As luzes dos centros de convenções da COP30, em Belém, estão prestes a serem desligadas, e as discussões sobre metas de carbono muitas vezes parecem distantes da realidade do asfalto quente e das vielas brasileiras. No entanto, se olharmos com atenção para o território, veremos que a resposta para a crise climática e econômica não está sendo apenas debatida em Genebra ou Nova York; ela está sendo prototipada diariamente em lugares como São Miguel Paulista, na Zona Leste de São Paulo.
As periferias, historicamente vistas sob a ótica da escassez, estão virando a chave. Elas deixaram de ser apenas o lugar da “viração”, do hackear estruturas, para se tornarem laboratórios de ponta em inovação social e ambiental. E aqui, a tecnologia não é necessariamente um app ou um gadget do Vale do Silício; é a inteligência de quem sempre precisou fazer muito com pouco. Eu costumo chamar de “gambiarrologia”.
Um exemplo prático de como essa engrenagem gira é o trabalho do Instituto Aromeiazero. Enquanto o mundo discute mobilidade limpa em painéis teóricos, a organização desce para o território com o projeto Viver de Bike. A iniciativa ataca em três frentes simultâneas: ensina mecânica, introduz a gestão financeira e fomenta o empreendedorismo.
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Veja o que já enviamosO resultado é uma aula de economia circular aplicada: a bicicleta, veículo de zero emissão, torna-se instrumento de renda. O morador aprende a consertar, a gerir e a empreender. Isso mitiga impacto ambiental e coloca dinheiro no bolso de quem mais precisa.
Quem vivencia essa transformação no dia a dia é Rogério Rai, mobilizador de territórios do instituto e uma das vozes centrais desse movimento. Ele não fala de fora; ele fala de dentro.
Rai fundou o Pedale-se, uma empresa de cicloturismo focada em ressignificar a região de São Miguel Paulista. Para ele, o que está acontecendo agora é uma mudança de paradigma sobre quem detém o conhecimento técnico e econômico. “Eu tenho acompanhado de perto como essas iniciativas transformam desafios em oportunidades reais de desenvolvimento econômico inclusivo”, relata Rai.
Mas é óbvio que não dá para falar dessa inovação sem contextualizar raça. O Censo de 2022 escancarou o que a vivência já mostrava: a periferia é majoritariamente negra e parda. O crescimento da presença negra nesses territórios nos últimos 12 anos indica que as soluções que emergem dali carregam essa identidade.
Aqui, riscamos o chão: quando um negócio de impacto surge na favela, ele desafia a lógica do capitalismo tradicional, que muitas vezes é excludente e predatório. O empreendedorismo periférico, nessa nova roupagem, busca o bem-estar coletivo e a sustentabilidade, não apenas o lucro pelo lucro. Segundo Rogério, reconhecer a potência da população negra é vital para entender esses novos arranjos econômicos.
“Pessoas negras, historicamente marginalizadas, revelam um potencial imenso para criar modelos econômicos que priorizam a sustentabilidade e o bem-estar coletivo, distanciando-se das lógicas excludentes que marcaram a história econômica do país”.
Passados quase 15 dias de Conferência em Belém, o resultado mais latente é de que justiça climática não virá de cima para baixo. Ela já está sendo construída por quem entende que cuidar do meio ambiente é também cuidar da própria comunidade, onde o “bico” virou hub de inovação; a necessidade virou metodologia.
Ao encerrarmos mais um ciclo de debates globais sobre a crise climática, a lição que fica vem de Rogério Rai e de tantos outros mobilizadores: a periferia não está pedindo licença, está apresentando soluções. “O que surge nesses territórios não é apenas resistência, mas um convite para reimaginar a economia do amanhã”.
