Todos os dias, há pelo menos três anos, 15, 20 ou muito mais periquitos aparecem mortos ao longo das calçadas em um trecho de cerca de cem metros de uma das avenidas mais movimentadas de Manaus, a Efigênio Sales. A matança lenta, começada por um atropelamento de mais de 200 deles, há dois anos, que chamou a atenção da opinião pública, tende a continuar se medidas rígidas não forem tomadas, obrigando a redução da velocidade no local e a poda vigilante e constante das árvores nas imediações.
[g1_quote author_name=”Robson Cazban” author_description=”Analista do Ibama” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Os periquitos não vão mudar de lugar, o corredor é o mesmo em todas as revoadas. Então, o único jeito é tentar que os carros não os atropelem, com motoristas mais cuidadosos e em velocidade baixa
[/g1_quote]Há três anos, uma contagem do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estimou que havia 12 mil periquitos naquele local. No final do ano passado, eram cerca de 8 mil.
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Veja o que já enviamosO espetáculo das revoadas no amanhecer e entardecer todos os dias, com seu barulhinho característico, é quebrado por carros em alta velocidade que os atropelam na pressa diária. “Tem de ser estabelecida, urgentemente, uma diminuição obrigatória da velocidade no local, ao menos nos horários das revoadas. Invadimos uma floresta para fazer uma cidade. Se todos sabem os horários das revoadas, o que custa monitorar para salvar essas vidas nativas?”, questiona Glória Peres, moradora de um dos condomínios próximos.
Segundo veterinários, os bichinhos, da espécie brotogeres versicolurus, fazem da avenida seu “corredor” diário provavelmente por causa das mangueiras e outras árvores frutíferas. Aquele não é o habitat natural deles, e sim áreas de várzeas, de onde saíram certamente expulsos por incontáveis novas construções que degradam as áreas verdes de Manaus por todos os lados.
De acordo com o secretário de Meio Ambiente do estado, Ademir Stroski, já há uma negociação com o órgão responsável pelo monitoramento do trânsito para buscar modos de conscientizar a população sobre os horários das revoadas dos pássaros. “Foram instaladas placas, há dois anos, nos dois sentidos da avenida, o que infelizmente não têm adiantado muito, especialmente no caso dos caminhões grandes, que trafegam no lado esquerdo e em alta velocidade”.
O analista ambiental do Ibama Robson Cazban, que fez parte da equipe que preparou o relatório sobre a morte dos mais de 200 periquitos há dois anos (cujo resultado apontou atropelamento por um caminhão, visto por câmaras de segurança de um dos condomínios da área, e não envenenamento, como boatos apontavam), defende que redutores de velocidade (lombadas) talvez possam ajudar.
“Os periquitos não vão mudar de lugar, o corredor é o mesmo em todas as revoadas. Então, o único jeito é tentar que os carros não os atropelem, com motoristas mais cuidadosos e em velocidade baixa”, sugere Cazban.
Outra medida importante, segundo Anselmo d’Affonseca, veterinário do Instituto Nacional de Pequisas da Amazônia (INPA), seria a poda constante das árvores no meio da avenida. “Elas são baixas e os galhos mais ainda, o que obriga os pássaros a fazerem voos rasantes. Podando as árvores, eles seriam obrigados a buscar lugares mais altos para se abrigar e descansar”, diz.
Outro problema é o fato de moradores de um condomínio próximo ao corredor das aves usarem constantemente redes de proteção em palmeiras imperiais que decoram a entrada do condomínio. A justificativa é que as aves destroem a copa das palmeiras. Por serem muito altas, as palmeiras eram refúgio dos pássaros, que ficam sem opção por conta das redes. Todos os anos, alertados por moradores, bombeiros fazem resgate de periquitos presos nas redes, e alguns não resistem.
