No último dia 6 de abril, o estudante Felipe Rocha Pereira de Souza, de 18 anos, teve uma visão de como poderá estar daqui a 20 anos. Era a 13ª Convenção de Alunos e Famílias do Instituto Ismart, no Centro de Convenções Sul-América, no Centro do Rio, e, num vídeo motivacional apresentado às mais de 650 pessoas presentes, Felipe se deparou com ele mesmo, aos 38 anos, já um engenheiro químico de sucesso, relembrando sua trajetória. Filho de uma doméstica e um garçom que têm uma lanchonete no complexo de favelas Pavão-Pavãozinho-Cantagalo, entre Ipanema e Copacabana, onde mora, o rapaz acaba de entrar para o curso que escolheu, na UFRJ, tendo conquistado 811 pontos no Enem e se tornado o primeiro da família a ingressar no ensino superior. Ex-aluno da Escola Municipal Castel Nuovo, seu futuro começou a mudar quando ele passou no processo seletivo do Ismart em 2015 e ganhou uma bolsa de estudos que lhe proporcionou fazer o ensino médio no Colégio PH de Botafogo, um “luxo” com o qual sua família não teria condições de arcar.
[g1_quote author_name=”Mariana Rego Monteiro” author_description=”Diretora-executiva do Instituto Ismart” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Nosso objetivo é a ascensão social destes jovens, é quebrar o ciclo da pobreza
[/g1_quote]“Todo mundo que está aqui não está acostumado a ter tantas oportunidades. Eu resolvi aproveitar todas elas”, deu seu testemunho aos colegas de hoje, no vídeo, o Felipe de 2039. “Percebi que uma pessoa não seria suficiente para mudar o mundo. Ai, tentei ajudar meus colegas. Uma mão lava a outra”, concluiu. Na plateia, estava sua irmã de 11 anos, uma das que espera conseguir as mesmas oportunidades, quando chegar ao 7º ano, em 2020, e puder fazer a mesma prova, cuja aprovação garante não apenas a bolsa, mas a cobertura de custos como material, uniforme, transporte e alimentação. “Meu sonho hoje é estar formado daqui a cinco anos e num emprego legal, com uma posição financeira mais estável para ajudar minha família”, diz o estudante no presente.
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Veja o que já enviamosFelipe é um dos 550 jovens talentos de baixa renda que, nos vinte anos de atuação do Instituto Ismart, tiveram acesso a uma educação de ponta no ensino médio e já conquistaram a chance de chegar às salas de aula de universidades não só do Brasil: pelo menos dez deles estudam hoje em Birmingham (na Inglaterra), Stanford e Yale (nos Estados Unidos), entre outras faculdades lá fora. Nestas duas décadas, o Ismart recebeu 120 mil inscrições. Do total, 2.866 alunos foram selecionados e se tornaram bolsistas do instituto. Graças ao trabalho desenvolvido pela instituição, 222 desses estudantes já estão graduados – a maioria esmagadora em Direito, Medicina, Administração e Economia, além das engenharias.
Criado em 1999, o Instituto Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos (Ismart) é uma entidade privada, sem fins lucrativos, que identifica esses jovens talentos de baixa renda, de 12 a 15 anos de idade, e lhes concede bolsas não apenas presenciais em escolas particulares de excelência (nas cidades do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo, São José dos Campos, Sorocaba e Cotia), mas também online, além de acesso a programas de desenvolvimento e orientação profissional, do ensino fundamental à universidade. No Rio, por exemplo, as escolas parceiras são Eleva, Pensi e São Bento, além do PH (Botafogo e Barra), que oferecem de dez a trinta bolsas de estudo cada. As inscrições 2019, para 2020, estão abertas até de 5 junho e podem ser feitas no site www.ismart.org.br.
Estão em jogo 340 bolsas presenciais integrais e mil vagas para a plataforma online de estudos do Ismart. A não reprovação no histórico escolar e vir de família com renda per capita de no máximo dois salários mínimos estão entre os critérios de seleção. As oportunidades presenciais são para dois diferentes projetos – Alicerce e Bolsa Talento. Para o primeiro, os alunos se inscrevem quando estão matriculados no 7º ano do ensino fundamental e, se selecionados, participam de um cursinho preparatório para o ensino médio nos colégios particulares parceiros do Ismart, durante o 8º e o 9º anos. As aulas extras são ministradas nas horas vagas, por professores das instituições parceiras. Já os matriculados no 9º ano do ensino fundamental podem tentar o Bolsa Talento, em que os aprovados no processo seletivo ingressam diretamente nos colégios particulares para cursar o ensino médio com bolsa de estudos integral. O processo seletivo é dividido em cinco etapas: teste online, prova presencial, entrevista individual, visita domiciliar e dinâmica em grupo.
