Obras em Belém antecipam debate sobre justiça climática e legado da COP30

Obras em Belém para a COP30: debate sobre justiça climática e legado da Conferência do Clima da ONU em 2025 (Foto: Raoni Figueiredo / Agência Pará)

Organizações reclamam que intervenções previstas não chegam à periferia e de falta de transparência no aplicação dos recursos

Por Liana Melo | ODS 11ODS 13 • Publicada em 9 de abril de 2024 - 09:22 • Atualizada em 16 de abril de 2024 - 09:42

Obras em Belém para a COP30: debate sobre justiça climática e legado da Conferência do Clima da ONU em 2025 (Foto: Raoni Figueiredo / Agência Pará)

Faltando um ano e oito meses para a realização da COP30, Belém vem, aos poucos, se transformando em um canteiro de obras. Oficialmente, o governo brasileiro deu a largada para o encontro das Nações Unidos ao anunciar, em março último, a criação da secretaria extraordinária para coordenar os preparativos da Conferência do Clima. O encontro vai ocorrer entre os dias 10 a 21 de novembro de 2025, na capital paraense. A nova pasta vai cuidar da articulação entre os governos Federal, Estadual e Municipal e a própria ONU.

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Para o governo do estado, a “COP30 será um vetor de transformações ambiental, econômica e social para Belém e para o Pará”; para setores da sociedade civil paraense está faltando transparência na preparação da cidade para receber a Conferência do Clima, “a primeira COP da floresta”, como vem sendo chamado o evento.

As obras estão sendo pensadas para regiões da cidade que já têm infraestrutura básica

Waleska Queiroz
Integrante da Rede Jandyras e da COP das Baixadas

Por considerar que as COPs são “conferências elitizadas e excludentes”, Waleska Queiroz, engenheira ambiental e integrante da Rede Jandyras, coletivo de mulheres negras de Belém, se juntou a outras 17 organizações sociais da cidade para criar uma versão periférica da conferência: a COP das Baixadas. No lugar de chefes de estados e diplomatas, jovens oriundos de áreas vulneráveis às mudanças climáticas da cidade vêm se reunindo para discutir o legado que a conferência deveria deixar para a cidade, para o estado e para o mundo.

“A maioria das decisões que impacta diretamente no território não leva em consideração a nossa perspectiva”, denuncia Waleska, usando como exemplo o que já estaria ocorrendo, segundo ela, em Belém. “Está faltando transparência na aplicação dos recursos financeiros”, analisa, referindo-se aos investimentos e as obras de infraestrutura previstos para a cidade para receber a COP30.

Em parceria com o governo federal, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), anunciou, em março, um conjunto de sete obras estruturantes. Juntas, elas vão consumir investimentos de R$ 3 bilhões. A cidade não está bem no ranking do IDH, o Índice de Desenvolvimento Humano. A periferia de Belém, sobretudo nos assentamentos, onde se encontra pouco mais da metade dos domicílios, tem sérios problemas de moradia, saneamento básico, drenagem.

A conferência vai ocorrer no Parque da Cidade em uma área de 500 mil metros quadrados. O projeto do governo do Estado é deixar o complexo de lazer, cultura e arte como legado para a população. Cerca de 30% das obras já estão concluídas. Os sete galpões cedidos pela Companhia Docas do Pará (CDP) ao governo do Estado serão transformados no Porto Futuro II, um novo ponto turístico da cidade, além do icônico Mercado Ver-o-Peso. O complexo será um espaço para valorização da cultura popular, do patrimônio imaterial, da história amazônica, das experiências gastronômicas e também da biodiversidade paraense.

A proposta para resolver o gargalo da hotelaria passa por soluções temporárias, como hospedagem em navios, escolas e construções modulares, além de uma parceria com o Airbnb. É fato que Belém carece de uma estrutura logística e hoteleira adequada para receber um evento da magnitude da COP – uma realidade que se tornou um problema para qualquer país que venha a sediar o encontro das Nações Unidas.