O estudante de arquitetura Keyce Jhones, que também mora próximo ao local, destaca que, lamentavelmente, esse é um problema crônico do crescimento desordenado da capital amazonense. “Estamos deixando elementos importantes da composição do espaço urbano de fora, como a dinâmica das aves em relação a ocupar essas áreas. Restringimos cada vez mais os maciços verdes que servem de dormitório, criação e alimentação para alguns tipos de aves. É hora de gastar dinheiro público sim, para promover uma grande ação para minimizar esse impacto ambiental na área”.
Presada Liege
A Secretaria do Meio Ambiente de Manaus (SEMMA) está há 3 anos “monitorando” a situação, mas infelizmente nada de efetivo foi feito. É chocante que milhares de periquitos silvestres morram em plena área urbana e não se tomem providências para manejar esta pequena área que eles usam como dormitório durante a estação chuvosa. Tenho certeza que a morte desses periquitos é causada, na maioria dos casos, por impacto de veículos altos – caminhões-baú, caminhões com container, ônibus, etc – trafegando pela esquerda, que batem nos galhos que se projetam para a pista, de árvores plantadas no canteiro central.
Sinceramente, acho que medidas muito simples poderiam evitar esta carnificina que se repete a cada ano nesta época e que pode comprometer o potencial reprodutivo desta população. Sugiro algumas medidas práticas:
1 – NO CURTÍSSIMO PRAZO (hoje, agora) que sejam podados, naquele curto trecho, todos os galhos das árvores do canteiro central que se projetem para a pista (medida muito simples, estou falando em uma poda pequena em 8-10 árvores!). Desta forma não ocorrerão mais choques de caminhões ou ônibus com esses galhos que ficam cheios de periquitos pousados, no crepúsculo e durante a noite. Esta é a medida mais urgente e importante a ser tomada no curto prazo.
2 – Redutores de velocidade tipo tartaruga (que podem ser colocados e removidos com facilidade) naquele pequeno trecho. Podem ser desinstalados na época do ano em que os periquitos não estiverem aqui (abril-outubro). Outra alternativa seria a instalação de controle eletrônico de velocidade naquele trecho.
3 – Adicionar poleiros artificiais (de madeira, bambu, etc) nas árvores e palmeiras entre o muro do Condomínio Efigenio Salles e a pista. Os próprios “troncos” (na realidade, estipes) das palmeiras imperiais, quase todas mortas hoje, poderiam suportar muitos poleiros. Desta forma haveria maior disponibilidade de locais para pouso e pernoite seguros para os periquitos, distante alguns metros da pista. O próprio Condomínio poderia colaborar, aumentando a disponibilidade de “poleiros” nas árvores e palmeiras dentro de sua área, perto do muro.
4 – NO MÈDIO PRAZO (daqui a algumas semanas ou poucos meses, após os periquitos irem embora) – remover as poucas árvores do canteiro central naquele curto trecho. Plantar outras (usando mudas grandes, espécies de rápido crescimento, ou mesmo transferir árvores jovens) um pouco mais afastadas da pista, especialmente na ampla área gramada entre a pista e o muro do Condomínio Efigênio Salles. Desta forma, na próxima migração para a cidade, que deve se iniciar em novembro-2017, os periquitos não pernoitarão nas árvores do canteiro central, locais perigosos pelo descrito acima.
A migração anual dessa espécie de periquito para Manaus é um evento notável. A revoada espetacular, com nuvens de centenas de periquitos no crepúsculo, que se repete a cada ano por alguns meses, deveria ser melhor valorizada e divulgada. O maior cuidado com essa espécie, por meio da proteção do seu local de dormitório sazonal, localizado em plena área urbana, poderia contribuir para transmitir a imagem de uma cidade mais amiga da natureza e respeitosa com as espécies silvestres. Aquele local poderia se transformar, se corretamente manejado, em uma das mais incríveis atrações turísticas da cidade.
abraços
Rogério Gribel
Engenheiro Florestal, pesquisador INPA