Mais um exemplo do Rio que não anda

Projeto do ITDP Brasil, feito em 2013, mostra o potencial de transformação no entorno da Avenida Brasil. Foto Reprodução/ITDP Brasil

Em obras há cinco anos, corredor TransBrasil poderia beneficiar 58% da população e ampliar as oportunidades de emprego

Por Clarisse Linke | ODS 11 • Publicada em 27 de setembro de 2019 - 10:47 • Atualizada em 27 de setembro de 2019 - 15:53

Projeto do ITDP Brasil, feito em 2013, mostra o potencial de transformação no entorno da Avenida Brasil. Foto Reprodução/ITDP Brasil
Projeto do ITDP Brasil, feito em 2013, mostra o potencial de transformação no entorno da Avenida Brasil. Foto Reprodução/ITDP Brasil
Projeto do ITDP Brasil, feito em 2013, mostra o potencial de transformação no entorno da Avenida Brasil. Foto Reprodução/ITDP Brasil

(Com Beatriz Rodrigues) – Uma das principais vias que faz a conexão entre o Centro e as Zonas Norte e Oeste do Rio de Janeiro permanece em ritmo lento. A Avenida Brasil, palco onde está sendo implementado o quarto corredor de BRT (Bus Rapid Transit) da cidade, está em obras desde 2014. Segundo informações da Secretaria Municipal de Transportes, 760 mil passageiros e cerca de 25 mil ônibus passam diariamente pela Avenida. O corredor TransBrasil tem um potencial significativo para a população carioca, pois pode aumentar a qualidade das viagens, aprimorar a área do entorno das estações e contribuir para a redução das desigualdades no Rio.

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A melhora no acesso às oportunidades é maior principalmente para a população de mais baixa renda da metrópole carioca. De acordo com a pesquisa realizada pelo pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a finalização da obra pode beneficiar até 58% da população, aumentando o acesso às oportunidades de emprego em 23% para as pessoas de mais baixa renda. No entanto, esse benefício só será possível se o corredor for implementado de forma completa, ou seja, se a ligação com o Centro da cidade for feita por meio de infraestrutura com prioridade de passagem, como um efetivo corredor BRT, e com os terminais Margaridas e Missões.

Dos 1.040 ônibus que passam na Avenida Brasil por hora em direção ao Centro, 42% são ônibus intermunicipais. Foto ITDP Brasil

A rede de transporte de média e alta capacidade do Rio possui um diferencial entre as principais regiões metropolitanas do Brasil, pois ela se encontra localizada próxima de 30% da população residente. A média de cobertura dentre as regiões metropolitanas brasileiras é de 16% Recife e Curitiba têm, ambas, 23% de cobertura, enquanto em São Paulo o índice é de 20%. Neste contexto, a importância do corredor para a região metropolitana é evidente. Dos 1.040 ônibus que passam na Avenida Brasil por hora em direção ao Centro, 42% são ônibus intermunicipais, ou seja, vêm de outras cidades. O corredor também tem duas possibilidades de integração às estações da Supervia, no Terminal de Deodoro e na estação de Parada de Lucas. O plano operacional, que deveria estar sendo desenvolvido, é a peça-chave não apenas para o desenho estratégico da operação do corredor em si, mas principalmente para integrar e otimizar o sistema de transporte público como um todo ao longo de sua extensão.

O plano operacional define as linhas que passam dentro da calha do BRT, a rede de linhas alimentadoras, estabelece a localização e como serão feitas as transferências entre diferentes modos de transporte, os tipos de veículos que vão circular, os tipos de serviço (expressos, semi-expressos e paradores) que serão oferecidos e de que forma serão disponibilizadas as informações aos usuários. O Guia de Planejamento do BRT recomenda que as percepções de quem utiliza o transporte sejam levadas em consideração para definir o desenho da operação e, sem dúvida, a participação social para elaboração do plano é fundamental.

Integrações entre diferentes modos de transporte público de média e alta capacidade da região metropolitana também devem ser pensadas, buscando prover infraestruturas seguras e confortáveis que possibilitem a conexão entre as estações de trem e o metrô. A estação de BRT localizada em Bonsucesso, por exemplo, poderia ser localizada próxima à Avenida Paris, proporcionando maior proximidade com outros modos de transporte, como a estação de trem e o Teleférico do Alemão, o que traria benefícios para os usuários e para a população local para acessar serviços, espaços de lazer e locais de trabalho.

A Avenida Brasil corta e divide uma série de bairros predominantemente de baixa renda, segregando e dificultando o acesso entre ambos os lados da via. As obras do corredor TransBrasil podem ser uma oportunidade de reestruturação urbana desses bairros, aprimorando os espaços para os moradores, trabalhadores e visitantes da região. A oficina realizada pelo ITDP Brasil em 2013, em Bonsucesso, uma das estações planejadas do BRT TransBrasil, explorou recomendações para tornar esses espaços convidativos para a circulação de pedestres e ciclistas, a começar pelas travessias a partir das estações.