Ao longo das décadas, as COPs vêm se agigantando, passando de uma reunião com cerca de cinco mil pessoas, como ocorreu em 1997, quando foi assinado o Protocolo de Kioto, para um público total de 80 mil participantes na COP28. A expectativa do Ministério das Relações Exteriores é que o país venha a receber cerca de 50 mil visitantes em Belém nos dias da COP30, sendo que o maior fluxo de pessoas costuma ocorrer nos dias de participação dos chefes de Estado. Em Dubai, onde se realizou, em 2023, a COP28, o pico foi de 41 mil pessoas.

A COP30, em 2025, será a primeira conferência da ONU em um país democrático, depois de quatro anos da COP26, em Glasgow, no Reino Unido, que foi seguida por reuniões no Egito (2022), Emirados Árabes (2023) e Azerbaijão, onde ocorrerá a COP29, no fim de 2024. O evento em Belém ainda marcará os dez anos do Acordo de Paris, ou seja, um momento crucial para a redefinição de metas de redução das emissões de gases de efeito estufa.

O governo do Pará já definiu a área física onde ocorrerá a conferência. Os projetos foram alocados em um perímetro urbano denominado polígono da COP30 – uma área da cidade de Belém onde os participantes do evento global vão circular na maior parte do tempo durante a conferência. “As obras estão sendo pensadas para regiões da cidade que já têm infraestrutura básica”, critica Waleska, comentando que, em resposta à iniciativa do governo, o coletivo criou o Polígono das Baixadas, que engloba o conjunto de comunidades periféricas de Belém que, em última instância, são as principais vítimas das mudanças climáticas na cidade.

Em resposta às críticas que têm recebido dos movimentos sociais, o governo estadual já anunciou que, fora do polígono da COP, estão previstas obras como o novo Terminal Hidroviário na Cidade Velha e a requalificação da Feira do Barreiro, que vai beneficiar 850 feirantes. Além da urbanização do Bairro Mangueirão, uma das áreas de maior crescimento econômico na região metropolitana, e a Macrodrenagem da Bacia do Tucunduba, fundamental para reduzir alagamentos.

Também está em andamento, segundo o governo do estado, obras de macrodrenagem para prevenir inundações e alagamentos, tanto no polígono da COP como em áreas periféricas. A população mais vulnerável também vai ser alcançada pelas obras de abastecimento de água e esgoto previstas não só em Belém, mas também em outros municípios da região metropolitana, como Ananindeua e Marituba.

Obra na antiga área das docas de Belém para a construção do Parque de Bioeconomia e Inovação da Amazônia: organizações reclamam de falta de intervenções na periferia da cidade (Foto: Raoni Figueiredo / Agência Pará)
Obra na antiga área das docas de Belém para a construção do Parque de Bioeconomia e Inovação da Amazônia: organizações reclamam de falta de intervenções na periferia da cidade (Foto: Raoni Figueiredo / Agência Pará)

Justiça climática

O que a COP das Baixadas ambiciona é abrir desde já uma discussão sobre justiça climática, um tema que veio para ficar nas COPs. A constatação de que os efeitos do aquecimento global recaem de forma diferenciada dependendo da raça, gênero e condição social, vem ganhando força, adeptos e vozes na capital paraense. “As poucas informações que circulam na cidade sobre as intervenções urbanas, ficamos sabendo no Fórum Paraense sobre Mudanças Climáticas”, comenta Waleska, que tem um assento nas reuniões do fórum em nome da Rede Jandyras.

Consideramos que a realização da conferência em Belém é excelente para promover a Amazônia, mas é preciso tomar cuidado em relação a sustentabilidade do evento e qual é o legado que ficará para a cidade

Maria Netto
Diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade

A obra prevista para a Avenida Liberdade, uma via que corta a cidade, passa pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e é uma das apostas para desafogar o trânsito durante a COP30, virou alvo de críticas. O Quilombo do Abacatal, situado na cidade de Ananindeua e a cerca de dois quilômetros de distância da via, entregou à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas), no último dia 26 de março, a lista de projetos para compensar e mitigar os impactos do empreendimento na comunidade tradicional. “Abrimos mão da consulta prévia e informada”, explica Vanuza Cardoso, uma das lideranças do Quilombo do Abacatal.