“Nosso objetivo é a ascensão social destes jovens, é quebrar o ciclo da pobreza”, resume a diretora-executiva do Instituto Ismart, Mariana Rego Monteiro, acrescentando que isso se traduz em levá-los a uma posição de destaque, em que ganhem mais do que é pago em média no setor por tempo de formado. Engenheira de computação graduada pela PUC-Rio, Mariana está no cargo desde 2017. Ela conta que a ideia do Ismart surgiu de um grupo de empresários que queria se aproximar de talentos brasileiros com as chamadas altas habilidades ou superdotados. Entre eles está o engenheiro e professor Vicente Falconi, hoje presidente do conselho do instituto. “Começamos com seis bolsistas, em 1999. Estávamos começando a aprender, inclusive a recrutar”, disse o próprio Falconi aos estudantes, em vídeo exibido na mesma convenção. “Queremos que vocês assumam, toquem a organização”, anunciou ele, na ocasião.
“As pessoas que chegavam ao Ismart, na época, não eram as que realmente tinham necessidades financeiras. O desafio era chegar perto desses alunos. Esses empresários conversaram com as secretarias de educação para chegar aos professores e identificar os alunos que tinham aptidões, potencial acadêmico”, explica Mariana. Assim, foi se desenhando o modelo seguido hoje, que mostra excelentes resultados. Em 2018, por exemplo, dos 178 alunos Ismart que cursaram o 3º ano do Ensino Médio, 99% passaram em vestibulares. Um índice bem acima dos resultados apontados pela pesquisa Síntese de Indicadores Sociais (SIS) de 2018, divulgada pelo IBGE. De acordo com ela, a taxa de ingresso no ensino superior entre os que concluíram o nível médio na rede pública foi de 35,9% e de 79,2% entre os que cursaram a rede privada no mesmo ano.
“Quem passa ganha auxílio de custos mensal para os estudos”, conta Mariana, explicando que esta ajuda é dada diretamente pela escola. Segundo ela, o custo médio de um aluno é de R$ 20 mil por ano, o que seria impossível de conseguir sem a parceria com as escolas: “Algumas dão 100% de bolsa, mas também contamos com empresas que dão não só dinheiro, mas estimulam seus funcionários a trabalhar como voluntários. Entre elas estão Ambev, Bradesco, Itau-Unibanco e várias consultorias, startups”.
A diretora executiva cita um dos mantras do instituto – todos repetidos à exaustão aos estudantes: “O incrível pode acontecer quando talento encontra oportunidade”. Não é exagero. São muitas as histórias como as do hoje engenheiro mecânico formado pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) João Pedro Silva Oliveira, de 22 anos e trabalhando como trainee no Itaú BBA em São Paulo.
“Eu tinha 6 anos quando o Ismart foi à minha escola, no fim da alfabetização. Fiz uma provinha de lógica, mais para mostrar meu potencial intelectual do que meu conhecimento. Também passaram pelo mesmo processo alunos da Rocinha, da Baixada, do Morro da Babilônia. Era meio que um experimento. Tinha uma sede em Botafogo onde nos eram oferecidas atividades culturais, oficinas, aulas de xadrez e leitura à tarde, depois da escola”, relembra o jovem, que morava na Cruzada São Sebastião, no Leblon. No entanto, foi um dos únicos selecionados a não passar nos vestibulinhos nem do São Bento nem do Santo Inácio, as únicas escolas parceiras na época. Já mais velho e estudando no Pedro II, ele resolveu tentar de novo, pela Bolsa Talento do instituto. E entrou para o PH de Botafogo aos 14 anos.
“Foquei muito no IME. Eram só 95 vagas para o Brasil inteiro, quase ninguém do PH passa. Era o risco máximo, eu não tinha um plano B. Acabei sendo o primeiro do Ismart a passar para lá, e até hoje sou o único. Me formei e hoje dou mentoria para tentar apoiar colegas que estão tentando seguir o mesmo caminho”, diz João Pedro, que na outra ponta, quando ainda estava na faculdade, criou um projeto social para ajudar na educação dos jovens de sua antiga comunidade. Ele conta que nunca teve problemas de integração com os colegas do PH, apesar do que chama de “choque de classes”. E resume o atual momento como o da sensação do “e agora?”. “É tudo novo não só para mim como para minha família. Todos os meus amigos de infância da Cruzada de alguma maneira se envolveram com drogas e crime”, constata, ciente de que ainda é um ponto fora da curva.
Mas os bons exemplos têm efeito multiplicador, como diz outro dos mantras do Ismart do qual ninguém que conhece histórias como estas pode duvidar.