Não foi uma semana fácil para o CEL (Centro Educacional da Lagoa). O colégio saiu do miolo da Zona Sul do Rio de Janeiro para o tribunal das redes sociais. E os holofotes não se voltaram para a escola por causa do Enem. Seu crime, revelado na coluna de Ancelmo Gois no GLOBO, foi ter em seu contrato de matrícula uma cláusula nada legal. Pelo documento, as famílias teriam de declarar que o “aluno não é portador de qualquer necessidade especial” e que têm ciência de que “a escola não trabalha com necessidades especiais”. Um tiro na inclusão, em tempos de inclusão.
Na internet, milhares de pessoas saíram em defesa da ética e da educação inclusiva, acusaram a escola de discriminar alunos com deficiência e de agir ao revés da lei. Especialmente quando seu dono, Julio Lopes, deveria dar o exemplo por ser uma autoridade do Estado do Rio (ele é deputado federal). Os gritos no Facebook se fizeram ouvir no Procon estadual: a entidade considera a tal cláusula discriminatória e, por isso, autuou o CEL, que tem alguns dias para recorrer. A pressão não parou. Ainda na semana passada, a direção do colégio se reuniu com representantes da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB-RJ e do Coletivo de Advogados do Rio de Janeiro (CDA/RJ). Motivo: adequação da postura do colégio em relação à lei.
Ágil como poucas escolas na hora de responder a questionamentos fora dos próprios muros, o CEL conversou com famílias e até com o senador Romário para elucidar o caso. E soltou comunicado no Facebook, bem como no seu site. Nele, a escola se diz inclusiva e contabiliza 100 alunos de inclusão de um total de 3 mil. Admite, contudo, erro no contrato: “o Colégio está em processo de retificação de contratos desde outubro devido ao item fora do contexto”. Em outubro, o movimento Paratodos, de inclusão, esteve na escola e já havia recomendado a retirada da cláusula.
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Veja o que já enviamosNa mesma semana em que o CEL ardia no fogo da opinião pública, o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou a liminar pedida pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen, que representa as escolas particulares). Contrária à recente Lei Brasileira de Inclusão (LBI), de julho deste ano, a entidade refuta a ideia de que o setor tenha condição de assumir a educação de pessoas com deficiência, bem como não concorda que as escolas particulares arquem com os custos de aprendizagem da inclusão. Com a recusa do STF, o ministro mantém, liminarmente, a garantia de matrícula e recursos a todo e qualquer aluno em escolas privadas. Fontes ligadas à área, que comemoraram a decisão, já se mostram confiantes de que não haverá retrocesso na inclusão, mas reafirmam que longa ainda é a estrada.
[g1_quote author_name=”Gonzalo Lopez” author_description=”delegado da CDPD da OAB” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]A comissão vai atuar contra qualquer ato de discriminação
[/g1_quote]Ainda que a nova lei não tenha apanhado nenhum colégio de surpresa, a inclusão está entrando a fórceps dentro de muitas instituições de ensino. Mas trata-se, segundo especialistas em educação, de um caminho sem volta. Não à toa, Gonzalo Lopez, delegado da CDPD da OAB-RJ, afirmou que “a comissão vai atuar contra qualquer ato de discriminação”. Caso da cobrança de taxa extra para alunos de inclusão ou de mensalidade maior, não adaptação curricular, de material ou de provas, recusa de matrícula. Ou de contratos claramente discriminatórios ou impeditivos.
É dentro desse contexto que o episódio do CEL se torna uma espécie de aviso para outras escolas – que, segundo fontes, já temem por novas investidas dos pais no ano que vem, quando a LBI passa efetivamente a valer. Para as escolas que ignoram as novas demandas da educação, o risco é grande, porque a sociedade civil está pressionando – com desabafos em redes sociais, denúncias e abaixo-assinados – para que a lei não fique somente no papel. Que o diga o CEL, em pleno inferno.