Os meninos e meninas do Rio

Dados oficiais falam em 513 crianças e adolescentes que passam as noites vendendo ou mendigando nos bares da cidade

Por Gilberto Porcidonio | ODS 1ODS 10ODS 11 • Publicada em 16 de março de 2017 - 09:10 • Atualizada em 22 de março de 2021 - 13:23

Dos mais de 500 menores que passam as noites nas ruas, cerca de 250 são crianças de até 11 anos, e 260 são adolescentes. Foto de Custódio Coimbra

Mesas expostas nas ruas, bares e restaurantes com gente bebendo, comendo, namorando e conversando. Uma cena comum pelo Rio de Janeiro. Em meio aos boêmios, noite adentro, surgem alguns corpos mirrados oferecendo balas, chicletes, panos de prato e flores. Mãos pequenas que, muitas vezes, mal chegaram aos dois dígitos de idade. Não é difícil achar quem se choque, se revolte ou sinta compaixão por elas: as crianças ambulantes e pedintes da cidade que seguem pela madrugada.

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Quando o assunto chega à polícia é porque todo o poder público falhou. Nossa ideia é aumentar o número de educadores e envolver cada vez mais os órgãos públicos

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Durante a temporada de férias é que elas mais aparecem. De acordo com o último levantamento da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (SMASDH), realizado em julho de 2015, existem 513 crianças e adolescentes nesta situação no Rio. Desse número, 252 são crianças de até 11 anos, e 261 são adolescentes. Do total, os meninos são a maioria (384), assim como os vendedores de balas e doces que trabalham nos sinais de trânsito (232). A maior concentração desses pequenos ambulantes está na Zona Sul da cidade, em Copacabana, Botafogo e Laranjeiras. Na Zona Norte, a Ilha do Governador e, na Zona Oeste, a Barra da Tijuca são os lugares de maior afluência.

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A secretaria também diferencia os jovens entre aqueles que vivem nas ruas e os que não vivem, que têm casa e, geralmente, estão na rua incentivados pela própria família para conseguir dinheiro. Os casos mais recorrentes são de meninos que vendem balas nos sinais, pedintes, lavadores de vidro e guardadores de carros.

Pela lei, a regra é clara: as duas situações em que elas estão inseridas, venda e esmola, configuram trabalho infantil. Assim, a pessoa interessada em ajudar não deveria comprar nada ou dar dinheiro, mas buscar o Conselho Tutelar mais próximo para denunciar o abuso. De acordo com a secretária Teresa Bergher, o conselho recebe procuras diárias para informá-los sobre crianças e adolescentes nesta condição. Neste ano, a expectativa é que o trabalho seja ampliado e que receba a ajuda de entidades civis e religiosas.

– Os menores de 11 anos, desacompanhados do responsável, são imediatamente levados para os abrigos da prefeitura, até que as famílias sejam contatadas. A abordagem com os maiores de 12 anos é vista caso a caso, porque a lei não permite que sejam encaminhados aos abrigos sem que seja de sua vontade. Mas, se estiver trabalhando, está em situação de vulnerabilidade e tem que ser levado, até que o Conselho e a Justiça tomem as providências. O que não pode é eles ficarem desamparados, sem qualquer proteção do poder público – disse Teresa Bergher.

Os menores de 11 anos, desacompanhados, costumam ser levados para os abrigos da prefeitura. Já a situação dos adolescentes é analisada caso a caso. Foto Secretaria de Assistência Social
Os menores de 11 anos, desacompanhados, costumam ser levados para os abrigos da prefeitura. Já a situação dos adolescentes é analisada caso a caso. Foto Secretaria de Assistência Social

Além de tentar cumprir a lei, o objetivo da prefeitura é também participar do trabalho de prevenção, para evitar que alguns eventos se transformem em casos de polícia.

– Quando o assunto chega à polícia é porque todo o poder público falhou. Nossa ideia é aumentar o número de educadores e envolver cada vez mais os órgãos públicos.

Mas o governo não é o único agente preocupado ou envolvido com o tema. Criada em 1984, a Associação Beneficente São Martinho faz a promoção e defesa dos direitos das crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social na cidade. Com unidades nos bairros da Lapa, onde está a matriz, e em Vicente de Carvalho, a ONG é vinculada à Província Carmelitana de Santo Elias. O foco são as crianças entre 6 e 14 anos em situação de rua ou residentes de comunidades e ocupações.

Por ano, cerca de 1.700 crianças e jovens passam pelas ações da entidade, recebendo educação, oficinas socioeducativas e apoio social, espiritual, psicológico e jurídico. A primeira abordagem é feita através de atividades lúdicas, como jogos de bola, dama, bola de gude, corte e colagem, pintura, e é realizada através de ações itinerantes. O coordenador do setor de abordagem da ONG, Valdinei Martins, destaca a importância deste primeiro contato.

– Ninguém em sã consciência quer estar nestas condições e, se está lá, é porque tem algum problema. Nosso trabalho é ir ao encontro deles e saber o que foi que ocorreu. Assim, realizamos um mapeamento dos jovens e do entorno deles. A partir disso, traçamos uma intervenção específica para cada local e situação. Também tentamos deixá-los muito à vontade. O nosso trabalho é sempre pelo convencimento, nunca coercitivo.

Além da ação direta, Valdinei diz que a luta que travam pela mudança da realidade dos jovens também é no campo simbólico, como o da linguagem.

– Preferimos usar o termo “crianças e adolescentes em situação de rua” no lugar de “menor”, pois isso despersonaliza e passa a impressão de que eles exercem um papel “menor” na sociedade. Eles, tanto como qualquer outra pessoa, têm direitos. A gente reforça essa releitura sempre, inclusive, entre nós, para desconstruir a visão que o senso comum estabelece sobre o que é uma criança ou adolescente na rua.

Gilberto Porcidonio

É repórter do jornal "O Globo" e sociólogo em formação pela PUC-Rio. Especializa-se em cultura e questões raciais. Como poeta, mantém o alter-ego Frederico Latrão e, como escritor, é um dos autores da coletânea "Larica Carioca", sobre os quitutes dos bares do Rio de Janeiro, além de manter o blog 'O Títere'.

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Um comentário em “Os meninos e meninas do Rio

  1. Teresa Cristina Fazolo Freire disse:

    A questão da população de rua deveria ser prioridade zero dos governos municipais. Fiz recentemente uma pesquisa para um curso de Especialização e, como vocês, entrevistei o Valdinei da São Martinho. A violência doméstica e o apelo pelo bens de consumo também levam crianças/adolescentes às ruas, me confirmou a Assistente Social, Lucimar, da ONG. Na Romão Duarte, as crianças acolhidas são filhas de mães viciadas em crack, em sua maioria. Um triste e inaceitável quadro na cidade que se vende como olímpica. Abraços.

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