#RioéRua – A Moça Bonita de Bangu

Memórias de um trecho do bairro da Zona Oeste onde as coisas parecem ter melhorado

Por Oscar Valporto | ODS 11 • Publicada em 15 de abril de 2019 - 08:16 • Atualizada em 15 de abril de 2019 - 13:59

As molas bonitas pintadas no muro do Estádio Proletário Guilherme da Silveira: parte da história do Bangu e de Bangu (Foto: Oscar Valporto)
As molas bonitas pintadas no muro do Estádio Proletário Guilherme da Silveira: parte da história do Bangu e de Bangu (Foto: Oscar Valporto)
As moças bonitas pintadas no muro do Estádio Proletário Guilherme da Silveira: parte da história do Bangu e de Bangu (Foto: Oscar Valporto)

Tinha 11 anos na primeira vez que entrei em Moça Bonita. Foi uma aventura: matei aula, meu pai faltou ao trabalho, seu amigo Álvaro também. Os outros dois banguenses no carro – meu tio Fausto e Carlinhos – já estavam aposentados. Era uma quarta-feira ensolarada, tarde de clássico da Zona Oeste sob sol de trinta e tantos graus e o Bangu perdeu de 5×1 para o Campo Grande. Nos dois anos seguintes, embora minha mãe tenha proibido matar aula de novo, passei a fazer desse grupo, como se fosse parte de uma iniciação ao mundo adulto. Ouvia histórias dos tempos de Domingos da Guia e Zizinho com a camisa do Bangu, ria com piadas machistas dos adultos, aprendia a geografia carioca enquanto conhecia os estádios da Rua Bariri (Olaria), Teixeira de Castro (Bonsucesso), Conselheiro Galvão (Madureira), Ítalo Del Cima (Campo Grande), Figueira de Melo (São Cristóvão).

Mas fui, principalmente, à Moça Bonita, nome popular do Estádio Proletário Guilherme da Silveira , inaugurado em 1948, para sediar os jogos do Bangu Atlético Clube. Garantem os pesquisadores que a moça existiu mesmo, morava na vizinhança e atraía até ali os alunos da Escola de Cadetes de Realengo. Manoel Guilherme da Silveira, médico pediatra e clínico-geral, era também sócio da Fábrica Bangu – a Companhia Progresso Industrial do Brasil, inaugurada em 1889 – desde a década de 1920. Foi presidente da companhia, responsável pela ampliação e modernização, pela construção da vila de operários, pelo reconhecimento dos direitos sociais dos trabalhadores. Em 1933, o “time de operários do Bangu” – como os jornais chamavam com uma dose de certa verdade já que havia filho de empregados da fábrica e uma maioria de negros – goleou o “clube da aristocracia”, o Fluminense, e ganhou o primeiro título da era profissional do futebol carioca.

O velho Guilherme, que chegou a presidente do Banco do Brasil e ministro da Fazenda, dá nome ao estádio e à vizinha estação de trem, ambos inaugurados em 1948 – a um quilômetro do centro de Bangu, onde ficam a antiga fábrica, transformada em shopping center, e o famoso calçadão do bairro com seu frenético movimento. Mas, nas arquibancadas de Moça Bonita, eu só ouvia as histórias do Dr. Silveirinha, seu primogênito, presidente do clube de 1937 a 1949, quando se afastou para cuidar só da fábrica. Mas continuou financiando o time – foi o responsável em 1950 pela contratação de Zizinho, a maior dos 115 anos de história do Bangu – até a década de 1960, quando Eusébio Gonçalves de Andrade e Silva assumiu a presidência, com suas bênçãos. Seu Zizinho (nada a ver com o craque), pecuarista e advogado, levou para o clube, como vice-presidente de futebol, o filho Castor: os dois montaram o time que, conquistou, em 1966, o segundo – e, até agora, último – título estadual do Bangu.

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Meninos soltam pipa na Praça Nova Jales, vizinha ao estádio de Moça Bonita: espaço reformado em área residencial (Foto: Oscar Valporto)

Tudo isso eu aprendi nas arquibancadas ou nos bares próximos à Moça Bonita, vendo os adultos tomarem cerveja à espera do jogo. Na minha memória, aquela parte do bairro estava muito mais para residencial do que para comercial ou industrial. Fazia um calor danado e o pessoal se escondia sob a copa das árvores da enorme praça ao lado estádio que parecia sempre meio maltratada. Voltei àquela parte de Bangu para ver o time nos melhores tempos dos anos 80 – vice-campeão brasileiro em 1985, campeão da Taça Rio em 1987 – e nada tinha mudado muito, com o estádio ainda cercado de construções baixas, casas boas de dois andares, ruas fechadas por grades e também conjuntos habitacionais pobres de três ou quatro andares.

Quando retornei na semana passada, inspirado pela campanha do Bangu neste campeonato estadual, constatei que nem tudo piora nesta cidade com o tempo. O calor e as construções em torno de Moça Bonita continuam os mesmos. O estádio parece mais bem cuidado do que há 15 anos, quando estive lá pela última vez. Nas paredes, há pinturas dos times de 66, de 85, de 87 e de duas moças bonitas. A estação de trem certamente melhorou dos 80 anos para cá.  A Praça Nova Jales – nome oficial do lugar que todo mundo chama de Praça Guilherme da Silveira por conta do busto do velho Manoel – passou por uma reforma em 2010 e está bem tratada. No começo de tarde de dia útil, há garotos soltando pipa, alunos de uma escola próxima aparentemente matando aula, um casal namorando, amigos tomando cerveja e conversando sobre a semifinal de domingo.

Estação Guilherme da Silveira: batizada, como o estádio, com o nome do ex-presidente da Fábrica e do Banco do Brasil (Foto: Oscar Valporto)

Com uma cerveja para matar a sede em frente ao estádio, só sinto mesmo falta do velho Cazé e dos outros banguenses ainda mais antigos que nos acompanhavam naquelas aventuras suburbanas.  Claro que tudo isso pode ser otimismo de banguense animado com os bons resultados. O pessoal reclama da segurança e da prefeitura – como quase todo mundo neste Rio de Janeiro. Mas estão aprovados o trem, a praça e o estádio: ano que vem, visitarei mais vezes esta Moça Bonita. O Bangu vai jogar o Brasileiro da Série D e a Copa do Brasil, outros motivos para tirar as camisas alvirrubras do armário e remexer a gaveta das das boas lembranças.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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