Até o fim de 2015, cerca de 65,3 milhões de pessoas se viram obrigadas a sair de suas casas tentando fugir de guerras e outros tipos de conflitos. O dado faz parte do relatório divulgado nesta segunda-feira, dia 20, pela Agência das Nações Unidas para refugiados (Acnur). Segundo a ONU, esta é a primeira vez que os números de deslocamento forçado ultrapassaram o marco de 60 milhões de indivíduos.
[g1_quote author_name=”Gabriel Godoy” author_description=”Oficial de proteção da Acnur no Brasil” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]O número é o maior desde a Segunda Guerra Mundial e desde os genocídios da década de 1990, o que faz com que seja ainda mais importante uma atuação conjunta de todos os países, para que seja oferecida uma resposta de hospitalidade e acolhimento a esses solicitantes de refúgio e refugiados.
[/g1_quote]Houve um aumento de quase 5,8 milhões em relação às 59,5 milhões de pessoas deslocadas em 2014. Dos 65,3 milhões, 40,8 milhões são considerados deslocados internos – migraram entre regiões no seu país de origem – e quase 3,2 milhões de pessoas tinham solicitado asilo no período citado.
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Veja o que já enviamosDe acordo com o documento “Tendências Globais”, apresentado no Dia Mundial do Refugiado, Síria, Somália e Afeganistão são os principais países de origem dos refugiados no mundo.
Vivendo em plena guerra civil e com territórios ameaçados pelo avanço do grupo extremista Estado Islâmico, a Síria tem atualmente 4,9 milhões de refugiados. O Afeganistão, que ainda sente os reflexos da invasão de tropas americanas na década passada, totaliza 2,7 milhões de deslocados. Em seguida vem a Somália, país pobre da África que sofre com a fome e ataques de milícias, com 1,1 milhão de pessoas que saíram do país ou fizeram deslocamentos internos.
“O número é o maior desde a Segunda Guerra Mundial e desde os genocídios da década de 1990, o que faz com que seja ainda mais importante uma atuação conjunta de todos os países, para que seja oferecida uma resposta de hospitalidade e acolhimento a esses solicitantes de refúgio e refugiados”, afirma Gabriel Godoy, oficial de proteção do Acnur do Brasil.
Países com mais refugiados
O governo da Turquia foi o que mais acolheu deslocados, segundo a Acnur, seguido de Paquistão, Líbano, Irã e Etiópia. Um dado relevante do documento é que, segundo a ONU, 51% do total dos refugiados em 2015 eram crianças, muitas delas separadas de seus pais ou viajando sozinhas.
O porta-voz do Acnur no Brasil explica que a Colômbia foi o único país americano entre as principais nações de origem dos refugiados em 2015. A nação sul-americana que vive um conflito de longa duração entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (as Farc) e outros grupos paramilitares, é o que possui também o maior número de deslocados internos no mundo: 6,9 milhões.
No entanto, pedidos de colombianos para condição de refugiado são os mais indeferidos pelo Ministério da Justiça do Brasil. Entre 2010 e 2015, 680 pedidos de refúgio não foram aceitos pelo governo brasileiro.
Refugiados no Brasil
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]Segundo dados do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão ligado ao Ministério da Justiça, até o fim de 2015 o Brasil tinha 8.863 imigrantes deslocados reconhecidos pelo governo. Entre as principais nacionalidades, 2.298 eram sírios, 1.420 angolanos, 1.100 colombianos e 968 congoleses.
[/g1_quote]Segundo dados do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão ligado ao Ministério da Justiça, até o fim de 2015 o Brasil tinha 8.863 imigrantes deslocados reconhecidos pelo governo. Entre as principais nacionalidades, 2.298 eram sírios, 1.420 angolanos, 1.100 colombianos e 968 congoleses. O número pode ser muito maior, já que há uma quantidade que entra ilegalmente no país.
“O Brasil recebe em torno de 1.200 pedidos de refúgio por mês. Há atualmente mais de 28 mil pedidos pendentes para apreciação no comitê”, explica Godoy, da Acnur. “É preciso fortalecer o sistema nacional de proteção aos refugiados e aumentar o número de funcionários voltados a este setor, para que o Conare garanta o processamento dos pedidos requisitados”, afirma.
Nos últimos cinco anos, as solicitações de refúgio no Brasil cresceram 2.868%. Passaram de 966, em 2010, para 28.670, em 2015. Ainda segundo Godoy, o governo brasileiro precisa propor um plano nacional de política para atendimento a refugiados, ou seja, uma diretriz que facilite a integração local das famílias no território nacional.
Histórias de dificuldade
Mireille Muluila chegou ao Rio de Janeiro em setembro de 2014, após uma extensa peregrinação entre cidades do Congo. Decidiu deixar tudo para trás por medo dos intensos conflitos armados na região de Kivu. Depois de fugir para Banyamulenge, onde vive uma grande população da etnia tutsi, conseguiu ajuda para comprar uma passagem para o Brasil.
Ela conta que as mulheres do Congo sofrem com altos índices de estupro e, caso venham a ser atacadas, são ainda rejeitadas pela população. “A mulher quando é estuprada, ninguém mais fala com ela. E o marido fica envergonhado. Elas não têm a quem recorrer”, afirma. De acordo com ela, muitas das mulheres que chegaram ao Brasil grávidas ou com filho pequeno não sabem quem é o pai, já que foram vítimas de estupro coletivo.
Intérprete na Cáritas Diocesana do Rio de Janeiro, Mirelle fala que enfrenta preconceitos no Brasil, principalmente na hora de conseguir um emprego. “Ninguém contrata quem não fala português direito”, disse.
É o caso do promotor cultural Koffy Anthony. No Brasil desde novembro de 2013, ele disse viver de bicos, já que ninguém oferece trabalho. “A vida é cara, o aluguel é caro, comer é caro”, explica, em um português carregado de sotaque.
Em 2005, Koffy foi perseguido e preso no Togo por não apoiar o golpe de Estado Militar. Depois de um ano, fugiu para o Benin e, em seguida, para o Senegal, onde ficou por sete anos até ser ameaçado de deportação para seu país de origem. De lá, veio para o Rio, onde mora com a esposa e a enteada. “Tenho esperança de que vai melhorar. Talvez eu trabalhe como voluntário na paraolimpíada, mas sei que um dia vou arrumar um emprego”, disse.