ODS 1
Receba as colunas de Oscar Valporto no seu e-mail
Veja o que já enviamosCopacabana, a praia das celebridades e das multidões muito antes de Lady Gaga
Hotel de luxo, anfitrião de artistas de Hollywood e reis, ajudou a tornar o bairro internacional; alargamento da faixa de areia facilitou eventos com grandes públicos
“Show de mega-estrela pop internacional – de graça – faz história nas areias de Copacabana”. Com os little monsters lotando a praia no sábado após dias de vigília por Lady Gaga e fãs fazendo comparações com a apresentação de Madonna, um ano atrás, a primeira frase parece a abertura de uma crônica sobre o assunto da semana no Rio de Janeiro.
Não é. E não deixa de ser. Mas o show que inspirou a frase inicial deste #RioéRua já completou 30 anos. Na virada de 1994 para 1995, o cantor Rod Stewart – estrela de primeira grandeza do rock mundial, ainda em plena forma e nos píncaros da fama, fez o primeiro show internacional de graça na Praia de Copacabana. Parece exagero (talvez seja mesmo) mas os jornais da época estimaram a multidão em 3,6 milhões de pessoas: de qualquer forma, a apresentação de Rod Stewart entrou para o Guinness, o livro dos recordes, como o maior público de um concerto gratuito (está lá até hoje).
Leu essa? Lady Gaga no Rio: 10 momentos em que a ‘mother monster’ apoiou a comunidade LGBT+
Nos anos 1990, o Réveillon de Copacabana já era o Réveillon de Copacabana, com público sempre esperado na casa dos milhões e a queima de fogos entre as mais famosas do mundo. Naturalmente, a festa de Réveillon engordou a plateia do show – o próprio Guinness Book admite – e o concerto do astro escocês levou ainda mais gente para a praia na virada do ano. Era uma oportunidade – a primeira – de ver uma estrela pop de graça no Rio: o palco foi montado exatamente no mesmo lugar onde, três décadas depois, se apresentaram Madonna e Lady Gaga: em frente ao Copacabana Palace.

Na verdade, o hotel de luxo, com seus mais de 200 quartos, é o responsável por Copacabana e sua praia serem os lugares mais frequentados pelas celebridades internacionais no Rio de Janeiro, desde que foi inaugurado em 1923, quando o bairro, hoje famoso no mundo inteiro, tinha ainda poucas casas. Copacabana tinha começado a ser urbanizada trinta anos antes com a abertura do túnel que liga o bairro a Botafogo para a instalação da primeira linha de bondes. A construção do Copacabana Palace, a partir de 1920, pela família Guinle, uma das mais ricas do país, foi incentivada pelo presidente da República, Epitácio Pessoa; e teve projeto inspirado em hotéis da Riviera Francesa.
Receba as colunas de Oscar Valporto no seu e-mail
Veja o que já enviamosA partir da inauguração, passou a receber hóspedes de todas as partes do mundo, atraídos pelo luxo e pela paisagem. Mas a primeira celebridade a assinar o ‘Livro de Ouro’ do Copacabana Palace, tradição criada pelo hotel para registrar seus hóspedes mais famosos, foi um brasileiro – o internacionalmente consagrado Santos Dumont, criador de dirigíveis e aviões, em 1928. Há nove décadas, em 1931, os príncipes Edward e George, da Inglaterra (respectivamente, tio e pai da Rainha Elizabeth, ambos futuros reis). O ‘palácio à beira-mar’, como anunciava sua propaganda, impulsionou a ocupação de Copacabana, atraindo restaurantes e lojas para atender os hóspedes. Ficou chique morar em Copacabana – inicialmente visto como um areal distante pela elite carioca: novos moradores, modernos edifícios residenciais, casas de espetáculos
Há oito décadas, o Copacabana Palace já colecionava hóspedes célebres, incluindo estrelas de Holywood: Henry Fonda (ainda em 1939), Errol Flynn (1940), Douglas Fairbank Jr (1941). Em agosto de 1941, o produtor e diretor Walt Disney desembarcou com uma equipe de 16 pessoas no Copacabana Palace: foi fotografado filmando nas areias de Copacabana, andou pela praia, encontrou artistas, visitou a Portela e foi recebido pelo presidente Getúlio Vargas. – no ano seguinte, voltaria à Copacabana e ao hotel, após lançar a animação “Alô, Amigos, com o Pato Donald e o Zé Carioca, o mais brasileiro dos personagens da Disney, criado pelos desenhistas que o acompanharam.

