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Coluna | Acabou o Orgulho?

Neste texto, além de rememorar marcos importantes da LGBTQIA+ no País, chamo atenção para que o orgulho se torne uma prática no dia a dia de todes que celebram a data

ODS 10 • Publicada em 30 de junho de 2022 - 08:38 • Atualizada em 4 de julho de 2022 - 09:55

Em 2022, a comunidade LGBTQIA+ celebrou 53 anos da Revolta de Stonewall, um marco histórico internacional, representando o levante coletivo de pessoas que sofriam constantes abordagens vexatórias e batidas policiais violentas no bar Stonewall Inn, em Nova Iorque. Um movimento que representa sobretudo a organização de uma resposta direta contra a violência, que gerou uma onda de protestos organizados ao redor do mundo e que culminou na criação de grupos organizados e politicamente mobilizados para lutarem por direitos, assim como as Marshas* e paradas do Orgulho.

O dia 28 de junho nunca foi sobre amor, glitter ou esse movimento colorido que passou a compor as redes sociais e diversas campanhas publicitárias nos últimos anos. O que chamamos hoje de dia do Orgulho LGBTQIA+ é, sobretudo, um lembrete da indignação, da revolta e do desejo de romper com os processos de violência motivadas pela LGBTIfobia – sob as diversas formas – que aquelas pessoas deixaram de legado para nós.

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Ao voltar os olhos para a importância da data no contexto brasileiro, percebemos que, quando pensamos o orgulho, ele ainda é pautado sob a ótica do norte global, dos Estados Unidos e de uma história que quase sempre põe a cisgeneridade como protagonista. Isso embora, nos últimos anos, tenhamos ouvido falar com mais frequência de figuras importantes como Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera, entre outras mulheres LBT que ao longo da história enfrentaram processos de invisibilização de suas presenças e contribuições para a comunidade LGBTQIA+.

Pensando nisso, resolvi, nesse texto de estreia, lembrar que mesmo na necropolis brasilis tivemos/temos diversos movimentos de resistência e que passaram a organizar uma luta por cidadania, direitos e respeito. E que ainda são ignorados pelas marcas e pela sociedade, e, às vezes, esquecidos por parte de uma parcela significativa que compõe a diversidade sexual e de gênero.

Destaco aqui quatro importantes momentos. Em 1979, foi fundada a primeira instituição de luta pelo direitos LGBTQIA+, a ONG SOMOS – Grupo de Afirmação Homossexual, que, entre outras questões, atuou insistentemente tendo um papel central nas discussões em torno da Constituinte na tentativa de incluir direitos aos homossexuais. No dia 19 de agosto de 1983, ocorreu, em São Paulo, o levante contra o Ferro’s Bar, um protesto contra a repressão, expulsões violentas e a proibição da venda do jornal “Chana com Chana” no local; o levante foi protagonizado por lésbicas e apoiado por grupos feministas e a data ficou conhecida como o “Stonewall Brasileiro”. Em 15 de Maio de 1992, no auge das operações policiais contra travestis, que perduravam desde o período mais duro da ditadura, houve a fundação da primeira instituição de luta trans na América Latina, a ASTRAL – Associação de Travestis e Liberados. À época, era conhecido como o movimento de travestis, que, além de organizar uma luta para enfrentar a epidemia do HIV/AIDS, incluía ainda na pauta a mobilização contra a violência policial e a busca pela inclusão de travestis e demais pessoas trans no “Movimento Homossexual Brasileiro”. E, por último, mas não menos importante, a primeira Marsha do Orgulho, organizada durante um encontro da ILGA – International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association, em Copacabana, no Rio de Janeiro, no dia 25 de junho de 1995 (dois anos antes da parada de São Paulo).

A partir desses importantes marcos nacionais, vimos o crescimento de uma luta coletiva que se organiza em movimentos populares com o surgimento de outras ONGs, grupos e coletivos LGBTQIA+ e tem atuado para garantir conquistas que pretendem erradicar a violência contra essa comunidade, mas, sobretudo, promover uma maior participação nos espaços de representação política, decisão e de poder, para que a diversidade sexual e de gênero deixem de ser criminalizadas ou impedidas de acessar direitos básicos e cessem as violações dos direitos humanos dessas pessoas.

O Orgulho, portanto, deve celebrar as conquistas. Mas deve seguir vivo em nossa memória a luta de diversas pessoas que deram suas vidas para que hoje as novas gerações possam ter uma vida melhor que antes. É inegável que as coisas mudaram; que muita coisa melhorou apesar dos tempos difíceis e de a LGBTIfobia ainda não ter a devida atenção do estado. Mas devemos sempre lembrar que, aqui no Brasil, temos uma caminhada que vale a pena ser resgatada, estudada e comemorada. Pois foi a partir delas que chegamos onde estamos.

E, ao terminar o mês do Orgulho, é importante reafirmar que nossos passos vêm de longe para que as futuras gerações conheçam a história desse importante movimento e não permitam o apagamento de nossa memória. E para que possamos lembrar de onde viemos, em que momento estamos e o que desejamos alcançar, principalmente para que nossas conquistas não sejam derrotadas. E, para isso, não podemos deixar que o Orgulho termine ou seja resumido ao mês de junho, a um post na rede social ou campanha publicitária, mas que ele se torne uma prática e um compromisso de todas as pessoas, todos os dias do ano, e em todos os lugares.

*Usei Marsha, com S, propositalmente para rememorar a travesti que deu início a revolta de Stonewall, Marsha P. Johnson

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