As enormes surpresas do censo demográfico no Rio Grande do Sul

Moradores caminham pelo Centro Histórico de Porto Alegre. De acordo com o Censo 2022, população da cidade teve uma redução de quase 80 mil pessoas. Foto Prefeitura de Porto Alegre

População em 2022 ficou praticamente estável e 290 municípios tiveram redução no número de habitantes

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 11 • Publicada em 14 de agosto de 2023 - 09:01 • Atualizada em 23 de agosto de 2023 - 09:24

Moradores caminham pelo Centro Histórico de Porto Alegre. De acordo com o Censo 2022, população da cidade teve uma redução de quase 80 mil pessoas. Foto Prefeitura de Porto Alegre

O IBGE divulgou os primeiros resultados do censo demográfico de 2022, no último dia 28 de junho. A população brasileira reduziu o ritmo de crescimento. De fato, os demógrafos esperavam um ritmo menor, mas o número de 203.062.512 habitantes, em 01 de agosto de 2022, veio abaixo do esperado. Houve aumento de 12 milhões de pessoas entre 2010 e 2022, representando um crescimento de 6,5% no período intercensitário, ou 0,52% ao ano.

Comentando os primeiros resultados do censo, escrevi, aqui no # Colabora, o artigo “As surpresas do Censo 2022 e a distribuição geográfica da população” (Alves, 03/07/2023) onde mostro que o número esperado estava mais próximo de 207 a 209 milhões de habitantes. Porém, precisamos aguardar a pesquisa de avaliação do censo e novas informações (como sexo, idade, migração) do IBGE para entender melhor o que aconteceu com a dinâmica demográfica brasileira.

Em uma outra escala geográfica, os dados divulgados pelo IBGE para o Rio Grande do Sul também causaram surpresa, pois o ritmo de crescimento populacional veio bem abaixo das projeções do próprio Instituto e abaixo de todas as expectativas.

O gráfico abaixo, com dados dos 13 censos que ocorreram nos últimos 150 anos da Independência, mostra a população gaúcha e as taxas de crescimento geométrico anual dos períodos intercensitários. A população do Rio Grande do Sul era de 434,8 mil habitantes em 1872 (nos 50 anos da Independência do Brasil), passou para 897,4 mil em 1890 e ultrapassou 1,1 milhão de habitantes em 1900.

Em 1950 chegou a 4,2 milhões, ultrapassou 10,1 milhões no ano 2000 e alcançou 10,7 milhões em 2010. Nos últimos 12 anos o crescimento quase parou e chegou a 10,88 milhões de habitantes em 2022.

Entre 1872 e 1890 o crescimento médio anual da população sul-rio-grandense foi de 4,1% ao ano (o maior crescimento de toda a série). Entre 1890 e 1900 o crescimento caiu para 2,5% aa e subiu para 3,3% aa entre 1900 e 1920. Entre 1920 e 1940 voltou a cair para 2,1% aa, mas subiu para 2,3% aa entre 1940 e 1950 e para 2,7% aa entre 1950 e 1960. A partir da década de 1960 a taxa de crescimento veio caindo progressivamente ficando em apenas 0,5% ao ano na primeira década do século XXI e em 0,1% aa entre 1910 e 2022.

O gráfico abaixo, de artigo da Folha de São Paulo (28/06/2023), mostra a evolução da população das 27 Unidades da Federação entre 1872 e 2022. Nota-se que o Rio Grande do Sul estava em 7º lugar no ranking das maiores UFs do país em 1872 (atrás apenas de MG, BA, RJ, PE, SP e CE). Em 1920, o Rio Grande do Sul já tinha ultrapassado Pernambuco e Ceará, atingindo o 5º lugar. Em 2022, foi ultrapassado pelo Paraná e caiu para o 6º lugar no ranking do tamanho das Unidades da Federação (atrás de SP, MG, RJ, BA e PR).

A figura abaixo mostra a pirâmide populacional do Rio Grande do Sul para 2010, sobreposta à pirâmide do Brasil. Nota-se que a estrutura etária sul-rio-grandense é um pouco mais envelhecida do que a estrutura etária brasileira, mas a quantidade de idosos é baixa em ambas as distribuições de sexo e idade.

Exatamente por ter uma estrutura etária não muito envelhecida, a projeção do IBGE (feita em 2018) indicava que as curvas de nascimentos e mortes do RS iriam se encontrar em 2039, com os números dos eventos vitais em torno de 115 mil. A partir daí as curvas se inverteriam e o estado do Rio Grande do Sul iniciaria um processo de decrescimento populacional estrutural no restante do século. Portanto, os dados do censo 2022 causaram surpresa, pois esta inversão da curva deve acontecer com muita antecedência.

Houve queda da população em 290 municípios gaúchos

O estado do Rio Grande do Sul apresentou um pequeno crescimento populacional entre 2010 e 2022, mas a maioria dos 497 municípios gaúchos registrou decrescimento demográfico no período. Foram 207 cidades com crescimento da população e 290 cidades com redução do número de habitantes. A cidade de Caxias do Sul apresentou o maior crescimento, pois tinha 435.564 habitantes em 2010 e passou para 463.338 habitantes em 2022, um aumento de 27.774 pessoas no período intercensitário.

