Neste 28 de julho, o planeta vai entrar no cheque especial

Consumo excessivo de recursos naturais, como a água, o solo e o ar puro, torna a vida na Terra cada vez mais insustentável

Por Agostinho Vieira | ODS 12 • Publicada em 28 de julho de 2022 - 09:29 • Atualizada em 29 de outubro de 2022 - 12:07

A cada ano que passa, a humanidade utiliza mais e mais recursos naturais, como água, solo e ar puro, e segue poluindo irresponsavelmente o meio ambiente. Foto Kalle Singer, Image Source via AFP

Imagine que você e sua família estejam vivendo em um lugar remoto, uma cabana no meio do nada. A boa notícia é que vocês dispõem de um estoque de comida e água para viver bem por um ano. A má notícia é que a fome e a sede da turma são grandes e as reservas começam a desaparecer em pouco mais de seis meses. É mais ou menos isso que está acontecendo com a Terra. A cada ano que passa, a humanidade utiliza mais e mais recursos naturais, como água, solo e ar puro, e segue poluindo irresponsavelmente o meio ambiente. Este ano, o Dia da Sobrecarga da Terra (Overshoot Day, em inglês), data que marca o momento em que a humanidade consumiu todos os recursos biológicos que o planeta seria capaz de regenerar em um ano, acontece neste 28 de julho. Isso significa que até 31 de dezembro vamos consumir o equivalente a 1,7 planeta. O problema é que só existe um planeta Terra. Logo, essa conta não tem como fechar.

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Daí a analogia com o cheque especial. É como se a humanidade estourasse o limite do cartão de crédito ou do “cartão de crédito ambiental” todos os anos, postergando o pagamento da fatura para as próximas gerações. Obviamente, isso é insustentável. Se uma pessoa gasta seu salário do mês em 17 dias, a conta não fecha. Se essa mesma pessoa faz compras para uma semana, mas consome tudo em 4 dias, a conta também não fecha. E se a bateria de um celular deveria durar um dia inteiro, mas dura só 13 horas, algo também está errado. O mesmo acontece com o planeta: gastamos os recursos naturais de um ano em sete meses e já estamos pagando um preço muito alto, na forma de crises climática, hídrica e elétrica.

O Dia da Sobrecarga foi criado pela ONG Footprint Network, que também é responsável por calcular a data. A instituição considera uma base de 3 milhões de dados estatísticos de 200 países, além de informações de entidades internacionais como o Projeto Global Carbono e a Agência Internacional de Energia (IEA). Para fazer essa conta, a ONG primeiramente estima qual o tamanho da biocapacidade mundial, ou seja, qual a quantidade de recursos ecológicos que o planeta é capaz de gerar em um ano. Essa biocapacidade é dividida pela demanda da humanidade no mesmo período de ano, que podemos chamar de pegada de carbono global. Aí entram o uso excessivo e cada vez maior de recursos naturais, seja na queima de combustíveis fósseis ou no uso (e desperdício) de alimentos, madeira, fibras e matérias-primas minerais e vegetais. Por fim, o resultado é multiplicado por 365, número de dias do calendário anual.

Em tese, os cerca de oito bilhões de moradores do planeta Terra deveriam consumir os recursos naturais produzidos ao longo de 365 dias. Só que isso não acontece, assim como família da cabana no início do texto, a humanidade está acabando hoje com todo o estoque de água, energia e outros recursos naturais produzidos para durar um ano. São duas as razões principais para que isso aconteça. Em primeiro lugar porque somos muitos. Cerca de 8 bilhões em 2022 e cerca de 10 bilhões em 2050. Em segundo lugar porque o consumo ou o consumismo é muito elevado. Quando a ONG Footprint Network diz que 28 de julho é o Dia da Sobrecarga, ela está tratando de uma média mundial. Paises como os Estados Unidos, a Alemanha ou o Japão, onde o padrão de vida e o consumo são muito maiores, já tiveram o seu Dia da Sobrecarga em março ou abril. Na prática, estamos roubando recursos naturais não apenas das gerações futuras, mas também das gerações presentes que vivem em países pobres da África, da Ásia e da América Latina.

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Um exemplo disso é que durante a pandemia da covid-19, como a economia mundial praticamente parou, o Dia da Sobrecarga regrediu. Passou de 29 de julho, em 2019, para 22 de agosto, em 2020. Ou seja, uma redução, mesmo que forçada, no consumo e na produção industrial, acabou sendo positiva do ponto de vista do uso dos recursos naturais. Importante lembrar que essa foi a primeira vez que o resultado melhorou. Ele vem piorando, sistematicamente, desde 1971, quando começou a contagem. Naquele ano, o Dia da Sobrecarga caiu em 25 de dezembro.

Para os otimistas, aqueles que procuram por um copo meio cheio, o Instituto Akatu criou um guia com dicas mostrando como cada um de nós pode ajudar a empurrar o Dia da Sobrecarga mais para a frente. É claro que grande parte do trabalho está nas mãos dos governos e das empresas, mas sempre é possível fazer alguma coisa no seu dia a dia. Aí vão quatro exemplos:

  • Proteger as Florestas Tropicais – Restaurar e proteger as florestas tropicais, como a Mata Atlântica e a Amazônica, pode atrasar o Dia da Sobrecarga da Terra em 7 dias. Denuncie queimadas e desmatamento, apoie instituições que protegem o meio ambiente e têm projetos de reflorestamento e priorize empresas comprometidas com a defesa da biodiversidade e com a preservação da natureza.
  • Evitar o desperdício de alimentos – Cortar o desperdício de alimentos pela metade em todo o mundo traria um alívio de 13 dias na conta da Sobrecarga da Terra. Dê o exemplo em casa: prepare só a quantidade necessária de comida, faça o uso integral de frutas, legumes e vegetais, congele o que sobrou para comer no dia seguinte ou reutilize as sobras criando novas receitas.
  • Diminua o consumo de carne – Uma redução de 50% no consumo global de carne, substituindo essas calorias por uma dieta vegetariana, é capaz de mudar o Dia da Sobrecarga da Terra em 17 dias. Comece reduzindo o consumo de carne aos poucos, encontrando alternativas como proteínas vegetais (soja, grão-de-bico, tofu, quinoa, lentilha e outras).
  • Priorize fontes renováveis de energia – Estima-se que a geração de 75% da eletricidade a partir de fontes de baixo carbono, acima dos 39% atuais, atrasaria o Dia de Sobrecarga da Terra em 26 dias. Se possível, utilize a geração de energia solar ou dê preferência a empresas que usem ou estimulem o uso de fontes de energia renováveis.

No site do Instituto Akatu é possível encontrar outras dicas. E, se vc quiser, também é possível calcular a sua própria pegada ecológica. Que tal? No site Footprint Calculator é possível calcular quantos planetas seriam necessários se a humanidade adotasse o seu estilo de vida.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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