Quando o local seca, cria um estresse na planta. Então ela atinge tamanhos menores e morre mais jovem, mesmo sendo uma espécie que poderia ficar maior”, explica Locosselli, primeiro autor do artigo, juntamente com Marcos Buckeridge, professor e diretor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), que resultou de um projeto de pesquisa apoiado pela FAPESP.

Locosselli também foi um dos autores de outra pesquisa, publicada recentemente na revista Nature Communications, que já havia apontado relação inversa entre a taxa de crescimento das árvores e a longevidade, independentemente da espécie e do local onde se encontram. Agora, o novo estudo coloca lupa sobre o comportamento em florestas tropicais e aponta o papel do clima e da disponibilidade hídrica nesses quadros.

[g1_quote author_name=”Marcos Buckeridge” author_description=”Professor e diretor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP)” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

No ponto em que estamos, é preciso trabalhar com medidas de mitigação das mudanças climáticas e também de adaptação, como plantar novas árvores

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Ao ser questionado sobre como ficariam essas árvores diante de estimativas de agências ligadas às Nações Unidas (ONU) de que a temperatura média da Terra pode subir mais de 1,5 °C até 2050, Buckeridge afirma que a forma de evitar um cenário pior para os biomas seria bloquear o aquecimento global.

Porém, o professor lembra que há o fenômeno da inércia, ou seja, mesmo se agora fossem suspensas todas as emissões de gases de efeito estufa que provocam o aquecimento, a temperatura ainda assim manteria a tendência de alta por um período. “Acho que o cenário dos 25,4 °C [utilizado no estudo] não tem mais como reverter. No ponto em que estamos, é preciso trabalhar com medidas de mitigação das mudanças climáticas e também de adaptação, como plantar novas árvores”, avalia Marcos Buckeridge, que participou como autor no relatório especial Mundo em Aquecimento de 1,5 °C, do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), da ONU.

Locosselli destaca o caso da floresta do Congo, a segunda maior tropical do mundo, só atrás da Amazônia. “Atualmente ela ainda não é afetada pelo efeito da temperatura, como já se viu na região amazônica. Mas, a partir desse grande aumento de temperatura, começaremos a observar sinais de elevação da mortalidade. Isso vai ao encontro do que vimos no nosso estudo. Sob esse ponto de vista, o cenário é bastante sombrio”, completa.

Documento divulgado pela Organização Meteorológica Mundial (WMO, na sigla em inglês) apontou que a temperatura média global entre 2016 e 2020 (de janeiro a julho) está entre as mais quentes do que qualquer outro período. Atualmente, é estimada em 1,1 °C acima da era pré-industrial e 0,24 °C mais quente do que a média global para 2011-2015. Além disso, dados das agências norte-americanas Nasa e National Oceanographic and Atmospheric Administration (NOAA) apontaram os anos de 2016 e 2019 como o primeiro e o segundo mais quentes de todos os tempos, respectivamente.

Avaliação de 100 mil árvores

Para realizar o estudo ‘Global tree-ring analysis reveals rapid decrease in tropical tree longevity with temperature’, o grupo de Locosselli e Buckeridge avaliou dados de anéis de crescimento de mais de 100 mil árvores no mundo. Cada um desses anéis, localizados nos troncos, representa um ano de vida da planta, permitindo uma estimativa da idade das árvores e da velocidade (taxa) de crescimento. Também foi analisado como o clima influencia no tempo de vida.

“Esses efeitos independentes da temperatura e da disponibilidade de água na longevidade das árvores nos trópicos são consistentes com as previsões teóricas de aumentos nas demandas evaporativas no nível da folha sob um clima mais quente e seco, e podem explicar os aumentos observados na mortalidade de árvores em florestas tropicais, incluindo a Amazônia, e mudanças na composição da floresta na África Ocidental”, escrevem os pesquisadores no artigo da PNAS.

Angelim vermelho de 88 metros de altura encontrado na Floresta Amazônia: pesquisa mostra que aquecimento global afeta florestas tropicais (Foto: Rafael Aleixo/SETEC/AFP)
Angelim vermelho de 88 metros de altura encontrado na Floresta Amazônia: pesquisa mostra que aquecimento global afeta florestas tropicais (Foto: Rafael Aleixo/SETEC/AFP)

Segundo Buckeridge, além das altas temperaturas, a maior quantidade de CO2 na atmosfera contribui para acelerar a atividade metabólica das plantas. Na última década, houve um crescimento de 1,5% ao ano nas emissões de gases de efeito estufa, incluindo o carbono. Em grande parte foram provocadas por fontes fósseis de energia e alterações no uso da terra, como o desmatamento e as queimadas, de acordo com o relatório Lacuna de Emissões 2019, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

Os pesquisadores explicam que em áreas frequentemente atingidas por queimadas a longevidade das árvores é consideravelmente menor. Essa variável chegou a ser analisada, mas, por questões metodológicas, ficou fora do estudo.

Neste ano, por exemplo, dois dos biomas brasileiros já registraram recorde de focos de incêndio, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Até outubro, o Pantanal teve o pior ano desde 1998, quando o instituto começou a monitorar focos ativos de fogo no local, e na Amazônia o número de ocorrências nos primeiros dez meses de 2020 superou o total de 2019.

‘Trabalho de formiguinha’

O estudo liderado pelo grupo brasileiro teve a colaboração de pesquisadores de universidades britânica, como a de Leeds, alemã e chilena. Levou cerca de quatro anos para ficar pronto e envolveu especialistas de diferentes áreas. “Esse trabalho traz uma visão global, com dados, por exemplo, de bancos públicos de pesquisa e de mais de 200 estudos científicos. Neste sentido, seria impossível realizá-lo 10, 20 anos atrás porque não havia muitos estudos sobre florestas tropicais ou a relação envolvendo anéis de crescimento das árvores”, enfatiza Locosselli.

Tanto ele como Buckeridge destacam a importância do desenvolvimento de pesquisas, com o apoio de instituições como a FAPESP e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para o avanço da ciência. “Esse tipo de estudo pôde ser realizado porque houve conhecimento acumulado ao longo dos anos. O trabalho de formiguinha é o que gera a cereja do bolo”, afirma Buckeridge.

Atualmente, com o cenário de contenção de gastos públicos, principalmente pós-pandemia de COVID-19, estão em discussão no Brasil projetos que propõem cortes e desvinculação de recursos orçamentários destinados à produção de ciência, desenvolvimento de pesquisas e novas tecnologias. Para se contrapor a essas propostas, cientistas, pesquisadores e estudiosos têm divulgado manifestos e buscado alertar para os riscos ao futuro da ciência.

“Aquela ciência que às vezes não entendemos e que talvez hoje tenha uma resposta local pode se unir a outras pesquisas semelhantes e dar uma resposta global amanhã. Nossa pesquisa dá essa visão global”, completa Locosselli.

*Luciana Constantino é jornalista com experiência em cobertura nas áreas de sustentabilidade, desenvolvimento humano, ciência e política. Foi editora-executiva no jornal “O Estado de S.Paulo”, trabalhando em São Paulo e na Sucursal de Brasília. 

Agência Fapesp

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