O duplo desafio do Papel Pinel

Projeto que inclui pacientes psiquiátricos pela reciclagem e pela arte enfrenta crise

Por Maria Clara Parente | ODS 1ODS 3 • Publicada em 5 de maio de 2016 - 08:00 • Atualizada em 5 de maio de 2016 - 19:32

Uma das alunas da oficina Papel Pinel ilustra um bloquinho
Uma das alunas da oficina Papel Pinel ilustra um bloquinho
Uma das alunas da oficina Papel Pinel ilustra um bloquinho

“Vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda.” A frase da psiquiatra junguiana Nise da Silveira (1905-1999), pioneira no uso da arte no tratamento de transtornos mentais, pode ser entendida na prática ao olharmos para os trabalhos produzidos na Papel Pinel, uma oficina no Instituto Municipal Phillippe Pinel, na Zona Sul do Rio de Janeiro, onde papel reciclado é transformado em cadernos, cartões, bolsas e camisas ilustrados com desenhos dos pacientes.

Com o lema “Recicle ideias, jogue fora preconceitos”, o projeto, que existe há 16 anos, foi idealizado pela psicóloga Esther Wenna, que ao ver equipamentos para reciclagem que não estavam sendo utilizados no hospital resolveu utilizá-los numa oficina criativa para os pacientes do seu ambulatório, que – ela percebia – ficavam desestabilizados pela dificuldade de conseguir um emprego. “Aqui cada aluno tem uma função. Alguns escrevem poesias, enquanto outros pintam, desenham e cuidam da arrumação”, diz Esther, que tem como principal ajudante um paciente.

Na arte produzida pelos alunos, quadros de famílias sem rosto se misturam a desenhos bem-humorados com o tema da loucura. Denominada fábrica terapêutica por Esther, a Papel Pinel já teve seus produtos vendidos na loja do Viva Rio e conheceu a fama repentina quando camisas com o slogan do projeto foram usadas por Jean Willys e Grazi Massafera, então participantes do reality show Big Brother Brasil, em uma prova do programa promovida em parceria com o projeto. “Na semana seguinte, até camelôs em Ipanema estavam vendendo as camisas do Papel Pinel”, lembra Esther.

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Os trabalhos criados pelos alunos da Papel Pinel

Mas os tempos são outros: o projeto perdeu quase metade dos seus 25 alunos e hoje não vende mais tantos produtos, como consequência da crise econômica do país. O principal ponto de venda é a feira do Lavradio, na Lapa, e o dinheiro arrecadado com isso é usado para a compra de material e para remunerar os artistas, que, assim,  aprendem a valorizar o trabalho que fazem.

Painel bordado por Silvia, uma das alunas, com a logomarca do Papel Pinel

Mas o projeto sempre se sustentou com as doações de excedentes de papéis de empresas e escolas, além do lucro com as vendas. “Se a gente não gastasse cinco, seis mil reais por ano em aulas, a gente não estava no vermelho. Mas essas aulas são superimportantes. Temos gastos de aniversários dos pacientes, táxis para as vendas etc”, diz Esther.

Para  Vanda Viola, que promove a oficina de artes, é uma pena que o projeto não tenha incentivos financeiros. Ela observa que o crescimento dos artistas também acontece pelas outras atividades culturais promovidas por Ester como visitas a  museus que fazem com que eles se percebam no mundo como artistas. Além da oficina de reciclagem de papel, os alunos têm aula de inglês e artes com professores voluntários.

Outro grande baque nos últimos anos foi a saída de alguns pacientes antigos, e a pouca renovação em função do fechamento do ambulatório do Pinel, que sempre foi responsável por trazer novos participantes para o projeto. Este ano, os alunos ainda nem começaram a fazer papel, porque perderam tudo com os cupins no final de 2015, além de R$ 2 mil em livros de arte e parte da produção.

Mas isso não  abala Ester, que sabe da importância de manter a oficina como um porto seguro, “um lugar de criação onde eles possam se sentir úteis e refletir sobre o seu papel na sociedade”.

O artista Samy, a psicóloga Ester e uma das estagiárias do projeto

Essa inclusão aconteceu com Samy, um dos alunos mais antigos da oficina e responsável pela logomarca do Papel Pinel. Segundo ele, a maior mudança proporcionada pelo projeto foi sua profissionalização como artista plástico: “O que mais gosto é de criar”. Seus desenhos já estamparam calendários de empresas internacionais e um deles se tornou a marca do  coletivo Tá Pirando, Pirado, Pirou!, bloco carnavalesco formado por usuários, técnicos e familiares do Pinel, que já foi assunto de reportagem do The New York Times.

São conquistas como essas que fazem o projeto seguir em frente. Este ano a turma se encontrou para ir à exposição da mexicana Frida Kahlo, fazer desenhos e vender os produtos na Feira do Lavradio. Mas só depois de tudo vendido vão voltar a  reciclar. “No ínício me dava muita angústia, mas agora comparo com os altos e baixos da vida. Faça chuva ou sol, o Papel Pinel vai estar lá para quem quiser . Essa certeza é estruturante para eles. Então eu tenho que sustentar isso”, diz Ester.

Maria Clara Parente

Jornalista e mestre em literatura pela PUC-Rio. Trabalha com jornalismo ambiental e audiovisual desde 2016, com foco em novas economias, mudança sistêmica e justiça climática. No colabora, dirige a apresenta a série WebColaborativa e apresentou a primeira temporada da série Comendo Lixo(2018), sobre cozinha lixo zero. Co-dirigiu a série documental What is Emerging?(2019) e dirigiu o documentário Regenerar: Caminhos Possíveis em um Planeta Machucado(2022).

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