Rosana Santos estava grávida pela quarta vez quando ouviu do jornalista Fausto Wolff, frequentador do Bar Luiz, que torcia por um menino para poder tocar o negócio, que – achava o velho boêmio – era tarefa para homem. Rosana tinha só 37 anos e quatro filhas pequenas, todas mulheres, quando, em 1994, ficou viúva de Bruno Kurowsky, neto e herdeiro de Adolf Rumjaneck, o responsável por tocar o bar no início do século passado. Ela admite que enfrentou alguns problemas por ser uma mulher dirigindo um bar, mas garante que nunca a atrapalhou como a crise dos últimos seis anos: “É muito tempo enfrentando problemas, vendo o faturamento cair e a casa esvaziar, sem saber como prosseguir”, conta Rosana.
LEIA MAIS: O ocaso do Bar Luiz
LEIA MAIS: Os bares do Rio que deixaram saudades
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosA notícia do fechamento do Bar Luiz, inaugurado em 1887 e desde 1927, estabelecido na Rua da Carioca – no centro antigo do Rio de Janeiro – causou uma comoção na cidade. Após o anúncio no fim de semana, desde segunda-feira, o restaurante vive com fila na porta; na segunda, a salada de batata, a melhor da cidade para acompanhar o kassler e as salsichas, acabou antes das 14h. O Bar Luiz teve reforço de antigos garçons, que vieram ajudar, e de outros restaurantes que cederam pessoal e comida. Mesmo assim, na quarta-feira, todo estoque de chope – seis barris de 50 litros – terminou por volta das 18h; a salada de batata e o kassler haviam acabado bem antes.
Não foi o único movimento diferente dos últimos dias para o Bar Luiz: Rosana também voltou a receber propostas e sondagens para a compra de seu estabelecimento, o que ela vinha avaliando desde 2017. “Mas os investidores andam muito desconfiados do Rio e do país”, conta. De 2013 para cá, as coisas não foram fáceis, com a crise econômica atingindo o comércio do Centro. Em 2014, Rosana Santos foi surpreendida por uma ordem de despejo movida pelo Grupo Opportunity, que, dois anos antes, havia comprado 18 imóveis do lado ímpar da Rua da Carioca da Venerável Ordem Terceira da Penitência – de um total de 41 imóveis no Centro do Rio.
A proprietária do bar brigou: primeiro, foi à Justiça, depois apelou ao prefeito – o Rio tinha prefeito na ocasião. Eduardo Paes anunciou a desapropriação dos imóveis. Além do bar, todo o casario da Rua da Carioca é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) desde 1983. O conjunto arquitetônico também é protegido pelo Corredor Cultural da região. Em 2015, o Opportunity voltou a carga e chegou a anunciar o despejo. Bateu um desespero, inclusive nos funcionários. “Não tem plano B: nós não vamos sair daqui”, garantiu Rosana. Novamente, a prefeitura agiu e conseguiu na Justiça embargar o despejo – o processo de desapropriação, ainda não concluído, já estava em curso. A briga é por conta do aumento dos aluguéis, reajustados pelo grupo empresarial. Parte dos comerciantes desistiu da briga e fechou as portas; o Bar Luiz resistiu e hoje paga aluguel ao estado, envolvido numa disputa judicial entre o Opportunity e a Ordem Terceira.
A crise, como se sabe, agravou-se: na Rua da Carioca, neste setembro de 2019, são quase 30 lojas fechadas, metade do lado Opportunity, metade do outro par. Rosana Santos lamenta a falta de atenção para uma via que tem a cara do Rio. “Isso aqui devia ser um boulevard, uma rua de pedestres, com árvores, para as pessoas circularem”, argumenta. A Carioca hoje é uma via por onde passam mais de 20 linhas de ônibus – uma via de alta velocidade, sem sinais de trânsito, sem faixas de travessia para pedestres. Os clientes que faziam fila na calçada para a saideira do Bar Luiz reclamavam da poluição, do barulho e do calor. “A rua aqui já foi lugar de festa, de feira de livro, de evento. Agora, quase ninguém passa”, lamenta o gerente Emerson Coelho, 25 anos de Bar Luiz.
Emerson se emociona ao contar as histórias da última semana do Bar Luiz. “Teve gente contando que deu o primeiro beijo aqui, que fez o pedido de casamento, que reencontrou o pai depois de anos. Esse lugar faz parte da história das pessoas e faz parte da história da cidade. É preciso manter a esperança”, afirma. O Bar Luiz nasceu na hoje Rua da Assembleia, em 1887, fundado por Jacob Wendlind – filho de suíços, nascido em Petrópolis – para servir cerveja. Mudou de nome e de lugar até chegar na Rua da Carioca, batizado como Bar Adolph, nome de afilhado de Jacob que o sucedera nos negócios. Em 1943, a boemia salvou o bar da destruição: estudantes do Pedro II invadiram o lugar achado que Adolph era homenagem a Hitler mas o compositor Ary Barroso, que bebia seu chope ali, subiu na mesa e discursou para explicar e impedir a depredação.
Foi o gerente Emerson quem insistiu com Rosana para essa semana de despedida do Bar Luiz, anunciada aos amigos, que fez o coração da proprietária balançar. “Mesmo com toda a crise, na verdade, sempre quis vender para alguém que sentisse na pele, no sangue, o que o Bar Luiz representa para a cidade”, afirma Rosana Santos. As filas na porta, a repercussão por toda a parte e as propostas de negócio para compra do lugar fazem com que ela não tenha mais certeza da decisão anunciada de fechar as portas neste sábado, 14 de setembro. “Não dá para dar às costas a tudo isso que vem acontecendo esta semana”.
Uma tristeza esse fechamento. Mesmo com essa situação, não posso deixar de elogiar seus textos Oscar. Estou completamente viciada no seu modo de escrever e contar histórias, principalmente nas suas crônicas. Abraço!