Legado de Singer à deriva

Oficialmente, economia solidária perde força no governo Temer; mas os bancos comunitários resistem no país afora

Por Liana Melo | ODS 1 • Publicada em 12 de setembro de 2018 - 08:05 • Atualizada em 7 de abril de 2020 - 11:02

Professor nato, por onde ia, o economista Paul Singer arrastava uma legião de admiradores. Foto Antonio Cruz/Agência Brasil

Professor nato, por onde ia, o economista Paul Singer arrastava uma legião de admiradores. Foto Antonio Cruz/Agência Brasil

Oficialmente, economia solidária perde força no governo Temer; mas os bancos comunitários resistem no país afora

Por Liana Melo | ODS 1 • Publicada em 12 de setembro de 2018 - 08:05 • Atualizada em 7 de abril de 2020 - 11:02

Professor nato, por onde ia, o economista Paul Singer arrastava uma legião de admiradores. Foto Antonio Cruz/Agência Brasil
Considerado o pai da economia solidária, o legado de Paul Singer sobrevive à sua morte (Foto Antonio Cruz/Agência Brasil)

“O crédito faz a ponte entre o presente e o futuro”. A frase é de John Maynard Keynes, mas era o economista Paul Singer quem costumava repeti-la, à exaustão, todas as vezes em que era convidado a participar do lançamento de um novo banco comunitário pelo Brasil afora. Por 13 anos, ele ficou à frente da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes) – órgão vinculado ao Ministério do Trabalho e aliado fundamental dos bancos comunitários. Sua gestão durou por dois governos: de 2003 a 2011, com Lula, e até 2016, com Dilma Rousseff. Morto há cinco meses, Singer levou consigo a alcunha de pai da economia solidária. Ele foi um verdadeiro maestro dessa doutrina por acreditar que a democratização do crédito aos mais pobres era a única forma de construir a tal ponte, entre o presente e o futuro, projetada retoricamente por Keynes.

Singer na cerimônia de inauguração do Banco Mumbuca, em Maricá. (Foto de Divulgação)

Foi com esta crença que deu força total à expansão das moedas sociais no país, e aos bancos comunitários, fazendo com que experiências parecidas com a brasileira fossem replicadas em países da América Latina e da África. Só que, em agosto, completou dois anos que a economia solidária sofreu um duplo golpe no Brasil – ambos mortais. O primeiro foi o próprio impeachment de Dilma Rousseff, quando Singer entregou o cargo, junto com equipe, no dia seguinte à destituição da presidente do Planalto. O segundo foi o atentado sistemático promovido pelo governo Temer à pasta. Só que, apesar do esforço concentrado para enfraquecer as iniciativas de economia solidária no país, o legado de Singer continua vivo.

O desprezo pela economia solidária é gritante no governo Temer. Procurado, o Banco Central (BC) respondeu, por email, que “acompanha de longe o tema”; enquanto o substituto de Singer na Senaes, Natalino Oldakoski, admitiu publicamente seu total desconhecimento sobre o assunto. Com potencial para criar emprego e renda via economia solidária, os bancos comunitários são a antítese do tradicional sistema financeiro, que, no lugar de criar riqueza, apenas transfere renda.

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Quem viu o filme Uma Linda Mulher lembrará como o aplicador financeiro, quando perguntado pela prostituta o que ele faz na vida, responde de maneira direta: “Eu faço o mesmo que você, eu f…com as pessoas por dinheiro” (Same as you, I screw people for money). A referência faz parte do artigo “A economia travada pelos intermediários financeiros”, escrito pelo economista Ladislau Dowbor, da PUC-SP. Autor de dezenas de livros sobre desenvolvimento econômico e social, Dowbor traduz com uma simplicidade constrangedora o comportamento dos ricos e dos pobres. “Quem ganha pouco não compra belas casas, fazendas e iates, menos ainda faz aplicações financeiras de alto rendimento. O pobre gasta, o rico acumula”. É este mecanismo de enriquecimento que a economia solidária se contrapõe.

O entusiasmo de Singer pela economia solidária o fez acreditar que ela seria “a porta de saída do Bolsa Família”, como chegou a afirmar em uma de suas muitas entrevistas. O economista morreu sem ver seu sonho realizado.

 

Bancos do Bem

 

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Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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