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O sistema de BRT do Rio tem enfrentado uma série de desafios. O mais emblemático sobre o estado do transporte público na cidade é o fechamento de 22 estações da Avenida Cesário de Melo, e a recente aprovação por parte da Câmara para liberação das pistas do sistema de BRT para táxis

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O sistema de BRT do Rio de Janeiro tem enfrentado uma série de desafios recentemente. O mais emblemático sobre o estado do transporte público na cidade é o fechamento de 22 estações da Avenida Cesário de Melo, e a recente aprovação por parte da Câmara para liberação das pistas do sistema de BRT para táxis, que podem prejudicar a rede de transporte público e impactar diretamente na mobilidade da população.

O ITDP e outras instituições internacionais, como o Banco Mundial, já documentaram uma série de pesquisas que demonstram os benefícios dos corredores de BRT com circulação exclusiva para ônibus e sem permissão para a circulação de veículos de uso individual. Quando implantados em uma rede integrada e densa, corredores de BRT permitem viagens mais rápidas, confiáveis e seguras, além de possibilitar maior diversidade de conexões entre as regiões da cidade ou região metropolitana e ganhos positivos para os usuários. No entanto, a gestão e operação deficientes colocam o sistema em risco.

Acreditamos que a finalização do corredor TransBrasil, o desenvolvimento do seu plano operacional e seu início de operação devem ser objeto de ampla discussão entre sociedade civil, técnicos e tomadores de decisão do poder público. O sucesso deste corredor seria um ganho enorme para a população e a mobilidade urbana na cidade do Rio de Janeiro.

Clarisse Linke

É Diretora do ITDP no Brasil e atua com políticas públicas desde 2001, com experiência no Brasil, Moçambique e Namíbia. É Mestre em Políticas Sociais pela London School of Economics. Entre 2006-2011, foi responsável pela expansão da BEN Namibia, se tornando a maior rede de bicicletas integrada a empreendimentos sociais na África sub-Saariana. Em 2010, foi premiada pela Ashoka no Desafio “Mulheres, Ferramentas e Tecnologia”. Clarisse é uma pessoa que só pensa em como transformar as cidades em lugares de felicidade.

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2 comentários “Mais um exemplo do Rio que não anda

  1. Rodrigo Luiz Sampaio disse:

    Nenhum BRT no mundo consegue ofertar os 60mil lugares por hora por sentido no pico que são necessários pro TransBrasil comportar a demanda atual do corredor numa lotação desumana de 8 pass/m² num ônibus! TransBrasil é operacionalmente inviável sem reduzir a demanda de passageiros do corredor. E pra reduzir essa demanda é fundamental investir na sistema de alta capacidade sobre Trilhos que já atende a região, sobretudo a Linha Gramacho (que não oferta mais lugares porque não tem energia elétrica pra alimentar mais trens ali). Contudo, nada irá mudar se não houver integração tarifária de verdade, fazendo ser vantajoso ir de ônibus até uma estação da SuperVia ou do Metrô (hoje esse custo é no mínimo R$8,55, chegando a custar até metade do salário dos trabalhadores apenas a tarifa de transporte). Vale lembrar que a Av Brasil também cruza a Linha Belford Roxo próximo a Barros Filho (na altura de Guadalupe, com os devidos investimentos na Linha, para torná-la mais expressa e atrativa, talvez fosse interessante construir uma estação nesse cruzamento, até por ter um shopping ao lado). Além disso, a operação do sistema BRT no Rio está desastrosa! No TransCarioca, por exemplo, o tempo de viagem mais que dobrou e já demora mais no BRT que nas linhas antigas em muitos casos (eu levava 30min de Madureira pro Fundão até 2016, hoje passa de 1h com a espera e é mais rápido dar a volta pelo Centro em vez de usar o BRT). BRT é uma ótima solução se bem planejada, integrada a rede e bem regulado pra garantir excelência operacional, mas parece que no Rio de Janeiro sequer entenderam o conceito de BRT e operam como frescões ou lotações com ônibus articulados.

  2. Danielle Nunes disse:

    Sobre a integração do BRT com a supervia Parada de Lucas, é um risco altíssimo. Para acessar esta estação é preciso passar pela favela de Parada de Lucas. Além disso, a distância é longa e a rua é deserta. No máximo, integração com a estação de Cordovil, cujo caminho é um pouco menor, mas também passa pela favela da Cidade Alta.
    As passarelas do BRT de vários trechos são perigosas e distantes de onde há movimentação de pessoas.
    Moro próximo à futura estação Missões e acompanho esta infeliz intervenção.

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