A capital gaúcha foi a cidade que teve o maior decréscimo absoluto no estado do Rio Grande do Sul, embora a população de Porto Alegre tenha se multiplicado 30 vezes nos últimos 150 anos. Em 1872, no quinquagésimo aniversário da Independência do Brasil, Porto Alegre era a 5ª maior capital, com 44 mil habitantes, sendo maior que a cidade de São Paulo que ficava em 9º lugar e tinha somente 31,4 mil habitantes. Em 1872, Porto Alegre estava atrás apenas do Rio de Janeiro (275 mil), Salvador (129 mil), Recife (116,7 mil) e Belém (62 mil).

A população porto-alegrense ultrapassou 1 milhão de habitantes em 1980, chegou a 1.409.351 em 2010 e caiu para 1.332.570 habitantes em 2022, segundo as informações do último censo demográfico. Em 2022, a cidade de Porto Alegre era a 11ª capital em tamanho populacional, ficando atrás de São Paulo (11,5 milhões), Rio de Janeiro (6,2 milhões), Brasília (2,8 milhões), Fortaleza (2,43 milhões), Salvador (2,42 milhões), Belo Horizonte (2,32 milhões), Manaus (2,1 milhões), Curitiba (1,77 milhões), Recife (1,49 milhões) e Goiânia (1,44 milhões).

O ritmo de crescimento populacional da capital gaúcha já estava diminuindo desde 1980, em função do avanço da transição demográfica. Mas a diminuição de 76.781 pessoas entre 2010 e 2022 foi uma surpresa e não estava prevista sequer nas projeções e estimativas do IBGE.

Considerando os dados do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), do Ministério da Saúde, a cidade de Porto Alegre teve 213,7 mil nascimentos e 146,9 mil óbitos entre agosto de 2010 e julho de 2022.

Desta forma, ao contrário do decrescimento apontado no censo 2022, houve um crescimento vegetativo (nascimentos – mortes) de 66,7 mil pessoas no último período intercensitário, segundo os dados do Ministério da Saúde. Isto significa que o valor de 1,33 milhões de porto-alegrenses, em 01 de agosto de 2022, indicado pelo censo, só se justifica se tiver havido uma emigração de 143.528 pessoas que deixaram a cidade nos últimos 12 anos.

Como o IBGE ainda não divulgou os dados de sexo, idade, educação, mercado de trabalho e migração seria prematuro fazer uma avaliação mais detalhada e precisa. Mas ao longo dos próximos meses o Instituto vai divulgar as demais informações do censo demográfico de 2022 e os cientistas sociais poderão se debruçar sobre os dados para entender o tamanho da população e o perfil sociodemográfico da sociedade nacional, em todas as suas escalas geográficas.

 As dificuldades para a realização do censo demográfico de 2022

Indubitavelmente, o censo demográfico é a mais profunda e abrangente pesquisa do país, sendo fundamental para a formulação das políticas públicas e para a decisão de investimentos da iniciativa privada. Mas é preciso reconhecer que houve muita dificuldade para se realizar o recenseamento 2022. O governo passado restringiu os recursos para o IBGE se equipar e se preparar para realizar o levantamento em 2020. As dificuldades já eram grandes quando veio a pandemia da covid-19 que inviabilizou a realização da pesquisa no segundo semestre de 2020.

Em 2021, novamente, faltou dinheiro e vontade. A questão foi judicializada e o Supremo Tribunal Federal obrigou o Governo Federal a liberar os recursos e fazer o censo em 2022. O recenseamento foi a campo com a sociedade dividida e em meio a uma eleição extremamente polarizada. Houve atraso na coleta dos dados e não foi fácil aplicar os questionários nos inúmeros domicílios brasileiros. Desta forma, não tivemos um censo perfeito, mas sim um censo possível.

Todavia, com modelos estatísticos, dados secundários de registros administrativos e uma boa dose de criatividade os demógrafos e demais cientistas sociais poderão corrigir as eventuais falhas e desvendar a realidade da sociedade brasileira. Muitas dúvidas poderão ser dirimidas quando o IBGE divulgar as demais informações do censo 2022.

Referências:

ALVES, JED. As surpresas do Censo 2022 e a distribuição geográfica da população, # Colabora, 03/07/2023 https://projetocolabora.com.br/ods11/as-surpresas-do-censo-2022-e-a-distribuicao-geografica-da-populacao/

ALVES, JED. Brasil: mais urbano, mais concentrado em grandes cidades e mais interiorano, # Colabora, 03/07/23 https://projetocolabora.com.br/ods11/brasil-mais-urbano-mais-concentrado-em-grandes-cidades-e-mais-interiorano/

Leonardo Vieceli e Isabella Menon. Brasil tem 203 milhões de habitantes, 4,7 milhões a menos do que o previsto, mostra Censo, Folha São Paulo, 28/06/2023

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/06/brasil-tem-203-milhoes-de-habitantes-populacao-cresce-menos-que-o-esperado-mostra-censo.shtml

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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