Um amigo antigo – morador de Copacabana que há tempos não vejo – manda uma foto da estátua de Carlos Drummond de Andrade, com uma máscara para os tempos de pandemia. Diz ele, andarilho das ruas de seu bairro que, vez por outra, a estátua do poeta aparece mascarada no calçadão de Copacabana, talvez para lembrar das medidas preventivas que muitos teimam em ignorar. São tempos estranhos para poetas, andarilhos e todos os tipos de teimosos.
Em uma certa época da juventude, andei muito pelo Posto 6, mas nunca esbarrei no poeta que morava por ali desde a década de 50: primeiro na Rua Joaquim Nabuco e depois – até morrer, em 1987 – na Conselheiro Lafaiete. Mas lembro bem da foto, tirada pelo craque Rogério Reis, do velho poeta num banco do calçadão, inspiração para a estátua inaugurada no seu centenário, em 2002. A história de Copacabana registra que ele costumava ir a praia por ali com a mulher, quando a filha era ainda pequena e os postos salva-vidas, erguidos nos anos 30, começavam a ser pontos de referência na orla.
A estátua do poeta sentado é completada com a inscrição, no banco típico da orla, de um verso: “No mar estava escrita uma cidade”. Certamente foi escolhida por remeter ao Rio de Janeiro, ao cenário de Copacabana, ao escritor. Parece trecho de uma ode do poeta mineiro à cidade que adotou. Não é. O poema do século passado tem título que parece sob medida para este nosso momento do Século 21: “Mas viveremos”. E seus primeiros versos também soam como escrito em tempos de pandemia: “Já não há mãos dadas no mundo/ Elas agora viajarão sozinhas/ Sem o fogo dos velhos contatos/ Que ardia por dentro e dava coragem”.
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Veja o que já enviamosNão era pandemia, era guerra. Mas Viveremos está em A Rosa do Povo, livro publicado em 1945, em que os poemas de Drummond refletem a preocupação com a sociedade, a humanidade. “Hoje quedamos sós/ Em toda parte, somos muitos e sós”. Não é muito animador e ainda diz que, logo depois do verso (Mas Viveremos) que dá título ao poema, “A dor foi esquecida/nos combates de rua, entre destroços”.
Carlos Drummond de Andrade, como muitos mineiros, era fascinado pelo mar. A praia de Copacabana e o Posto 6 fizeram parte de suas crônicas. Em Andar a Pé, o escritor passeia por ali. “Do Leme ao Posto 6, a viagem é proporcionada aos recursos menores de que disponho. A meta é visível, a curva da praia dá ilusão de proximidade. O caminho é reto, no mar não levaria tempo. Contudo, sinto que é tempo de desperdiçar tempo”.
É isso que nos toma o confinamento provocado pela pandemia: andar a pé, sem pressa, desperdiçar tempo para aproveitar melhor o Rio de Janeiro, seus cenários e seus personagens. Nesta cidade que se reescreve a cada dia, o Posto 6, fisicamente, nem existe mais: na reforma da década de 80, os seis postos de Copacabana viraram cinco e o nº 6 desapareceu. Mas ficou como nome de bairro (ou sub-bairro), onde há versos de Drummond nos quatro lados do Largo do Poeta – na esquina da Conselheiro Lafaiete com a Rainha Elizabeth (a da Bélgica) – e sua estátua virou atração turística e foi abraçada pelos cariocas como os solidários e conscientes que, em tempos de pandemia, acrescentam máscaras ao rosto em bronze do poeeta.
#RioéRua