Jardins suspensos da Paulicéia

Samambaias, bromélias e outras plantas brotam nas paredes dos edifícios de São Paulo

Por Florência Costa | ODS 11ODS 13 • Publicada em 6 de outubro de 2016 - 22:17 • Atualizada em 9 de outubro de 2016 - 15:37

O primeiro corredor verde do Brasil está sendo construído justamente no Minhocão, no centro da capital paulistana. Foto Movimento 90º
O primeiro corredor verde do Brasil está sendo construído justamente no Minhocão, no centro da capital paulistana. Foto: Movimento 90º
O primeiro corredor verde do Brasil está sendo construído no Minhocão, no centro da capital paulistana (Foto Movimento 90º)

Com o horizonte tomado pelo cinza, como esverdear a cidade? A resposta que São Paulo começa a dar é: olhe para cima. A cidade, repleta de prédios com empenas cegas (aquelas paredes sem janelas), começa a colocar em prática a ocupação verde destes espaços verticais.

O primeiro corredor verde do Brasil está sendo construído justamente no Minhocão, no centro da capital paulistana. O elevado construído nos anos 1970 é um monstrengo de concreto que se tornou um marco da feiura cinza da Paulicéia Desvairada, um símbolo da degradação urbana.

[g1_quote author_name=”Guil Blanche” author_description=”Paisagista” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Os jardins verticais regulam a temperatura e a umidade do ambiente, atuam como poderosos filtros de poluição atmosférica, amenizam a poluição sonora e os problemas acústicos, além de contribuir esteticamente para o cenário da cidade.

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Cercado por uma parede de edifícios, o Minhocão (que se estende por três quilômetros, do Centro até a Zona Oeste e cruza centenas de prédios) impede a subida de gases gerados por veículos que circulam embaixo dele. Com samambaias, bromélias, alecrim e muitas outras espécies, os jardins suspensos vão amenizar esse problema. Cada painel tem de 5 mil a 15 mil mudas.

O corredor verde do Minhocão (que foi rebatizado, livrando-se do nome de um general da ditadura, Presidente Costa e Silva, para ganhar o de um governante eleito pelo povo, Presidente João Goulart) deverá ficar pronto até o final deste ano. Terá 10 edifícios com jardins verticais em suas empenas cegas. Seis já estão prontos.

Cartaz do Movimento 90º explica as vantagens do projeto

O primeiro jardim foi inaugurado em setembro do ano passado, no Edifício Fuds. O idealizador do projeto é o paisagista Guil Blanche, fundador do Movimento 90°, responsável pela instalação da vegetação vertical. Ele teve esta ideia há três anos, após mapear mais de 500 construções com empenas cegas que “agrediam” a paisagem da maior metrópole brasileira.  Só no Centro de São Paulo há 225 mil metros quadrados de espaço para receber plantas nestas muralhas urbanas.

As plantas abafam os ruídos e filtram 30% da poluição do ar. Segundo Blanche, estudos da Universidade de Michigan já mostraram que 5 mil metros quadrados de superfície com vegetação – o tamanho previsto do corredor verde – podem diminuir as emissões de dióxido de carbono em mais de 16 mil toneladas por ano. Os jardins verticais ajudam também a economizar energia com ar condicionado e ventilador porque a temperatura interna dos prédios chega a diminuir até 7 graus.

“Os jardins verticais regulam a temperatura e a umidade do ambiente, atuam como poderosos filtros de poluição atmosférica, amenizam a poluição sonora e os problemas acústicos, além de contribuir esteticamente para o cenário da cidade”, diz Blanche.

Antes da Lei Municipal da Cidade Limpa (2007) – que regula o tamanho dos letreiros e placas comerciais para não poluir o visual da cidade – as empenas cegas eram cobertas por imensos outdoors. Há um ano, a prefeitura de São Paulo regulamentou um decreto que permite a empresas que destruíram áreas verdes a fazer a compensação ambiental patrocinando a construção de jardins em toda a cidade. Uma vez identificada uma empena cega, o movimento apresenta o projeto a empresários que possam estar interessados em marcar uma posição socioambiental.

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Estes metros e metros de cimento aumentam as temperaturas das cidades de 2 a 4 graus. O fenômeno, chamado “ilhas de calor urbano”, vai ser cada vez mais problemático no próximo século.

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A manutenção é paga pelas incorporadoras nos seis primeiros meses. Depois a prefeitura assume. Cada instalação custa em média R$ 250 mil no primeiro ano, incluindo instalação e manutenção. O painel só é instalado se os moradores do edifício concordarem.

Entre o jardim e a parede há uma distância para impedir que a umidade passe aos apartamentos. Isso previne infiltrações. Os projetos são sustentáveis.

“Todas as irrigações do jardim são feitas com água da chuva captada no telhado. A chapa (onde as plantas serão fixadas) é feita de material reciclado. A própria estrutura já tem o reaproveitamento de material.  São usados fertilizantes orgânicos que melhoram a qualidade das plantas”, explicou Blanche.

O jardim vertical está sendo feito em parceria com artistas contemporâneos para ser também uma espécie de exposição verde permanente. Um dos painéis tem o desenho de uma carranca, símbolo da cultura ribeirinha no coração de São Paulo.

“Estes metros e metros de cimento aumentam as temperaturas das cidades de 2 a 4 graus. O fenômeno, conhecido chamado “ilhas de calor urbano”, vai ser cada vez mais problemático no próximo século. O Reino Unido, por exemplo, perdeu 25% dos jardins privados nos últimos 15 anos, sendo 46% em Londres”, argumenta Mathew Wood, artista e jardineiro experimental, durante evento no Minhocão para mostrar os primeiros jardins verticais, no dia 11 de setembro.

Atualmente, lembrou ele, 54% da população mundial vivem em áreas urbanas. Em 2050, serão 70%, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). “A gente virou uma espécie urbana. Além de descobrir como viver bem, temos que descobrir como viver juntos. Temos de utilizar o espaço de uma maneira diferente”, constatou Wood.

Agora, o Movimento 90 º quer levar esta experiência para outras cidades do país. Belo Horizonte e Rio de Janeiro estão na mira.

Um dos painéis tem o desenho de uma carranca, símbolo da cultura ribeirinha no coração de São Paulo. Foto Movimento 90°
Florência Costa

Jornalista freelance especializada em cobertura internacional e política. Foi correspondente na Rússia do Jornal do Brasil e do serviço brasileiro da BBC. Em 2006 mudou-se para a Índia e foi correspondente do jornal O Globo. É autora do livro "Os indianos" (Editora Contexto) e colaboradora, no Brasil, do website The Wire, com sede na Índia (https://thewire.in/).

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