O Rio de Janeiro ganhou outros hotéis cinco estrelas na cidade, mas o Copa – já íntimo dos cariocas – não deixou de ser o preferido das celebridades: os paparazzi passaram a fazer parte da paisagem no entorno do hotel. Há sete décadas, em 1953, a atriz Ava Gardner, considerada a mulher mais bonita do mundo, chegou ao hotel perseguida por jornalistas, depois de causar tumulto em outro hotel porque, entre outras coisas, queria ficar no Palace, indicado por outras estrelas holywoodianas: Orson Welles, Tyrone Power, John Wayne, Rita Hayworth. Há seis décadas, a francesa Brigitte Bardot, com status de beleza semelhante, deu uma entrevista coletiva na varanda do hotel para tentar aplacar a curiosidade da mídia – depois, escondeu-se em Búzios.
O alargamento da praia e a duplicação da Avenida Atlântica, no começo da década de 1970, mudaram um tanto a paisagem da orla de Copacabana, já então um bairro densamente povoado e menos elitista – os mais endinheirados passaram a viver em Ipanema, Leblon e Lagoa. A festa de Réveillon, iniciada por devotos da umbanda nos anos 1950, passou a receber mais gente, com o aumento do espaço na areia. Há cinco décadas, começaram as queimas de fogos.
O bairro pode ter perdido algum glamour mas o Copacabana Palace continuou o preferido de monarcas (a Rainha Elizabeth se hospedou lá em 1968, um solteiro Príncipe Charles fez o mesmo em 1979; e, em 1991, levou a princesa Diana), presidentes (inclusive Bill Clinton e Nelson Mandela) e artistas. Há quatro décadas, quase a metade dos quartos do hotel foram ocupados pelos integrantes – e as equipes técnicas das bandas – das Queen, Iron Maiden e AC/DC, que vieram para o primeiro Rock in Rio, em 1985.
Três décadas atrás, começaram os shows nas areias. De 1993 para 1994, o Réveillon teve apresentação de Jorge Ben Jor, com participação de Tim Maia e uma multidão na areia em frente ao Copacabana Palace. No mesmo lugar, nano seguinte, houve o show histórico, em número de pessoas, de Rod Stewart que foi impedido de se hospedar no hotel – em 1977, de passagem pela cidade, o cantor escocês, apaixonado por futebol, foi expulso do Copa após promover uma pelada dentro da suíte presidencial.

Os shows no Réveillon passaram a ser uma tradição: espalharam-se, primeiro, por outros pontos da praia de Copacabana e depois por outras praias e praças da cidade. O palco principal permaneceu em frente ao Copacabana Palace e ali foram montados outros espetáculos com estrelas internacionais, sempre aproveitando a estrutura e a fama do hotel: duas décadas atrás, Lenny cantou, em março de 2005, nas comemorações dos 440 anos de fundação da cidade; em fevereiro de 2006, mais de 1,5 milhão de pessoas foram ao show dos Rolling Stones, considerado o maior público da banda britânica. Na década seguinte, no dia de Natal de 2012, Copacabana assistiu a Stevie Wonder com direito a participação emocionante, de quase uma hora, de Gilbertp Gil. Todos shows gratuitos – como os de Madonna e Lady Gaga.
O alargamento da praia e duplicação das pistas transformaram Copacabana também em palco de eventos esportivos – nos Jogos Olímpicos de 2016, suas areias receberam a arena do vôlei de praia, viraram área para o público acompanhar as competições de maratona aquática e triatlon e viraram o ponto de encontro de todas as tribos. Na Copa do Mundo de 2014, a Fifa montou sua maior Fun Fest (com telões para ver os jogos) em Copacabana, onde dezenas de torcedores, principalmente de nossos vizinhos sul-americanos, acamparam durante o mundial de futebol. E para grandes manifestações de todos os tipos: da tradicional e anual Parada do Orgulho LGBT+ a missa campal celebrada pelo Papa Francisco, em 2013, para uma multidão estimada em 3,7 milhões.
Copacabana – que completa oficialmente 133 anos em julho (o aniversário é celebrado na data de abertura daquele túnel citado parágrafos atrás) – já era internacionalmente conhecida e atraía celebridades e multidões muito antes de Lady Gaga. Mas, por tudo isso mesmo, não poderia haver palco melhor para uma cantora com público tão grande e diverso fazer o maior show de sua carreira.
Apoie o #Colabora
Queremos seguir apostando em grandes reportagens, mostrando o Brasil invisível, que se esconde atrás de suas mazelas. Contamos com você para seguir investindo em um jornalismo independente e de qualidade.