Marabá submersa: um alerta da crise climática chega ao Pará

Subida das águas do Rio Tocantins veio em volume recorde e antes da hora; para pesquisadores, eventos extremos já são efeito do aquecimento global

Por Amazônia Real | ODS 11ODS 13 • Publicada em 26 de janeiro de 2022 - 08:50 • Atualizada em 1 de dezembro de 2023 - 18:39

Marabá submersa pela cheia do Tocantins, a maior em 32 anos: pesquisadores apontam conjunção de eventos climáticos extremos (Foto: Paulo Cezar / Agência Pará)

(Alicia Lobato* – Manaus/AM) – É a maior cheia das últimas três décadas para o mês de janeiro no Rio Tocantins e ela chegou antes da hora. Os registros históricos indicam que as maiores cheias ocorreram em fevereiro, março, abril ou maio. Na quarta-feira (19), segundo a Defesa Civil, o nível do Tocantins atingiu o pico de 13,9 metros – em 1990, chegou a 14,4 metros. Mas, às 18 horas de segunda-feira (24), o boletim já indicava que o rio começava a baixar, alcançando 11,72 centímetros.

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O produtor musical Itair Rodrigues, 35 anos, que divide a casa com seus pais já idosos, diz estar assustado com a altura onde a água chegou neste ano. Morador do bairro da Marabá Pioneira desde 1990, ele afirma que as águas não chegavam tão próximas de sua casa desde 1997. Naquele ano, o bairro todo ficou ilhado e ele precisou se mudar com sua família para outro lugar mais alto.

“A diferença é que o rio chegou nesse nível por volta dos meses de março e abril, período quando as chuvas começam a diminuir por aqui. Este ano ainda estamos em janeiro. O acesso pela avenida principal (Avenida Antônio Maia) ainda está acontecendo normalmente. A minha preocupação é que ainda tem muita chuva pra cair até abril”, disse Rodrigues.

Cerca de 4 mil famílias foram atingidas por essa cheia inesperada. A Defesa Civil de Marabá informa que, atualmente, há 1.368 desabrigados e 13.158 desalojados. Os moradores de mais de dez bairros se deslocaram para pontos mais altos do município. Além de Marabá, a enchente afetou cerca de 30 municípios do norte do estado do Tocantins, onde mais de 3 mil pessoas também precisaram sair de casa. Propriedades rurais foram atingidas, animais tiveram de ser resgatados.

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Como a cheia chegou antes, e apesar de o Rio Tocantins já começar a baixar, a orientação é para as famílias permaneçam nos abrigos da prefeitura. Ao todo, são mais de 100 abrigos no município. Conforme o Serviço Geológico do Brasil (CRPM), a cheia do Rio Tocantins também atinge os estados de Maranhão, no Nordeste, e Goiás, no Centro-Oeste.

Segundo o CRPM, se as chuvas persistirem intensas, outros estados da região Norte poderão sofrer com inundações previstas para o primeiro semestre deste ano. A maior cheia já registrada em Marabá nos últimos dez anos deveria servir de alerta para os efeitos da crise climática.

Família usa barco para sair de casa no bairro São Félix, tomada pelas águas do Tocantins: Marabá tem 1.368 desabrigados e 13.158 desalojados (Foto: Alex Ribeiro / Agência Pará)
Família usa barco para sair de casa no bairro São Félix, tomada pelas águas do Tocantins: Marabá tem 1.368 desabrigados e 13.158 desalojados (Foto: Alex Ribeiro / Agência Pará)

Eventos extremos

O volume das chuvas está relacionado com o fenômeno climático “La Niña”, que faz com que a região Norte fique mais chuvosa durante essa época do ano. Com o resfriamento da temperatura dos oceanos, aumenta a incidência de chuvas. Mas a bióloga e doutora em ecologia Ludmila Rattis, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e do Woodwell Climate Research Center, adverte que com o aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera e “uma consequente mudança da temperatura dos oceanos, temos uma série de eventos que se desencadeiam o que chamamos de eventos climáticos extremos”. Na prática, é possível constatar o aumento da temperatura e mudanças na distribuição da chuva.

Dentro de um intervalo curto de tempo tem chovido mais do esperado o mês inteiro. Palmas, capital do estado do Tocantins e que faz divisa com o Pará, registrou mais de 800 milímetros de chuvas entre novembro e meados de janeiro deste ano. Só em Marabá, no sudeste paraense, foram 363 milímetros nesse período, segundo a Climatempo.

Os municípios não estão preparados para esse aguaceiro. “O nosso sistema de escoamento, o asfalto das cidades ou os próprios rios não têm como assimilar todo esse volume de água que cai de uma vez só. Temos que ver também onde que está caindo, em área que antes era floresta e agora é um terreno pavimentado”, diz Ludmila. “Isso vai se transformar em enchente, vai entupir bueiro, a casa das pessoas e tudo mais.”

Bombeiros do Tocantins resgatam móveis de casas alagadas pela cheia do rio: estado tem mais de três mil desalojados (Foto: CBMTO / Divulgação)

Embora as mudanças climáticas estejam se tornando cada vez mais visíveis, as políticas públicas estão longe de enfrentar esse problema, criticam pesquisadores como Ludmila. “O governo, em qualquer instância municipal, estadual, federal não começa a inserir as mudanças climáticas como parte do processo de planejamento de obras, de orçamento, de execução do projeto. Temos que levar em conta que o clima já mudou, e vai mudar ainda mais.”

O Corpo de Bombeiros Militar do Pará informou à reportagem que o Governo do estado do Pará tem reforçado os programas de cidadania para os atendimentos médicos das pessoas afetadas pela enchente, emissão de documentos, auxílio-financeiro de um salário mínimo e doação de cestas básicas e colchões.

O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) disse que as chuvas que têm atingido a bacia do Tocantins “são decorrentes da forte convergência de umidade no centro do Brasil, estabelecido pela zona de convergência da América do Sul”. Esse sistema meteorológico, segundo o Inmet, é o responsável pelo volume de chuvas no centro do Brasil no período do verão. “Como as chuvas começaram a voltar em Goiás de maneira isolada, a previsão do aumento da intensidade das chuvas nos estados do Goiás e Tocantins causou o aumento das chuvas na bacia do Tocantins como um todo”, informou.

*Alicia Lobato, repórter da Amazônia Real, é acadêmica de jornalismo, natural de Belém no Pará, e vive em Manaus desde 2017

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