Luize Sampaio*
No dia 30 de dezembro, a Agetransp (Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos de Transportes Aquaviários, Ferroviários e Metroviários e de Rodovias do Estado do Rio de Janeiro) autorizou um aumento de 25,5% no preço da passagem dos trens urbanos do Rio de Janeiro, que ligam o centro da capital aos subúrbios e à Baixada Fluminense. São mais R$ 1,20 por viagem – R$ 2,40 diários para quem usa o trem para ir e voltar do trabalho. O aumento provou a reação de organizações, sindicatos e movimentos sociais — como o Meu Rio, a União Estadual dos Estudantes e Casa Fluminense — que criaram o Movimento Contra o Aumento da Passagem. “Esse aumento de tarifa é uma covardia ainda mais durante esse momento que a gente tá vivendo”, protesta o auxiliar de serviços gerais, Luiz Gustavo Silva, morador de Duque de Caxias, na Baixada.
A organização Meu Rio, apoiada por outros grupos da sociedade civil, lançou uma campanha virtual contra o reajuste. No site, a população pode ajudar o movimento enviando uma mensagem direta ao governador do Rio, Cláudio Castro, e também para a Supervia, concessionária do serviço, a Secretaria de Estado de Transporte e a Agetransp. A pressão digital conseguiu adiar o aumento que estava previsto, inicialmente, para esta terça (02/02), por 20 dias. A mobilização presencial contra o reajuste abusivo começou com manifestações nas estações ferroviárias e culminou com um ato, nesta segunda(01/02), em frente à sede da Agestrans, no Centro do Rio.
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Veja o que já enviamosEm meio a pandemia, a concessionária usou a crise para solicitar o aumento: a Supervia transportava cerca de 600 mil passageiros por dia até o começo do ano passado. Com o avanço da covid-19 e as medidas restritivas, o número de pessoas transportadas caiu pela metade. O governo do Rio afirmou, ao anunciar o adiamento, que vai negociar um novo valor e um termo aditivo no contrato de concessão da Supervia, que vai até 2048. Queremos o cancelamento desse aumento, mas não só isso. Vamos cobrar também mais transparência da Agetransp e Supervia, para eles abrirem essa caixa preta e a gente poder entender como funciona a fórmula que calcula o reajuste da tarifa”, afirma Debora Pio, gestora da organização Nossas, uma das envolvidas no Movimento Contra o Aumento da Passagem.
Os trens são a maneira mais rápida da população das zonas Norte e Oeste do Rio e da Baixada Fluminense chegarem a região central da cidade, onde estão a maioria dos empregos. “A pandemia ainda não acabou, mas a gente tem que trabalhar até porque todas as contas estão ficando mais caras. É difícil. Se eu não conseguir mais vir de trem para o trabalho, vou ter que pegar o trânsito da Avenida Brasil até o centro do Rio. Um trajeto que faria em 30 minutos, vou demorar 1h30”, explica o auxiliar Luiz Gustavo.
O Mapa da Desigualdade, elaborado pela Casa Fluminense, mostra que a população nessas regiões chega a gastar um terço da sua renda no transporte. “Adiar não é cancelar. Pela Casa Fluminense, estamos buscando estimular a articulação contra o aumento da passagem entre diversos setores sociais, com movimentos estudantis, mandatos parlamentares es organizações que defendem o transporte público como direito”, explica Henrique Silveira, coordenador geral da Casa Fluminense.
‘R$ 5,90 é sacanagem’
Nas últimas semanas, o Movimento Contra o Aumento da Passagem tem marcado presença nas estações para conversar com a população usuária dos trens sobre o reajuste nas estações de Queimados, Central do Brasil, Madureira, São Cristóvão, Campo Grande, Belford Roxo, Nilópolis, Coelho da Rocha, Santa Cruz e Bangu. “Durante a panfletagem, olhei lá pra dentro da estação e vi uma multidão de cabeças baixas, lendo. Pessoas vieram nos pedir folhetos pela grade! Não faltou discussão”, conta Lennon Medeiros, da bxd_Qm2, organização cultural de Queimados. “Teve um cara que parou na escada e resolveu nos ajudar gritando ‘R$5,90 é sacanagem’. Teve um outro que ficou ligando para as pessoas para contar que a passagem ia aumentar, falando que o certo era fazer greve. A maior parte da população estava comentando que a qualidade do serviço está cada vez pior”, relatou Lennon.
Diretora de assistência estudantil da UEE-RJ, Dani Marinho reforça que, com o agravamento da desigualdade social e a alta na taxa de desemprego, principalmente entre os jovens, essa mobilização contra o reajuste é uma luta também da juventude fluminense. “Somos atravessados e conectados de muitas formas pelo trem, desde os MCs e poetas que utilizam os ramais pra expressar sua arte e gerar uma grana, até os estudantes universitários, que saem de todos os cantos com destino à UERJ e outras instituições. Com o estado do Rio EM crise financeira, ainda temos que encarar uma proposta absurda de aumento de R$1,20 na passagem”, lamentou Dani, também militante do coletivo RUA – Juventude Anticapitalista.
Henrique Silveira, da Casa Fluminense, explica que é necessário estimular uma rede de monitoramento e cobrança contínua sobre a questão do transporte nas metrópoles. “Identificamos as articulações em São Paulo como o Movimento Passe Livre e o pessoal do Tarifa Zero em Belo Horizonte, e aqui no Rio de Janeiro fica o desafio de fortalecer um movimento semelhante que discuta acesso e financiamento também”, explica Silveira.
Em maio, a Casa Fluminense foi uma das 36 entidades signatárias de carta enviada a autoridades do governo federal, aos parlamentares, a associações municipalistas e empresariais, e a representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública alertando para o impacto da pandemia sobre o sistema de transporte e a necessidade de medidas especiais – que nunca vieram. Em entrevista ao #Colabora, o coordenador de Informação da Casa, o economista Vitor Mihessen alertou que a pandemia acabou escancarando a crise estrutural do transporte público, que tem um modelo de financiamento no qual as concessionárias ganham com a superlotação do sistema.