As necessárias medidas de isolamento social durante a pandemia do coronavírus pegaram também de surpresa agricultores e moradores das zonas rurais de todo o Brasil. Enquanto produtores familiares enfrentam dificuldade para escoar seus alimentos, famílias correm risco de passar fome por falta de trabalho e por suas crianças estarem sem acesso a merenda escolar. Para amenizar esse problema, no entanto, projetos entraram em ação já no início da pandemia com soluções de economia solidária, formando parcerias com diversas organizações e governos locais para a distribuição de cestas compostas majoritariamente por produtos da agricultura familiar.
No sertão da Bahia, por exemplo, o Movimento de Organização Comunitária (MOC), que assessora agricultores familiares, já atendeu mais de mil famílias com distribuição de cestas com alimentos agroecológicos, kits de higiene e máscaras de proteção à Covid-19, confeccionadas por mulheres de cooperativas da região. Gisleide Carneiro, coordenadora do Programa de Economia Solidária do MOC, conta que, logo após o fechamento do comércio e das feiras agroecológicas, o escoamento da produção virou uma grande questão. “Quando estávamos montando o projeto de distribuição das cestas, notamos que muitos dos produtos poderiam ser comprados da agricultura familiar e agroecológica. Então foram doados nas cestas, por exemplo, mais de 1600 pacotes de fubá, 3,3 toneladas de feijão, 1,6 tonelada de farinha, além de outros itens, como quase 5 mil máscaras. Assim, atendemos famílias que vivem em extrema vulnerabilidade social e movimentamos a economia solidária na região”, afirmou a coordenadora do MOC, projeto que tem apoio da ActionAid, organização internacional, há 20 anos no Brasil, com foco em justiça social, igualdade de gênero e o fim da pobreza.
No Sudeste, o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA), outro projeto com apoio da ActionAid, se aliou à Cooperativa Grande Sertão e a outras organizações parceiras para fortalecer uma rede de suporte a pequenos produtores, cooperativas e empreendimentos da economia popular solidária e para levar comida sem veneno para as mesas das famílias em situação de vulnerabilidade social e de insegurança nutricional. Ao todo, cerca de 144 toneladas de alimentos saudáveis, produzidos sem o uso de insumos químicos e respeitando a natureza, chegaram a cerca de duas mil famílias de 20 municípios da região.
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Veja o que já enviamosNa região da Zona da Mata mineira, o Centro de Tecnologias Alternativas (CTA-ZM) distribuiu mais de 22 toneladas de alimentos – entre eles, arroz, feijão, fubá, banana, laranja, limão, mexerica, inhame, abóbora, abacate, açúcar mascavo e produtos de padaria e cozinha comunitária lideradas por mulheres – contemplando 500 famílias em situação de vulnerabilidade social em Viçosa. Além disso, apoiou uma ação em Acaiaca na qual conseguiu atender todas as famílias que têm crianças matriculadas na rede municipal de ensino.
No total, mais de 1300 cestas agroecológicas foram distribuídas na região, gerando renda para as famílias agricultoras e valorizando especialmente o trabalho das mulheres, como a agricultora Marlene Nicolau, que forneceu, principalmente fubá, e produtos da padaria e cozinha comunitária para as cestas. “Depois que essa pandemia e o isolamento começaram, a gente não conseguiu mais vender para as escolas. Então, esse apoio foi bom para a gente conseguir escoar os produtos que já tínhamos e também para ajudar na renda da família”, conta Marlene.
De acordo com a ActionAid, projetos com apoio da organização já distribuíram mais de 10 mil cestas básicas até o fim de junho, garantindo alimentação segura e sem veneno para mais de 8 mil famílias. “Nós, produtores, precisamos ter uma visão especial dessa ação. Porque não é simplesmente vender e gerar renda, é uma ação que envolve muitos valores. É muito bom ter a consciência que esse produto saudável vai chegar para famílias que precisam muito e que é um produto de qualidade, que a gente produz com carinho”, afirma a agricultora Efigênia Tereza de Marco, também de Acaiaca.
A ActionAid alerta que agricultoras e agricultores familiares precisam urgentemente de sementes, crédito e apoio à renda para evitar que a pandemia se transforme numa crise global de fome. “O governo deve reconhecer o trabalho de agricultoras e agricultores na linha de frente contra a crise, e deve assegurar que obtenham apoio adequado para que possam continuar cultivando alimentos acessíveis e saudáveis para suas comunidades e para as famílias brasileiras”, enfatiza Helena Lopes, assessora de Agroecologia e Justiça Climática da ActionAid. “A agricultura familiar fornece cerca de 70% da produção alimentar no Brasil. Na África e na Ásia, esse recorte chega a 80%. Até o momento, no entanto, agricultores/as estão sem resposta dos governos para solucionar a crise da Covid-19. As mulheres agricultoras, em particular, enfrentam três problemas: a renda perdida, o aumento do trabalho doméstico não-remunerado e a crescente violência de gênero”, acrescenta.