Não é à toa que o ministro Ricardo Salles é um dos preferidos do presidente Jair Bolsonaro. O titular do Ministério do Meio Ambiente, nestes dois anos, tem seguido a orientação governamental: asfixiar o Ibama e o ICMBio, órgãos de fiscalização e conservação; estimular, por ação ou omissão, ações ilegais de madeireiros, garimpeiros, fazendeiros e pecuaristas na floresta e no cerrado; brigar com ONGs e governos estrangeiros. Sua folha de serviços ao governo Bolsonaro é visível aos olhos do mundo: são milhares de hectares desmatados e queimados na Amazônia e no Pantanal.
O desmantelamento dos órgãos ambientais e a passagem da boiada infralegal – parte barrada pelo Judiciário – são as reais prioridades de Salles; a tal agenda ambiental urbana, da qual o ministro gosta de falar, anda bem devagar. Talvez por isso, o ministro não apareça nas capitais. Mas, há duas semanas, ele veio ao Rio de Janeiro e saiu com a ideia de transformar o Museu do Meio Ambiente, um prédio do século XIX, dentro do histórico – e tombado – Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em um hotel-boutique. Sinistro. Apesar de não ser surpreendente: está mais do que provado que este governo não gosta de meio-ambiente e não gosta de museu.
O imóvel em questão foi erguido no fim do século XIX para ser a sede do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, inaugurado por Dom João VI em 1808 e aberto ao público pelo Imperador Pedro I em 1822. O prédio passou por uma reforma em 1930, ganhando suas características atuais e já abrigou o Museu Botânico e o herbário do JBRJ. no fim do século XIX. Em 2008, o imóvel passou por uma obra de restauração para ser reinaugurado como Museu do Meio Ambiente, nas comemorações do bicentenário do Jardim Botânico, com objetivo de ser o primeiro museu na América Latina dedicado totalmente à temática ambiental. O museu não tem exposição permanente e está fechado desde fevereiro quando terminou a exposição Um Mergulho Mar Adentro, sobre o Monumento Natural das Ilhas Cagarras.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamos
Cientistas, ambientalistas, historiadores e moradores do bairro criticaram, naturalmente, a sinistra ideia de Salles de criar um hotel dentro do Jardim Botânico. Conhecido pela diversidade da flora (mais de 6 mil espécies) e ponto turístico da cidade, o JBRJ é também um centro de pesquisa, onde são realizadas investigações científicas em áreas da Botânica: taxonomia, anatomia, morfologia, fisiologia, biogeografia, fitogeografia, ecologia e conservação, além de bem como em história da ciência e fitopatologia. São mais de 40 pesquisadores trabalhando ali. Em meio à pandemia, o Jardim Botânico sofre com falta de recursos para manutenção de seu acervo natural e de suas pesquisas. Mas a ideia de Salles foi acabar com o museu.
Como o Jardim Botânico guarda – além da conhecida riqueza natural – uma riqueza patrimonial significativa, é preciso que os cariocas fiquem alertas para o arsenal de ideias do ministro. Vai que ele resolve transformar o imóvel de 1575 – antiga sede do Engenho Nossa Senhora da Conceição da Lagoa e hoje Centro de Visitantes do JBRJ – num restaurante self-service? Vai que o ministro decide transformar o Solar da Imperatriz, erguido na primeira metade do século XIX, e reformado para servir de Centro de Treinamento e de Pós Graduação em Ciências Ambientais numa casa de festas infantis? Vai que o sinistro Salles acha inútil o Museu-Sítio Arqueológico Casa dos Pilões, unidade principal da fábrica de pólvoras também criada por Dom João VI, e resolve criar um museu do armamento, dentro do JBRJ, para agradar o chefe?
O museu segue ameaçado. A direção do Jardim Botânico informou em nota que o “projeto de concessão do espaço ainda está em fase de análise e estudos”. Mas a estapafúrdia ideia do hotel – da qual Salles parece já ter desistido – serviu, pelo menos, para informar aos cariocas que o Museu do Meio Ambiente existe. E cabe começar a cobrar que ele seja ocupado e ativo para uma área estratégica para a cidade. Também ajudou a lembrar que o Jardim Botânico – com toda sua exuberante natureza, com obras de Mestre Valentim, com pérolas do patrimônio natural, histórico e arquitetônico – é uma joia do Rio de Janeiro que precisa ser abraçada pelos cariocas. Convém não esquecer que o Jardim Botânico faz parte da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, reconhecida pela Unesco – e o governo do sinistro Salles também não gosta de reservas e de Mata Atlântica. Precisamos ficar atentos e fortes.
#RioéRua