Estamos vivendo duas falhas importantes e sobrepostas do capitalismo. Não conseguiu se preparar adequadamente para a pandemia do coronavírus – como, por exemplo, na distribuição de suprimentos e serviços médicos vitais. E, além disso, fracassou ao não lidar adequadamente com a crise econômica causada tanto pelo vírus como na preparação precária contra seus efeitos – desemprego em massa, declínio na produção e congelamento do mercado de crédito.
No entanto, podemos tirar algo positivo de tudo isso. Este exercício exige prestar atenção nas lições deixadas.
A maioria dos governos, especialmente aqueles ainda seduzidos pelos ideias do neoliberalismo, se apegaram à busca de lucro privado como se isso garantisse as necessidades sociais básicas. Não garante nem nunca garantiu, e o resultado de não conseguirem ter outra visão de mundo é o que nos ameaça agora.
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Veja o que já enviamosNa última década, muitos países tiveram políticas econômicas austeras, como se a dívida pública fosse o problema. O resultado tem sido a erosão das mesmas instituições do setor público das quais precisamos em crises como a provocada pela pandemia. No caso atual, medidas de salvamento terão de vir com condições claras.
Um processo muito mais amplo e democrático será decisivo em um sistema de necessidades sociais básicas derivada de um crash provocado pelo vírus.
O choque exógeno na economia destruiu trilhões de dólares de riqueza, enquanto o Covid-19 leva milhões de pessoas ou ao desemprego ou ao túmulo. De novo, com a exposição da incapacidade da direita de ter um envolvimento mínimo nos mercados e pela sua defesa de um individualismo sem medida em desfavor do bem social mais amplo.
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A pandemia expandiu o espectro de futuros imagináveis e possibilidades políticas. E algumas destas possibilidades envolvem um modo de pensar que nos aproxima de modelos de desenho mais socialistas. O vírus validou a máxima de que todos somos dependentes dos outros.
Quando um país deixa de ter uma infraestrutura de saúde pública para conter uma doença infecciosa, a saúde pública de todas as nações fica comprometida. No caso dos Estados Unidos, onde não existe um sistema público de saúde, os cidadãos não podem se dar ao luxo de ficar em casa e nem têm aceso a cuidados médicos quanto estão doentes. Como resultado, o bem-estar de todos está em risco.
A pensadora americana Naomi Klein, atenta observadora das desigualdades sociais e influência importante na guinada à esquerda de milhões de jovens em seu país na última década, diz que a pandemia está deixando à luz as extremas injustiças de nosso sistema social e econômico. Segundo ela, a crise revela a necessidade urgente de cuidados de saúde públicos universais, e de um New Deal Verde, pago por impostos maiores para indivíduos ricos e corporações.
O economista Simon Mair, da Universidade de Sussex, teme uma queda ao barbarismo. Depois de um período de altos gastos governamentais, os serviços públicos podem ser cortados – ou mesmo eliminados. Tais medidas de austeridade podem levar ao colapso tanto dos sistemas de bem-estar estatais como de comunidades. Neste cenário, os negócios quebram e trabalhadores passam fome porque não há mecanismos disponíveis para enfrentar a realidade impiedosa dos mercados. Os hospitais não são apoiados por medidas extraordinárias, e as pessoas morrem.
A economista italiana Mariana Mazzucato, também de Sussex, acredita da mesma forma que a pandemia irá expor mais as falhas da sociedade capitalista. Isso, ela diz, deverá mudar o como como pensamos o trabalho, especialmente em relação à “economia dos bicos” e aos direitos dos trabalhadores.
Não aprendemos a lição da crise financeira de 2008. Governos inundaram a economia de liquidez sem dirigi-la para bons investimentos. Como resultado, o dinheiro acabou voltando para o setor financeiro – que era, e é, incapaz para a tarefa.
Eu acompanho a Naomi Kelin também. Ela vinha estudando as “shock doctrines”, ou seja momentos de exceção dos governos, e aí veio a Covid e muitos países decretaram calamidade pública e outras medidas de choque. O que ela diz: “After 2 decades of studying the Shock Doctrine, the most important lesson I have learned is this: when they declare a state of emergency, when they say we don’t have the right to protest, that is the moment to flood the streets. It’s the only thing that has ever worked.”