É improvável que o fim do e-mail conste em qualquer retrospectiva de 2016. Talvez porque seja difícil determinar o momento exato do seu fim, que pode ter começado muito antes e ter ficado até agora meio desapercebido. Nas minhas contas, o correio eletrônico acabou em 2016, no dia em que recebi uma mensagem no whatsapp me avisando: “Acabo de te mandar um e-mail”. A redundância de mídias indicava que meu interlocutor estava convencido de que, sem o seu alerta, eu não abriria o e-mail. Ele estava enganado, porque como usuária desde 1993, quando criei no Ibase o meu cro@ax.apc.org, nunca deixei de abrir e ler minha caixa postal todos os dias, e certamente mais de uma vez ao dia.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″].Podem me chamar de saudosista, mas tenho hoje pelas trocas de longas mensagens escritas a mesma nostalgia que já tive das cartas manuscritas em papéis leves e perfumados.
[/g1_quote]Mas é fato que há mídias demais no mundo, e as mídias instantâneas nos telefones celulares parecem ter chegado mesmo para desbancar o velho correio eletrônico. Podem me chamar de saudosista, mas tenho hoje pelas trocas de longas mensagens escritas a mesma nostalgia que já tive das cartas manuscritas em papéis leves e perfumados. Trocar uma correspondência consistente e permanente com um/a amigo/a à distância já foi mais do que reconfortante, foi mesmo uma fonte de carinho, afeto, demonstração de amizade, compartilhamento de bons e maus momentos.
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Veja o que já enviamosTomado primeiro pelo spam, depois pelas permanentes demandas de trabalho, a caixa de entrada se tornou uma chateação cotidiana, aos poucos dispensável em prol da timeline do Facebook ou da página inicial do Twitter. Na verdade, a primeira vez que ouvi alguém anunciar o que o fim do e-mail estava próximo foi em 2006, logo depois do lançamento do Twitter. Dez anos depois, é possível que essa forma de comunicação assíncrona tão útil para os pesquisadores nos anos 1980 e aparentemente tão revolucionária para os usuários de internet em geral a partir dos anos 1990, tenha de fato caído em total desuso.
O que é uma pena, porque comparado aos mecanismos de comunicação que o substituíram, o e-mail ainda oferece muitas vantagens. Todo usuário de smartphone pode tê-lo na palma da mão, sem o inconveniente daquele ruído insuportável das notificações do whatsapp (como me disse uma amiga, hoje não há nada mais revolucionário do que silenciar as notificações). Ao contrário do que acontece na troca de mensagens pelo Messenger do Facebook, por exemplo, os sistemas de correio eletrônico têm mecanismos de busca mais sofisticados que permitem localizar mensagens arquivadas, filtros para spams e outros indesejados, e sobretudo não apelam para respostas em tempo real. Era essa, aliás, sua principal vantagem em relação ao telefone fixo, aquele cujo fim se deu sem choro nem vela faz bastante tempo.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]Se, como dizia Marshall McLuhan, o meio é a mensagem, as chamadas mídias instantâneas são mensagens de um mundo no qual o maior valor é a velocidade.
[/g1_quote]Difícil saber o que veio antes, se o fim do e-mail ou se o início da necessidade de mensagens curtas, superficiais, por vezes telegráficas, nas quais pouca coisa é articulada. Se, como dizia Marshall McLuhan, o meio é a mensagem, as chamadas mídias instantâneas são mensagens de um mundo no qual o maior valor é a velocidade. Talvez por isso, depois de uma longa e lenta agonia, o e-mail tenha acabado em 2016, o ano em que a volatilidade se instituiu como norma, destituindo o princípio da estabilidade de qualquer importância.
Só assim pode se explicar, por exemplo, que um presidente da República tenha perdido sete ministros em sete meses e continue no cargo. É improvável que alguém saiba quem de fato esteve no comando do país em 2016, mas em tempos de governança algorítimica, não parece casual que nossos dados precisem circular em mídias de maior velocidade, nas quais o controle dos fluxos ficam ainda mais fáceis de ser detectados.
Se houve um tempo em que a melhor definição de mercadoria era aquilo que precisava circular, hoje, como aprendi com David Harvey em “O enigma do capital: e as crises do capitalismo”, a exigência de circulação do capital é o novo paradigma capitalista. É claro que o fim do e-mail não foi o fato mais marcante do ano que ora termina, mas acredito poder identificá-lo como sintoma de que o fluxo de informação se aliou ao fluxo de capital para nos transformar em emissores de mercadorias voláteis na grande rede.