Essa etapa costuma ocorrer no processo de licenciamento ambiental de qualquer empreendimento e está prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é um dos países signatários. O quilombo teria direito de brigar pela consulta prévia, mas desistiu já que a prática vem sendo desrespeitada em outros empreendimentos no estado. “Belo Monte é o melhor exemplo”, lembra Vanusa, explicando porque a comunidade preferiu pular etapas. Na lista de reivindicações para minimizar o impacto do empreendimento estão a ampliação do território, a construção de um posto de saúde e segurança.

Legado da COP30

O resultado da COP30 depende de muitos fatores, assim como o seu legado. As duas COPs realizadas no Rio de Janeiro, em 1992 e 2000, deixaram heranças importantes que pautaram o movimento ambiental mundial. A Rio92 aprovou as convenções do Clima e da Biodiversidade, e mais a Agenda 21. A Rio+20 estabeleceu os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

A COP30 marcará os 10 anos do Acordo de Paris – uma oportunidade para cobrar que a redução das emissões de gases de efeito estufa não passe de uma promessa. E mais: que se crie mecanismos de checagem para aferir o cumprimento das metas dos países para limitar o aquecimento global em 1,5ºC neste século, como previsto no Acordo de Paris. Na conferência, os países vão apresentar as novas Contribuição Nacionalmente Determinadas (NDCs) para 2035.

Para promover a cooperação internacional e estimular a ambição climática, foi aprovado em Dubai a “troika das presidências das COPs”. Pela primeira vez na história das conferências do clima as presidências das COP28 (chefiada por Sultan al-Jaber), 29 (que será comandada por Mukhtar Babayev) e 30 (ainda sem um presidente designado pelo governo brasileiro) se uniram em um acordo para que as presidências trabalhem juntas em um “Roteiro para a Missão 1,5°C”. A meta é criar coerência e continuidade nas decisões das três conferências, começando por Dubai, passando por Baku e chegando em Belém.

Só que fatores externos são determinantes para o sucesso ou o fracasso de qualquer conferência e não será diferente na COP30. Se Donald Trump ganhar as eleições americanas, por exemplo, corre-se o risco de os Estados Unidos saírem do Acordo de Paris – o que, de fato, já ocorreu no seu primeiro mandato. O apetite da China para crescer mais e mais é outra variável importante. Sem falar nas guerras em andamento na Europa e no Oriente Médio, na situação econômica internacional e nas crises sanitárias – a pandemia, por exemplo, levou a não realização da conferência, em 2020.

Como a COP30 vai ocorrer em um período pré-eleitoral, a expectativa de Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, é que o ambiente da conferência influencie positivamente no voto dos eleitores em 2026. “O perfil dos parlamentares, especialmente no Congresso Nacional, piora a cada legislatura e se afasta da agenda ambiental”.

Para a diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Maria Neto, a COP30 precisa deixar, no mínimo, um legado para Belém. Ela lembra, por exemplo, o que ocorreu na Copa do Mundo, de 2014, quando se gastou fortunas na construção da Arena Amazônia, um estádio enorme construído em um estado que sequer tinha time de futebol na primeira divisão do Campeonato Brasileiro. “Consideramos que a realização da conferência em Belém é excelente para promover a Amazônia, mas é preciso tomar cuidado em relação a sustentabilidade do evento e qual é o legado que ficará para a cidade”, comenta Maria.

Mas o legado para Belém é parte da herança da COP30. É preciso ir além, defende Maria Netto, comentando que pobreza e finanças são temas complementares e que perpassam a discussão climática. “A problemática da mudança do clima é uma problemática intrínseca de desenvolvimento sustentável”, analisa, defendendo que, por isso, talvez “as conferências do clima não sejam mais suficientes para as ambições que precisam assumidas”.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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